Modelo de Morte
5 crimes do agronegócio contra a natureza, os bens comuns e a humanidade
Durante o mês de setembro, o MST realiza ações em defesa da “Reforma Agrária Popular para cuidar da Natureza”, denunciando os crimes do agronegócio contra a biodiversidade, os territórios camponeses e as comunidades rurais

Da Página do MST
Diante da crise ambiental, avanços das catástrofes e efeitos climáticos extremos, que vem atingindo principalmente os povos mais pobres e carentes no Brasil e no mundo, a exemplo das enchentes e secas dos últimos períodos, a preservação e recuperação da natureza e dos bens comuns assume papel um central para a implantação de um modelo mais equilibrado de agricultura, para a própria manutenção da humanidade.
Nesse cenário, o cuidado com a natureza e a massificação da agroecologia pautam a essência do Projeto de Reforma Agrária Popular do MST, que busca garantir a produção de alimentos saudáveis em larga escala, para alimentar a população e combater a fome no Brasil, como uma alternativa urgente para atenuar os efeitos da crise ambiental.
Mas, para que a implantação de um modelo de agricultura baseado na agroecologia se torne viável, além da luta pela criação de políticas públicas nesse sentido, também é fundamental denúnciar o atual modelo industrial e predatório do agronegócio, como um dos principais causadores da crise ambiental, que se sustenta na concentração de terras, monocultura, exploração de trabalho escravo e a destruição dos biomas e dos bens comuns, com as queimas, desmatamento e uso intensivo de agrotóxicos, gerando doenças e aumentando as desigualdades.
O debate com a sociedade e os governos sobre o assunto e a construção de saídas para a crise ambiental integra a pauta do MST e dos movimentos populares do país, durante a organização da Cúpula dos Povos rumo à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), que acontece em novembro de 2025, na cidade de Belém, no Pará.
A denúncia em torno dos efeitos destrutivos do modelo do agronegócio integra as ações realizadas pelo MST durante todo este mês de setembro, pautando a urgência da Reforma Agrária Popular e o cuidado com a natureza e alertando para as ameaças contra o meio ambiente e à soberania popular. As atividades ocorrem em articulações conjuntas entre as/os trabalhadoras/es do campo e da cidade, com ações em defesa da “Reforma Agrária Popular para cuidar da Natureza”, realizadas pelas famílias Sem Terra, entre os dias 5 e 11 de setembro, em que, respectivamente foi celebrado o dia do bioma da Amazônia e do Cerrado, espaços fundamentais para a manutenção da biodiversidade ambiental e a soberania alimentar e nacional do Brasil.
Confira 5 crimes do agronegócio no último período contra a natureza e os seres vivos:
1. Caso da Braskem em Alagoas
A empresa petroquímica global Braskem e seus colaboradores em Maceió, Alagoas foi investigada pela Polícia Federal, com o indicimento de 20 pessoas, por crime sociambiental, relacionados à exploração de sal-gema no estado. O crime da empresa também gerou a criação de uma CPI no Congresso Nacional, que investigou a atuação da empresa em Maceió e concluiu que a mineradora cometeu seis crimes, que vão desde a omissão, por não tomar as medidas de prevenção necessárias, poluição, extração de matéria-prima em desacordo com as obrigações legais, por extrair maior quantidade de sal-gema do que a segurança das minas permitiriam. E pediu o indiciamento da mineradora e de 11 pessoas, ligadas à Braskem e à empresas que prestaram serviços e trabalharam para mineradora.

Em 2018, moradores de Maceió começaram a sentir os primeiros impactos do crime na região, como rachaduras, crateras no solo e tremores de terra que destruíram imóveis e levaram a desocupação de diversos bairros. Mas a tragédia foi anúncida, pois a mineração ocorre desde os anos de 1970, quando a petroquímica e mineradora Braskem, antes Salgema S/A, explora o mineral em Maceió. E devido à exploração inadequada da empresa nas minas ocorreram falhas e a formação de crateras no solo, danificando centenas de moradias, com rachaduras nas paredes e afundamento do solo.
Mais de 60 mil famílias foram realocadas e mais de quarenta escolas públicas e privadas foram fechadas, além disso, diversas empresas foram extintas e trabalhadores ficaram desempregados. O crime afetou cinco bairros na proximidades da lagoa Mundaú, que correspondem a 20% do território da capital alagoana.
O caso foi considerado como o maior crime ambiental em área urbana do mundo e mostra os desafios enfrentados em toda a cadeia da transição energética, desde a fabricação de componentes até o trabalho no setor, que em casos como esses tem se tornado prejudicial ao meio ambiente e a população que vive no entorno.

