LUTA PELA TERRA
Emoção e anúncios marcaram o primeiro dia da festa dos 40 anos da Fazenda Annoni
Celebração nesta sexta e sábado em Pontão (RS) reforça importância da reforma agrária no Brasil

Por Katia Marko
Do Brasil De Fato
Começava a amanhecer quando chegaram os primeiros ônibus para a celebração dos 40 anos da Fazenda Annoni, nesta sexta-feira (25), no Assentamento 16 de Março, em Pontão. Após a recepção com café da manhã no Instituto Educar, foram percorridos os Caminhos da Reforma Agrária. Uma emocionante mística marcou a entrada na terra na Encruzilhada Natalino com a participação dos pioneiros da ocupação na Annoni, onde foi reconstituído o corte do arame e a entrada na área.
A abertura da festa foi marcada também por um ato na Área 10, onde tudo começou, com autoridades locais e nacional. Participaram o ministro do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, a secretária da Secretaria Nacional de Abastecimento e Agricultura Familiar, Ana Terra Reis, o presidente da Fundação Banco do Brasil, Kleyton Moraes, o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, o superintendente do Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra), Nelson Grasselli, o prefeito de Pontão, Luiz Fernando Pereira da Silva, a presidente da Câmara de Vereadores de Pontão, Daniela Caetano de Oliveira, o reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), João Alfredo Braida, além de parlamentares como o deputado federal Dionilso Marcon e o estadual Adão Pretto Filho. Isaías Vedovatto representou o MST e as famílias assentadas da Annoni.

Retomada e investimento na Reforma Agrária
Durante a solenidade, o ministro Paulo Teixeira destacou que o governo federal resgatou os programas de reforma agrária que haviam sido paralisados nos últimos anos, retomando a desapropriação de terras e o apoio a assentamentos. Ele afirmou que, neste ano, o país atingirá um recorde de novas famílias assentadas e que estão sendo concedidos R$ 2,2 bilhões em crédito para a reforma agrária, beneficiando 100 mil famílias, sendo 11 mil no Rio Grande do Sul.
Segundo Teixeira, o Pronera, programa de educação no campo, voltou a receber atenção e apoio, assim como os programas de assistência técnica, com perspectiva de evolução para um Sistema Único de Assistência Técnica e Extensão Rural. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) teve seu orçamento ampliado de R$ 2 milhões para R$ 2 bilhões, e recursos adicionais foram destinados ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e compras institucionais. O Pronaf também foi reformulado, incluindo o Desenrola Rural, permitindo que 280 mil agricultores retomassem o acesso a crédito.
Paulo Teixeira ainda destacou que cooperativas poderão obter crédito para atividades coletivas, como compra de máquinas, melhoria genética, pastagem e florestas produtivas, e que o governo discute com o MST dois projetos: a ampliação do crédito do Incra e a definição de um novo modelo de assentamento baseado em agrovilas e cooperativas. O ministro explicou que a reforma agrária é “um programa de inserção econômica, combate à pobreza, produção de alimentos agroecológicos e combate à desigualdade social”, incluindo a retomada de terras públicas ocupadas indevidamente e propriedades de grandes devedores da União.

Além dos anúncios federais, houve avanços locais, com a assinatura da Lei Municipal de criação do Distrito da Reforma Agrária no perímetro da antiga Fazenda Annoni, com sede na Comunidade do Assentamento 16 de Março. O Incra e a Prefeitura de Pontão firmaram protocolos de intenções para pavimentação e obras de infraestrutura, somando R$ 2,6 milhões, e houve a transferência de R$ 5,5 milhões para a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), destinada ao curso de graduação em agronomia em parceria com o Instituto Educar.
No ato, foi assinada a Lei Municipal de criação do Distrito da Reforma Agrária, no perímetro da antiga Fazenda Annoni com sede na Comunidade do Assentamento 16 de Março (Área 1). Além de protocolo de intenções entre o Incra e a Prefeitura de Pontão para aporte de R$ 1 milhão para pavimentação asfáltica da entrada de acesso ao assentamento Encruzilhada Natalino fase 4 em Pontão. Também foram assinados protocolos entre Incra e o Instituto Educar para destinar recursos no valor de R$ 800 mil para a pavimentação na estrada vicinal de acesso ao Educar, e mais R$ 800 mil para obras de ampliação do alojamento do instituto. Por fim, foi assinada uma TED para transferir recursos a Universidade Federal fronteira Sul para o curso de graduação em agronomia em parceria com o Instituto Educar, no valor de R$ 5,5 milhões.

