Por uma política cultural do campo no Brasil
Artigo apresenta uma análise crítica sobre a ausência de políticas culturais para o campo no Brasil e apresenta os caminhos possíveis para o fortelecimento da Cultura Popular

Por Viviane Cristina Pinto
Da Página do MST
Há dez anos, realizei uma pesquisa de mestrado no Programa de Estudos Culturais da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP partindo de uma pergunta simples, mas estruturante, que buscou verificar se existiam políticas públicas para a cultura do campo no Brasil.
A resposta foi que não havia uma política sistemática voltada para a cultura do campo. Apesar da pesquisa identificar ações e programas de outra natureza que podiam contribuir com o desenvolvimento cultural das populações campesinas, havia o predomínio de recursos federais voltados para leis de incentivo à cultura, mecanismos estruturados em uma lógica neoliberal, voltada aos interesses do mercado e distante da realidade das populações camponesas. Até mesmo o Programa Cultura Viva, reconhecido por seu caráter comunitário e democrático, só em 2014 começou a mapear pontos de cultura ligados ao meio rural, e naquele momento, eles representavam menos de 3% do total.

Uma década depois: o que mudou?
Foi revigorante e inspirador ter vivenciado recentemente o Seminário Nacional “Por uma cultura popular do campo”, realizado em Brasília, de 19 a 21 de agosto de 2025. O encontro reuniu artistas, educadores, professores universitários e trabalhadores da cultura, interessados diretos no assunto do fortalecimento da cultura do campo.
Apesar das expectativas criadas em torno de marcos legais como a Política Nacional Aldir Blanc
(PNAB) e o próprio Programa Cultura Viva, os recursos públicos ainda não estão chegando à ponta, para quem mais precisa. As falas de artistas e agentes culturais do campo evidenciam uma gestão pública excludente, marcada por excessiva editalização, com regras, burocracias e competições que uniformizam projetos e afastam sujeitos cujas práticas se enraízam em outros tempos, modos de vida e linguagens.

Em vez de apoiar, a ação do Estado tem frequentemente inviabilizado a participação desses agentes, que carregam consigo saberes ancestrais, comunitários e populares fundamentais para a vida cultural brasileira.
Caminhos possíveis
Experiências como a do Seminário “Por uma cultura popular do campo” demonstram a potência de construir políticas a partir do encontro, da escuta e da produção coletiva de conhecimentos voltados para melhorar a realidade cultural de pessoas que lidam diariamente com a terra, as águas, as agroflorestas e a soberania alimentar.
Depois de anos de ataques e destruição das políticas culturais brasileiras pelos governos golpistas e de extrema direita de Temer e Bolsonaro, atualmente vivemos um momento de reconstrução do contexto democrático político cultural nacional que precisa dar respostas urgentes e concretas para a população do campo.
A pergunta que fica pulsante desse processo é: como desenvolver um ecossistema cultural do campo no Brasil?
Acredito que as respostas passam por:
- Ter base em pesquisas e dados – faltam informações atualizadas sobre a vida cultural das populações campesinas. Sem diagnóstico, não há política pública consistente.
- Formações continuadas: faltam formações continuadas que garantam que as populações do campo tenham acesso a direitos e conhecimentos para atuar em todas as etapas da cadeia cultural.
- Intersetorialidade: programas precisam articular cultura com educação, agroecologia, meio ambiente, direitos humanos e comunicação.
- Ações de dentro para fora: as soluções não podem reproduzir a lógica colonial de imposição externa; devem emergir das próprias práticas, experiências e saberes dos agentes culturais do campo.
- Enfrentamento às guerras culturais: o campo é espaço de disputa simbólica desigual, onde os meios de comunicação de massa propagam cotidianamente a imagem hegemônica do agronegócio como “tec, pop, tudo”. Essa invasão cultural mina valores, subjetividades e alternativas de mundo.
Desse processo, fica também o entendimento de que o Brasil precisa com urgência de uma política cultural do campo que seja de fato de amplitude nacional, intersetorial e baseada em evidências, com ações concretas para a melhoria de vida e de trabalho cultural das populações do campo.
Por mais pesquisas, dados e diagnósticos.
Por mais encontros, alianças e formações continuadas.
Por políticas públicas que nasçam da prática e da realidade da vida cotidiana no campo.
Só assim será possível cultivar um ecossistema cultural do campo justo, diverso e emancipador.
*Pesquisadora, educadora e gestora cultural, integrante do Coletivo Terra em Cena.