Margarida da Silva, da coordenação nacional do MST e assentada da Reforma Agrária em Italaia (AL), denuncia o maior crime ambiental em solo urbano do mundo, e explica que além do afundamento do solo, com a destruição de bairros inteiros, a Lagoa Mundaú também foi contaminada com o rompimento da mina 18 da Braskem, impactando a vida de marisqueiras e pescadores.
“Denunciamos o capital e o agronegócio predador, que tem se apropriado dos bens da natureza e assim expulsado comunidades e povos das suas localidades. Um exemplo disso é a Braskem, em Maceió. O crime ambiental causou impactos: social, ambiental e econômico. Uma das minas da Braskem rompeu na Lagoa Mundaú, onde afetou toda a vida marinha da lagoa e impactou diretamente as marisqueiras e os pescadores que sobreviviam da pesca e do marisco na lagoa. Convocamos a população alagoana e brasileira para denunciar, e responsabilizar os seus responsáveis pelos seus crimes, não achar natural que o agronegócio continue se apropriando e destruindo o meio ambiente. E precisamos reafirmar o papel da Reforma Agrária Popular na defesa do meio ambiente, no combate à fome, às desigualdades sociais e econômica no nosso país”, analisa.
2. Uso massivo de agrotóxicos pelo agronegócio no MT
No estado do Mato Grosso, o mesmo agronegócio que se vende como “pop e tech” na grande imprensa e nas redes sociais, tem se tornado um dos principais destruidores do meio ambiente e de três biomas brasileiros presentes no estado: Cerrado, Pantanal e Amazônia, que convivem com os impactos de destruição e morte, perpetuado pelo modelo de produção de monocultura de commodities, em larga escala, como soja, milho, algodão e outros, além dos malefícios da mineração, que tem crescido nos territórios e das grandes hidrelétricas nos rios.

“Esse minério-hidro-agronegócio, que visa explorar a natureza, privatizar os bens do povo para acumular capital, gerar lucro para as empresas, nos nossos territórios, é constante, além da pressão desse sistema sobre as nossas comunidades. Então, desde a pulverização aérea do agrotóxico, com grande impacto nos assentamentos, impedindo a produção agroecológica, por conta da deriva e da contaminação da produção com os agrotóxicos pulverizados nas fazendas, tamém é usado como arma química, amedrontando famílias, que às vezes abandonam os assentamentos e o território, em vista de ter pulverização constante em seus arredores. Portanto, permanecer nos assentamentos, tem sido desafiador”, denuncia o dirigente do MST no estado, Valdeir Souza.

Além das comunidades camponesas e a natureza, as cidades e regiões inteiras também enfrentam os impactos da especulação imobiliária do agronegócio e dos impactos dos insumos agroquímicos. Na região norte de Mato Grosso, conhecida como região polo de produção do agronegócio no estado, várias cidades estão no ranking de piora nas condições da saúde humana, com altos índices de câncer, câncer infantojuvenil, altos índices de crianças de nascendo com anomalias e diversos outros impactos, que tem crescido de forma exorbitante, de acordo as cidades onde há maior desenvolvimento dos monocultivo e aplicação intensiva de agrotóxicos.
“Diante disso, é fundamental que possamos apresentar à sociedade que existe um outro modelo capaz de alimentar o povo, produzir alimentos saudáveis de forma justa, a preços justos. E é vindo das famílias trabalhadoras da agricultura familiar, com respeito à natureza, de forma agroecológica. Então, a Reforma Agrária Popular é fundamental para democratizar a terra, enfrentar o agronegócio e produzir alimentos saudáveis para o povo e proteger a natureza”, conclui Valdeir.
3. Caso da Samarco em Mariana, MG
Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), da empresa Samarco, controlada pelas gigantes Vale e BHP billiton, despejou 43,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração na bacia do rio Doce, matando 19 pessoas, desalojando centenas de famílias e destruindo comunidades inteiras em Minas Gerais e no Espírito Santo. A lama atingiu 663 quilômetros de corpos hídricos até chegar ao oceano Atlântico, causando a interrupção do acesso à água potável para 1,2 milhão de pessoas e destruindo a bacia do rio Doce, com impactos em dezenas de municípios da foz do rio até o Espírito Santo.
Além da morte dos trabalhadores, o crime aniquilou o meio ambiente, a economia e a cultura local e destruíu vidas e sonhos dos moradores da região, deixando um raste de destruíção por onde os rejeitos de lama passaram. Sendo considerado o maior crime socioambiental do Brasil, e um dos maiores do mundo, envolvendo barragens da mineração.