A gênese da resistência na Encruzilhada Natalino
A Encruzilhada Natalino se consolidou como um símbolo da resistência camponesa e da luta pela reforma agrária no Rio Grande do Sul. Foi nesse espaço que os primeiros colonos e colonas sem terra organizaram o acampamento que precedeu a criação formal do MST. Enio Borges recordou a realidade da época, marcada por dificuldades extremas: “Havia 220 barracos de lona na beira da estrada, e o acampamento resistiu quase um ano enfrentando a pressão de um destacamento militar liderado pelo coronel Curió”.
Segundo Borges, a resistência exigiu determinação e coragem diante de ameaças constantes, e a luta cotidiana pela permanência no local consolidou a unidade das famílias. “Não tem coisa mais sagrada do que lutar por terra”, afirmou, ressaltando que a luta pela ocupação não era apenas material, mas profundamente simbólica e espiritual.
Frei Sérgio Görgen reforçou a dimensão histórica e ética da resistência, lembrando que os protagonistas do acampamento não foram os aliados externos, mas os próprios camponeses que permaneceram firmes. Para ele, “os heróis não são quem apoiou, os heróis são os que resistiram aqui”, destacando que a permanência na Encruzilhada Natalino representou a derrota de uma das últimas grandes ofensivas da ditadura militar contra os camponeses. A resistência local mostrou que era possível enfrentar a violência institucional sem abrir mão da organização e da esperança.

Padre Arnildo Fritzen contextualizou o episódio dentro de uma série de operações do coronel Curió, conhecido por ter desmanchado 15 acampamentos no país. No entanto, a Encruzilhada Natalino se manteve aberta, tornando-se o 16º acampamento e simbolizando a vitória da resistência popular. Fritzen lembrou que esse episódio foi um marco, mostrando que a estratégia e a união dos assentados permitiram superar a repressão direta e estabelecer um espaço de liberdade e organização.
Salete Campigotto ressaltou o significado do local sob a perspectiva da espiritualidade e do compromisso social: “Nós estamos pisando em um solo sagrado dentro da ideia da igreja e de um solo revolucionário também”. Para ela, a luta na Encruzilhada Natalino unia dimensão ética, política e comunitária, tornando cada ato de resistência um gesto de afirmação coletiva.
Já Maria Izabel Grein destacou a importância da Encruzilhada como um lugar de definição de postura e identidade: “É um momento de encruzilhar e tomar posição na vida”, apontando que o contato com a terra trouxe aos assentados não apenas alimentos, mas também consciência de cidadania, direitos e responsabilidades. Ela completou que, para as mulheres, a resistência teve papel central: “Se hoje existe um movimento [Sem] terra, a força, a grande força, a grande energia é das nossas mulheres lutadoras”, evidenciando que a organização feminina foi determinante para a sobrevivência e fortalecimento do assentamento.
Grein enfatizou ainda que a luta pela terra trouxe acesso à educação e oportunidades antes negadas, e que o assentamento hoje forma doutores e lideranças capazes de transformar o campo e a sociedade. E concluiu convocando à ação e à solidariedade entre os trabalhadores rurais: “Lutar, construir reforma agrária popular”, destacando que a transformação do campo depende da mobilização coletiva, da produção sustentável e do compromisso com os direitos de todos.

O campo da produção e cidadania
Os assentamentos na Fazenda Annoni se consolidaram como referência de produção agrícola e de cidadania, combinando experiência histórica, organização comunitária e inovação no campo. Com duas agroindústrias, uma voltada à produção de leite e outra de carne, os assentados demonstram capacidade de industrialização e gestão coletiva, garantindo que os jovens permaneçam no campo e contribuam para a diversificação da produção de alimentos. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, destacou que iniciativas como essa têm impacto direto na segurança alimentar do país. “O assentamento hoje ajuda a tirar o Brasil do mapa da fome”, afirmou, ressaltando a importância econômica e social da ocupação histórica.

Após o almoço, o ministro Paulo Teixeira visitou a Feira Estadual da Reforma Agrária Popular – MST 40 anos. A atividade continuou durante a tarde com seminários simultâneos. O primeiro dia de celebração dos 40 anos da Annoni reforçou a trajetória de resistência do MST no Rio Grande do Sul, a importância histórica da ocupação para a reforma agrária no país e a retomada de políticas públicas voltadas para a produção de alimentos, cidadania e fortalecimento das comunidades rurais.
A organização é uma parceria do MST com o Instituto Preservar, contando com o apoio de diversas entidades e órgãos governamentais, incluindo a Fundação Banco do Brasil, o Governo do Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a Crehnor.
A programação continua na manhã deste sábado com a Conferência Estadual da Reforma Agrária Popular, que contará com a presença de lideranças como João Pedro Stédile, José Geraldo Souza e Alessandra Gasparotto. À tarde, haverá Apresentações Artístico-Culturais e o Ato Político em Defesa da Reforma Agrária, com falas de representações do governo, apoiadores institucionais, parceiros, políticos e convidados. O evento será encerrado com uma confraternização, às 20h.
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Editado por: Marcelo Ferreira



