Democratize já!

A onda necessária: A Rádio no coração da disputa ideológica

Neste Dia de Luta pela Democratização da Comunicação, 17 de outubro, ressaltamos a importância de uma ferramenta moderna e atual: a Rádio

Rádio itinerante do MST Brasil em Movimento, vista de dentro, durante a 1ª Feira Nacional da Reforma Agrária, em São Paulo, 2015. Foto: Joka Madruga/MST

Por Janelson Ferreira e Aline de Oliveira*
Da Página do MST

Embora o debate sobre a comunicação se concentre no turbilhão das redes sociais, é imperativo reconhecer que o rádio segue sendo um instrumento central na organização territorial do povo, sobretudo nas pequenas e médias cidades e no campo.

No Dia de Luta pela Democratização da Comunicação, 17 de outubro, destacamos a importância de uma ferramenta moderna e atual: a Rádio, que não pode ser vista como um veículo do passado, mas um canal vital do presente. O agronegócio, igrejas conservadoras e outros grupos políticos reacionários demonstram ter plena consciência de sua potência. Por isso, empenham-se em ter rádios sob sua propriedade. Por meio delas, conseguem disputar narrativas de forma concreta e, o mais importante, enraizar sua visão de mundo nos territórios.

No entanto, muitas forças políticas progressistas abandonaram a estratégia de organização da comunicação popular em uma perspectiva territorial, voltando suas forças somente para uma atuação, muitas vezes, superficial nas redes. Este movimento se deve ao abandono da comunicação como estratégia de organização da classe trabalhadora, tratando-a apenas como uma ferramenta de marketing, inclusive político, com um viés individualizado, que não fortalece instrumentos com condições de atuar na luta de classes em nosso favor.

O Rádio e os Sem Terra

Para o MST, a rádio não é apenas um meio de difusão, mas uma ferramenta histórica e fundamental da luta. Conforme demonstra a experiência em diversos estados, o Movimento se vale da rádio para a organização da luta camponesa.

No MST, já em 1987 iniciam-se as primeiras experiências de programa de rádio do Movimento, sendo que, no ano seguinte, surge nosso primeiro programa de abrangência nacional, vinculado à Rádio Aparecida. Nossas primeiras rádios FM começaram a surgir na década de 90. Atualmente, temos 15 rádios FM espalhadas em todo país, além de programas de rádio presentes nas cinco regiões. 

Pela rádio, podemos consolidar a organização da luta pela terra e a organização interna do próprio MST. A rádio não atua isoladamente no território, mas compõe mais um força política voltada à organização – assim como a cooperativa, a escola, o coletivo de mulheres, etc. Ocupar as ondas do ar significa produzir informação, formação e mobilização diretamente a partir dos acampamentos e assentamentos. É uma comunicação que se estabelece na base, no dia a dia da vida camponesa, sendo vital para a luta e a resistência.

Governo Lula trata a comunicação como um emaranhado de ações de marketing

A crítica ao abandono da comunicação popular como estratégia de classe é crucial. O problema não está no instrumento, mas na concepção. Quando a comunicação passa a ser considerada somente a partir do prisma do marketing — e isso se aplica também às políticas públicas e à postura do atual Governo Federal, se limitando a vender uma imagem —, ela perde seu poder organizador – caminho vital para o enfrentamento ao conservadorismo.

A comunicação que serve apenas para vender está diretamente ligada ao abandono da formação política e da organização de base pelas organizações populares em geral. Com as batalhas sendo travadas apenas “nas ruas e nas redes”, caímos na rede do grande capital, que está muito além disso: ele, ao contrário, se organiza, politiza e enraíza sua visão de mundo nas comunidades e nos territórios, utilizando inclusive o rádio para isso.

Atualmente, como o Ministério das Comunicações não é considerado relevante para o Governo e, por isso, foi entregue ao centrão, a concessão de outorgas é feita, majoritariamente, para atores reacionários e conservadores da sociedade. Enquanto isso, comunidades tradicionais (quilombolas, indígenas, pescadores, camponeses…) não conseguem romper com a burocracia. 

Ao final, a lógica segue sendo a mesma de governos anteriores. Enquanto a mídia burguesa segue concentrando maior parte dos investimentos em publicidade e propaganda, as iniciativas populares permanecem à margem, sem condições concretas de levarem adiante sua agenda política.

Por mais rádios comunitárias camponesas

Se o campo político progressista deseja, de fato, enfrentar o avanço das forças reacionárias, precisa posicionar suas armas de forma estratégica. E isso passa, urgentemente, pela atualização da legislação que rege as rádios comunitárias no Brasil.

A atual legislação, em especial a Lei 9.612, é restritiva e punitiva. Se antes da lei existiam mais de 30 mil rádios comunitárias no país, hoje temos apenas cerca de 4 mil autorizadas, com quase 700 rádios sendo fechadas por ano. A situação é ainda mais grave no campo, onde o limite de alcance imposto pela lei impede que as rádios sejam escutadas dentro de suas próprias comunidades. No lugar de apoio, seus comunicadores são, por vezes, tratados como criminosos pela Polícia Federal.

Para que as rádios comunitárias camponesas cumpram suas funções estratégicas, é necessário que se avance em algumas questões centrais:

Em primeiro lugar, garantir condições efetivas para elas existam, revendo os limites de potência e alcance. A Lei 9.612/1998, que regulamenta as rádios comunitárias, limita o alcance destas a uma potência máxima de 25 watts, por meio de um sistema que não ultrapasse os trinta metros de altura. Na prática, uma rádio comunitária não pode ultrapassar um quilômetro de alcance. O limite de alcance impede que rádios comunitárias tenham condições de serem escutadas dentro das próprias comunidades às quais elas pertencem nas comunidades rurais, principalmente, bem como em periferias de comunidades urbanas. 

Em segundo lugar, criar políticas públicas que assegurem a formação, capacitação e estruturação desses veículos. As rádios comunitárias dispõem de condições econômicas muito menores que as comerciais e, legalmente, não podem vincular publicidade, o que impõe um desafio de profissionalização e manutenção da infraestrutura.

A luta pela democratização da comunicação é também a luta pela soberania popular. Fortalecer as rádios comunitárias camponesas é fortalecer a base, a organização e o futuro de um Brasil justo e sem latifúndio.

*Coordenadores nacionais do setor de comunicação do MST.

**Editado por Solange Engelmann