A moradora do Vale do Rio Doce, do MST, Edilene dos Santos Costa, relata como até hoje os impactos do crime da Samarco, em Mariana, ainda afetam os assentamentos na região e impedem as famílias de produzirem seu sustento da agricultura camponesa.
“Na região, nós temos 19 áreas de assentamentos que foram atingidos e cinco que foram atingidos diretamente por esse crime, e até hoje as famílias estão impedidas de produzir suas lavouras naqueles locais, devido ao impacto no solo. Toda vez que chove dá enchente, aí mais rejeitos descem pelo rio Doce, contaminando ainda mais o solo. E a empresa segue impune diante desse crime que causou uma tragédia na vida das pessoas, das famílias, dos agricultores e agricultoras da nossa região. Para nós, a reparação é a realização de uma Reforma Agrária Popular, não só no vale do Rio Doce, mas em todo o país, como forma de desenvolver um outro modelo de produção que preserve a vida e a natureza.”

Saiba mais: MST ocupa e paralisa Samarco pelos 6 anos de impunidade do crime em Mariana.
Quanto a apuração do crime, a partir de denúncia da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF), 21 pessoas ligadas à Samarco e às suas duas acionistas Vale e BHP Billiton, foram acusados de crime de homicídio qualificado e diversos crimes ambientais, mas, por parte da justiça brasileira os crimes da Vale e da Samarco no Brasil seguem impunes. “Ninguém foi preso, ninguém foi responsabilizado criminalmente pelas mortes e pelos danos que nós vivemos até hoje”, avaliou Thiago Alves, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em entrevista ao Brasil de Fato.
4. Avanço do capital energético na Paraíba
Durante a Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem Terra, em março deste ano, as camponesas da Paraíba denunciaram o avanço do setor energético e do agronegócio sobre os acampamentos e assentamentos do MST no estado. Com um ato em frente à empresa de energia solar Atiaia, no litoral Paraibano, as mulheres Sem Terra questionaram o arrendamento injusto das terras, a inviabilização da produção de alimentos saudáveis e a destruição do meio ambiente e do modo de vida camponês a partir da atuação das empresas de energia solar e eólicas.
Os Sem Terra no estadro denunciam que grandes empresas estrangeiras de energias revonáveis estão invadindo os territórios da Reforma Agrária e de comunidades rurais, com apoio de recursos públicos, expulsando e ameaçando famílias camponesas.

“Na Paraíba, grandes usinas de produção de energia solar e eólica estão invadindo nossos territórios, especialmente três grandes empresas estrangeiras que recebem financiamento público via BNDES e via Sudene, e atuam nas nossas comunidades, ao passo que expulsam as nossas famílias camponesas dos seus territórios. São elas, a EDP Energia, que tem o Complexo Eólico Serra da Borborema, uma empresa portuguesa; a Não Energia, que está no Complexo Eólico e Solar do Sertão Paraibano, com uma empresa espanhola, e a CTG Brasil, uma empresa chinesa, que está operando o Complexo Eólico Oeste Seridó, um complexo eólico e solar. Essas empresas lucram se instalando no território brasileiro e expulsando as famílias do campo, especialmente na região Nordeste”, denuncia Paulo Romário, da coordenação nacional do MST pela Paraíba.
Devido a sua localização, o estado da PB faz parte dos corredores do vento e, ao mesmo tempo, tem se tornado também a “Terra do Sol”, quanto à captação da luz solar para produção energética de grandes empresas. Paulo explica que, o MST não é contra a transição energética nem as energias renováveis, mas é contra esse modelo que expropria grandes territórios brasileiro, expulsa o povo camponês de seus territórios, ao mesmo tempo em que recebe investimentos nacionais públicos, que incentivam a instalação de grandes usinas de produção de energia para a exportação.

