Defesa da natureza

A crise ambiental e a financeirização da natureza

A crise ambiental que enfrentamos não é espontânea, mas o resultado de uma construção sistêmica

Foto: Flaviana Alencar

Por Renata Menezes*
Da página do MST

Originariamente, a humanidade se relacionava com a natureza externa através do trabalho e esse trabalho era o mediador para atender às necessidades coletivas e fundamentais: a fome era saciada pela agricultura, a necessidade de abrigo era resolvida transformando os bens comuns em moradia. 

No entanto, essa dinâmica foi radicalmente alterada com o surgimento das classes dominantes, onde o trabalho deixou de ser orientado para a satisfação das necessidades de quem o realizava e passou a ser apropriado para atender aos interesses de uma elite que não trabalhava.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) entende que as classes subalternas passaram a terem que produzir não apenas para si, mas para suprir necessidades crescentes e cada vez mais desconectadas da vida comum, como altos padrões de luxo e extravagância. 

Essa foi a primeira desconexão: a apropriação do trabalho alheio e dos bens comuns para fins de status e dominação sobre os povos, e não de vida.

Se a divisão de classes iniciou a fratura, a Revolução Industrial, aliada à ascensão do capitalismo e à centralidade da vida urbana, que se aprofundou de forma decisiva. Este marco histórico consolidou o que Marx observou como a “ruptura socio-metabólica”.

Essa ruptura tem duas faces: assim como o trabalhador foi alienado do fruto do seu próprio trabalho, o ser humano foi alienado de sua condição de parte integrante da natureza. A reestruturação da agricultura sob a lógica capitalista não foi apenas uma mudança econômica; foi uma transformação territorial e ambiental que impôs um novo modo de produção.

Essa alienação urbana e industrial gerou o “mito moderno da natureza intocada”. É a concepção, hoje dominante em espaços como a COP30, de que a natureza é “aquilo lá”: os animais protegidos atrás de uma cerca, um parque onde pessoas não podem entrar, um lugar privatizado.

Essa visão ignora a dimensão histórica da agricultura e o papel dos povos tradicionais. Ignora que biomas como a Floresta Amazônica são, em grande medida, resultado de um trabalho milenar de produção e manejo de povos originários. A natureza, nesse mito, deixa de ser um processo vivo e interativo para se tornar um objeto estático.

A crise atual e a maquiagem verde

Quando a natureza é vista como um objeto separado, ela pode ser explorada ou “preservada” pela mesma lógica de mercado. A crise ambiental que vivemos hoje é, portanto, uma derivação direta da crise estrutural do capital.

O capitalismo, em sua busca incessante por acumulação, aprofunda contradições que se tornam evidentes, a exemplo do desmatamento, queimadas e falta de saneamento, mas as causas permanecem invisibilizadas. 

No Brasil, isso é explícito pois o modelo da Revolução Verde impôs uma industrialização radical da agricultura, baseada em agrotóxicos e na padronização dos alimentos, onde o agronegócio é focado em commodities de grãos e minérios, avançando e destruindo biomas para atender a um mercado externo, não às necessidades do povo.

É nesse contexto que surge a “financeirização da natureza”, quando o modelo capitalista tenta “resolver” a crise que ele mesmo gerou e o faz pela única lógica que conhece: a do mercado.

Nesse contexto surgem as “falsas soluções”, baseadas na dinâmica da compensação e da financeirização. Aqui reforçamos que o problema não é a tecnologia em si, seja solar, eólica ou outra, mas o problema é como ela é apropriada pelo capital. 

A transição energética atual não visa a soberania popular; visa expandir a acumulação, gerar hidrogênio verde para exportação e individualizar os lucros, enquanto cria novos problemas, como os impactos das torres eólicas na saúde das populações locais.

Essa lógica produz absurdos como “jardins artificiais”, a exemplo dos encontrados em Belém, sede da COP30, enquanto as periferias seguem sem saneamento básico, reduzindo-se toda a complexidade da crise ambiental a uma única variável: o carbono.

Desastres políticos e a falsa culpa “antropogênica”

Essa redução obscurece a raiz do problema e fortalece o equívoco grave ao se falar em crise “antropogênica” (causada pelo ser humano). Esse termo coloca a humanidade como um bloco único, sugerindo que os povos indígenas, os quilombolas e os camponeses são tão responsáveis pela crise climática quanto as corporações, mas a crise não é “antropogênica”; ela tem nome e sobrenome: o modo de produção capitalista. 

Dessa forma, é um erro chamar as tragédias, como as vistas no Rio Grande do Sul, de “desastres naturais”, pois todo desastre ambiental no capitalismo é, antes de tudo, um desastre político. Ele é fruto de um modelo, de decisões políticas que flexibilizam leis ambientais, da falta de manutenção em infraestrutura pública e da negação do direito à cidade. 

As soluções reais estão fora do mercado

Se as soluções capitalistas são falsas, pois partem da mesma lógica que gerou o problema, as soluções reais já existem. Elas estão fora dessa lógica.

Quando olhamos para os territórios com as principais áreas preservadas, encontramos um padrão: são terras indígenas, territórios quilombolas, projetos de assentamento da Reforma Agrária, áreas que produzem alimentos saudáveis, em que a lógica capitalista não penetrou totalmente. 

A sustentabilidade de um território não está na tecnologia que ele usa, mas no modo de produção e nas relações sociais que o organizam.

As soluções, portanto, não são complexas engenharias de mercado de carbono, são a agroecologia, os sistemas agroflorestais, o reconhecimento dos modos de vida tradicionais e a Reforma Agrária Popular. 

A crise ambiental não será resolvida sem justiça social. E, em países como o Brasil, não existe justiça social sem reparação histórica e sem a democratização da terra.

*Militante do MST, compõe o Coletivo Nacional do Plano Nacional Plantar Arvores, Produzir Alimentos Saudáveis. Artigo produzido a partir da Formação Rumo à Cúpula dos Povos, oferecida à militância do MST.

**Editado por Solange Engelmann