40 anos da Anonni
Fazenda Annoni se consolida como marco histórico e símbolo da Reforma Agrária Popular no Brasil
Ato político contou com presença de movimentos, parlamentares e representantes do governo municipal e federal

Por Katia Marko e Marcela Brandes
Do Brasil de Fato
Os 40 anos da ocupação da Fazenda Annoni, celebrados em Pontão (RS), marcaram a consolidação de um território de luta, produção e solidariedade que se tornou símbolo da reforma agrária no Brasil. O evento, realizado no Assentamento 16 de Março, reuniu pioneiros, assentados, lideranças políticas e movimentos sociais do campo e da cidade.
Cerca de 2 mil pessoas participaram das atividades, vindas de diferentes regiões do estado e de outros países da América Latina – entre eles Cuba, Venezuela, Haiti, Zâmbia e Palestina – reafirmando o caráter internacionalista e solidário que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) projeta desde sua origem.
Um dos grandes pontos de encontro da festa foi a Feira Estadual da Reforma Agrária – MST 40 Anos que reuniu 58 bancas com cooperativas de todas as regiões do estado. A organização foi uma parceria do MST com o Instituto Preservar, contando com o apoio de diversas entidades e órgãos governamentais, incluindo a Fundação Banco do Brasil, o Governo do Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a Crehnor.

Raízes da resistência e o nascimento do movimento
A ocupação da Annoni, iniciada em outubro de 1985, nasceu da resistência de centenas de famílias que haviam enfrentado despejos e repressões no acampamento da Encruzilhada Natalino. A mobilização contra o latifúndio improdutivo deu origem a um dos movimentos sociais mais importantes do mundo. A experiência coletiva exigiu organização, coragem e o apoio silencioso de comunidades vizinhas.
No ato de encerramento da celebração, na tarde de sábado (25), o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, que viveu aquele momento juto com seu pai Adão Pretto, lembrou o tamanho da ousadia dos camponeses que decidiram ocupar a fazenda sem telefone, sem internet e movidos apenas pela confiança uns nos outros.
“Hoje 70% da comida que abastece centenas de cozinhas solidárias do Brasil sai dos assentamentos da reforma agrária”, afirmou Pretto. Ele recordou que a ocupação foi planejada com minúcia: a família ficou responsável por abater dois porcos para alimentar os companheiros nos primeiros dias, e a mudança de cinco famílias coube em apenas duas viagens de carroça. Para o presidente da Conab, a Annoni foi o embrião de uma experiência que inspirou mobilizações em todo o país e consolidou o MST como referência de resistência e organização popular.
O deputado federal Dionilso Marcon, que participou desde os primeiros anos da luta e hoje representa o movimento em Brasília, destacou a importância de não perder o vínculo com essa história. “Eu não tenho vergonha da minha história. Fui acampado por quatro anos e meio e moro há 31 anos no assentamento de Nova Santa Rita. Quem não tem orgulho da própria história não consegue construir futuro”, disse o parlamentar, lembrando que seu pai foi resposável por transportar famílias durante a ocupação.
Para ele, as conquistas obtidas na Annoni – como estradas, água e asfalto – mostram o avanço, mas também apontam a necessidade de garantir o básico a todas as famílias assentadas.

Retomada de políticas e novos investimentos
A celebração dos 40 anos foi também um espaço para anúncios concretos de novas políticas públicas. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, confirmou a liberação de R$ 2,2 bilhões em crédito para 100 mil famílias em todo o país, sendo 11 mil delas no Rio Grande do Sul, sinalizando a retomada efetiva da reforma agrária após anos de paralisia.
O superintendente do Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra) no estado, Nelson Grasselli – ex-acampado e assentado –, ressaltou que as conquistas vão muito além da posse da terra. “Se hoje existe o município de Pontão, é graças à ocupação da Fazenda Annoni. Se temos vereador, prefeito, secretário, professor aqui, devemos àquela luta”, afirmou.
Ele detalhou as obras em andamento, como o asfaltamento da entrada do Assentamento Encruzilhada Natalino e o acesso ao Instituto Educar, além de investimentos em estradas e abastecimento de água. Grasselli destacou ainda a viabilização de 11 mil projetos para repassar R$ 16 mil por família e o investimento de R$ 100 milhões previsto para a compra de novas terras no estado ainda neste ano.
O prefeito de Pontão, Luiz Fernando Pereira da Silva, reconheceu a importância do assentamento para o desenvolvimento local. “O crescimento econômico do município se constrói dentro da fazenda, com escolas, posto de saúde, frigorífico, laticínio, camping e diversas outras atividades que fazem girar nossa economia”, afirmou. Desde a emancipação do município, em 1992, a vida urbana e rural caminham lado a lado, em um exemplo de integração entre poder público e assentamentos.

Produção de alimentos e combate à fome
A produção da Annoni – que inclui agroindústrias de carne e leite – tem papel estratégico no enfrentamento à fome e na soberania alimentar do país. A secretária nacional de Abastecimento e Agricultura Familiar do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), Ana Terra Reis, relacionou a agenda da reforma agrária às políticas de segurança alimentar. “Não existe abastecimento alimentar nesse país sem reforma agrária, sem agroecologia, sem cooperação, sem cozinha solidária”, afirmou, lembrando que a meta do governo Lula é consolidar um sistema alimentar popular e sustentável.
Para ela, o orgulho do presidente é ter retirado 33 milhões de pessoas do mapa da fome, resultado direto de políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a Conab fortalecida e a reforma agrária popular.
O vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT/RS) e diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários), Everton Gimenez, destacou a unidade histórica entre campo e cidade. Segundo ele, a coragem dos sem-terra se tornou símbolo para toda a classe trabalhadora, e essa solidariedade segue viva em ações concretas, como o apoio a marchas e a criação do Armazém do Campo dentro do SindBancários.

Política como construção coletiva
A dimensão política do encontro foi reforçada por lideranças históricas como o ex-governador Olívio Dutra, que defendeu a política como instrumento de emancipação. “A política é a assunção da pessoa como sujeito, e não objeto da construção do bem comum”, disse. Filho de agregados, Olívio contrapôs a visão utilitarista da política da classe dominante à prática coletiva dos trabalhadores.
Para ele, o assentamento é um exemplo vivo de política feita para transformar realidades e reconstruir o país. O ex-governador ainda convocou os militantes a reelegerem o presidente Lula em 2026 e a retomarem o governo do estado, reafirmando o papel do MST como força transformadora na sociedade.

Novas gerações e o futuro da luta
Representando a Direção Nacional do MST no RS, Maurício Roman lembrou que a conquista das 13.600 famílias assentadas no Rio Grande do Sul é fruto da bandeira erguida pelos pioneiros. “Essa luta de 40 anos não acaba, é apenas um marco na história. Vamos continuar lutando até os 50, 60, 70 e 100 anos”, afirmou, destacando a importância de cuidar dos mais velhos e fortalecer as cooperativas e as comunidades assentadas.

O encerramento do ato foi conduzido pela juventude do movimento, que prestou homenagem aos primeiros ocupantes da Annoni. Juliana Bergmann, do Levante Popular da Juventude, afirmou que o compromisso do MST ultrapassa os limites do campo. “O compromisso do MST é e continua sendo a luta que rompe com as estruturas do capital”, declarou, defendendo as cozinhas solidárias como espaços de resistência e formação popular também nas periferias urbanas.
Ela reforçou que a juventude luta pela continuidade do Pronera, para garantir que jovens do campo possam cursar a universidade e retornar aos seus territórios, contribuindo com o desenvolvimento das comunidades.

Editado por: Katia Marko