“Entendemos que os territórios camponeses são para produzir alimentos para alimentar o povo brasileiro, mas que estão sendo impedidos aos seres expulsos de suas terras por essas empresas estrangeiras. Nós do MST, entendemos que o enfrentamento às mudanças climáticas será feito pelos povos em luta. E a transição energética passa por mudar o modelo de produção, superarmos o capitalismo e construirmos um outro modelo de sociedade, baseado em outras relação produtivas, mas também na relação com a natureza. A transição energética precisa acontecer de forma descentralizada, compartilhada e cooperada”, pontua o dirigente.
Contudo, o MST entende que o desafio da transição energética que não pode prejudicar o meio ambiente e as comunidades tradicionais. Nesse sentido, para o Movimento a realização da Reforma Agrária, juntamente com a demarcação de territórios indígenas e quilombolas, precisa estar no centro de um novo projeto popular de país, para garantir a preservação da natureza e produção de alimentos saudáveis, elém do zelo dos bens comuns por parte dos povos do campo, das águas e das florestas.
O relatório Global Resource Outlook, da ONU, estima que a extração mundial de matérias-primas vai aumentar 60% até 2060 e poderá agravar as consequências para o clima e as mudanças climáticas. Por outro lado, para a realização de uma transição energética justa, é preciso garantir o uso responsável dos recursos minerais em toda essa cadeia e assegurar o direitos dos povos do campo e da cidade aos territórios, impedindo o aumento da explosão de comunidades tradiocionais e assentamentos de Reforma Agrária por parte do poder e violência de grandes empresas. Do contrário, tragédias como aquela causada pela mineração em Maceió serão cada vez mais frequentes.
5. Projeto Matopiba no Maranhão
Como parte da expanção do agronegócio com a exploração de uma nova fronteira agrícola no Brasil, surge a partir de 2015, com a área de implementação do Plano Matopiba, abrange o Cerrado dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, e corresponde a uma área de cerca de 73 milhões de hectares distribuídos em 31 microrregiões e 337 municípios.
O Matopiba foi criado para impulsionar a expansão do agronegócio para a produção de commodities, para exportação. Devido a essa expansão do agronegócio, a microrregião se tornou o principal motor do desmatamento do país nos últimos anos, ameaçando comunidades tradicionais e áreas de assentamentos de Reforma Agrária, ao avançam na invasão desses territórios, reconcentrando terras e fazendo avançar a especulação imobiliária e a financeirização da agricultura.

A assentada e militante do MST, que vive no assentamento Cristina Alves, no Maranhão, Irismar Oliveira, relata que na região do Vale do Itapecuru, no Baixo Parnaíba as comunidades tradicionais enfretam um processo histórico de luta em relação a grandes projetos de expansão do agronegócio, devido ao projeto do MATOPIBA.
“Por ser uma região de fronteira agrícola, as grandes empresas, elas têm ultimamente se concentrado nessa região, inclusive abordando as áreas que que eram anteriormente do João Santos. E com isso a gente tem se deparado com todo tipo de realidade. No município de Buriti, no Maranhão, minha família tem se deparada com essa realidade dos grandes projetos onde a gente enfrenta toda crise, que é a tomada de territórios e a intensidade de agrotóxicos na região, que tem causado todos os tipos de destruição das vidas das pessoas. Os males ali são de problema de pele, a poluição dos rios, a poluição e morte da biodiversidade.”
O Matopiba tem sido uma das regiões do agronegócio que mais cresce em área plantada no país, segundo informações do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Porém, esse crescimento ocorre às custas da destruição de vegetação nativa da região e o desmatamento do meio ambiental. A região tem se tornado um dos locais com maiores índices de desmatamento no país. Conforme dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (Sad Cerrado), em 2024, a maior parte da devastação foi registrada no Matopiba, com a Fronteira agrícola concentrando 82% do desmatamento do Cerrado em 2024.
Diante desse cenário de destruíção e ameaça à vida das comunidades rurais, por parte de projetos do agro como este, Irismar explica que as famílias assentadas do MST tem realizado processos de mobilização permanentes para resistir nos territórios. “Estamos mobilizados, em permanente luta, para as famílias resistirem em seus territórios e também para que possam construir um novo projeto de vida, de resistência e de cuidados com a natureza e com a biodiversidade. Nos mantemos firmes e resistiremos às investidas do grande capital”, projeta.