Nota Pública

Manifestação de repúdio à captura corporativa do espaço Agrizone, da Embrapa, na COP30

Presença dominante do agronegócio na COP30 levanta questionamentos sobre a integridade das políticas climáticas, subestimando o impacto das emissões do setor na crise ambiental

Foto: Reprodução

Da Página da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)

A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) manifesta seu profundo repúdio e preocupação com a forma como o espaço Agrizone, criado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) para expor soluções da agropecuária empresarial na COP 30, vem sendo construído, em um claro processo de captura corporativa da agenda climática, que ameaça transformar a COP em palco de greenwashing e privatização das políticas ambientais.

O patrocínio do espaço pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e empresas como Nestlé e Bayer, multinacionais que produzem alimentos ultraprocessados e agrotóxicos, respectivamente, revela um iminente conflito de interesses.  O Espaço conta também com apoio de ministérios do governo brasileiro, como o Ministério da Agricultura e Pecuária, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Ministério da Pesca e Aquicultura e Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. 

A Embrapa, instituição pública estratégica para a soberania alimentar e científica do país, deveria pautar sua atuação pelo interesse público e não por alianças com setores responsáveis por crises ambientais e climáticas. A participação do setor agropecuário como maior patrocinador e na promoção de debates na agenda climática evidencia uma tentativa enganosa de dissociar o agronegócio de sua responsabilidade como  maior emissor de gases do efeito estufa no Brasil.

De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, as emissões pelos sistemas alimentares do Brasil corresponderam a 73,7% das emissões brutas totais do país em 2021. O setor de Mudanças de Uso da Terra e Florestas – que engloba o desmatamento e as queimadas – foi responsável por 56,3% das emissões nacionais, seguido pelo setor da Agropecuária, com 33,7%. Apenas esses dois setores responderam por 90% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil.

Enquanto promove sua imagem por meio de “soluções sustentáveis” e “tecnologias verdes”, o agronegócio continua, na prática, a desmatar, avançar sobre territórios camponeses, de povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais e contaminar pessoas e ecossistemas com agrotóxicos e transgênicos, impactos que recaem desproporcionalmente sobre o Sul Global, revelando a verdadeira face de seu modelo produtivo.

O agronegócio não é vítima desse processo, como tenta se apresentar. Ao contrário, tem sido um dos principais beneficiários da conivência entre o poder público e o capital corporativo, acumulando lucros e influência política às custas da devastação no campo e da expropriação de territórios. Sua narrativa de “sustentabilidade” busca apenas manter privilégios e impedir transformações estruturais.

Enquanto isso, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas e camponeses, mulheres, verdadeiras/os guardiões da sociobiodiversidade, que através dos seus saberes, práticas e modos de vidas enfrentam a crise climática, seguem invisibilizadas/s e excluídas/os das decisões e dos recursos públicos. A presença de empresas e entidades como a CNA com estandes próprios, em contraste com a ausência de espaços equivalentes para a agroecologia e os povos do campo e da floresta, explicita a desigualdade estrutural que marca a agenda da COP.

Acreditamos no debate democrático e na importância da pluralidade de atores em um espaço como a COP 30. No entanto, a assimetria de poderes de empresas, que têm condições de financiar e propagar suas narrativas, compromete a equidade do processo e evidencia um claro conflito de interesses. Só avançaremos no debate climático quando enfrentarmos a narrativa de que existe um “agronegócio sustentável”. Permitir que interesses corporativos dominem um espaço vinculado à agenda climática internacional compromete o espírito democrático e participativo que deve orientar a COP 30.

As organizações dos campos, das águas e das florestas estão fartas do lugar privilegiado que o agronegócio tem ocupado, ainda mais no principal evento global que discute o clima e, portanto, o futuro da agricultura no planeta. 

É preciso debater qual modelo de agricultura queremos para o mundo, e nós temos essa resposta: a agroecologia e a soberania alimentar. Um modelo que garante comida de verdade, justiça social, proteção da natureza e soberania dos povos. O que falta é reconhecimento, espaços e políticas públicas à altura de seu papel estratégico na sociedade.

A ANA reafirma que não há clima para falsas soluções. O enfrentamento da crise ambiental e social exige enfrentar o poder corporativo, fortalecer as instituições públicas e construir políticas de Estado baseadas na agroecologia, soberania alimentar, no feminismo, na justiça climática e na valorização dos bens comuns.

Agroecologia no território, justiça climática no planeta!

ARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA (ANA)