Cúpula dos Povos

TFFF: por que não devemos celebrar o colonialismo verde sobre nossas florestas?

Apresentada na COP 30, proposta encabeçada pelo Brasil representa uma significativa ampliação da financeirização da natureza e não é uma saída para a crise ambiental

Foto: Bruno Kelly/Amazonia Real

Da Página do MST

Ontem, durante a Conferência das Partes, o Governo Brasileiro lançou oficialmente o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês). Esta é a principal proposta do Brasil para a COP 30, Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que ocorre em Belém.  

Contudo, apesar de ser anunciado como uma grande novidade, o Fundo demarca a ampliação da financeirização da natureza sobre as florestas tropicais. Não resolve problemas centrais como o desmatamento e queimadas destes biomas, além de transformar em ativo financeiro a floresta, que assume a função de assegurar o máximo lucro de investidores do Norte Global.

O TFFF propõe um novo mecanismo financeiro voltado ao pagamento pelos “serviços ecossistêmicos” realizados pelas florestas tropicais. Além do Brasil, participaram da sua elaboração a Colômbia, Rep. Democrática do Congo, Gana, Indonésia, Malásia, França, Alemanha, Noruega, Emirados Árabes e Reino Unido, além do Banco Mundial, FAO, OCDE, além de várias entidades privadas. O Secretariado do Fundo estará sob comando do Banco Mundial – a proposta do fundo surgiu dele, em 2009.  

A expectativa é arrecadar 125 bilhões de dólares. 80% da estrutura de capital do Fundo será captada no mercado de títulos. A outra parte, será aportada por países do Norte Global. 

O Fundo é um marco nas falsas soluções do capitalismo verde, pois representa uma significativa ampliação da financeirização da natureza. Antes, os principais mecanismos de financeirização estavam ligados ao mercado de carbono. Com o TFFF não será somente a captura de carbono que se tornará ativo financeiro, mas todas as florestas tropicais e seus “serviços ecossistêmicos”, como regulação climática, sequestro de carbono, manutenção hídrica, biodiversidade, entre outros.  

De acordo com o projeto, o desmatamento e degradação das florestas tropicais ocorre porque elas não possuem um valor de mercado. “Os fatores que levam à perda de florestas tropicais variam de país para país, mas têm uma causa comum: as florestas tropicais são subvalorizadas, pois os serviços ecossistêmicos que prestam muitas vezes não têm valor de mercado atribuído” afirma a Nota de Conceito do Fundo. Na verdade, é justamente a mercantilização da natureza que a leva a sua degradação, pois o valor intrínseco aos bens comuns da natureza são substituídos por valores financeirizados.  

O agronegócio, que transformou a produção agrícola em commodities (mercadoria negociada no mercado financeiro) é um exemplo desta dinâmica. O fato dos produtos do agronegócio terem valor financeiro, não o impede de seguir destruindo e se apropriando dos bens comuns da natureza  como solo, água e sementes. Tanto é assim, que ele é responsável por 74% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil. 

Ao transformar todas as florestas tropicais em ativos financeiros, a prioridade do TFFF não é combater a destruição destas áreas. Isso é percebido ao se analisar as prioridades de pagamentos. O fundo será voltado, primeiramente, para o pagamento das dívidas emitidas no mercado. Em seguida, para o pagamento de juros sobre o capital. Só depois disso é que o fundo poderá financiar os “pagamentos florestais”. A proposta ainda determina que estes “pagamentos florestais” poderão ser reduzidos, de acordo com as oscilações do mercado, para que se garanta as duas primeiras prioridades. 

Povos indígenas e comunidades locais ficarão com as migalhas 

Mais absurda ainda é a forma como o Fundo contempla os povos indígenas e comunidades locais. Para estes, poderá ser pago, no máximo, quatro dólares anuais por hectare de floresta preservada, com um ajuste anual de até 2%. Este valor também poderá ser reduzido de acordo com as “oscilações do mercado”. Na lógica do lucro, seguirá sendo mais rentável a derrubada de madeira, a criação de gado, o monocultivo… 

É comprovado que os povos indígenas são os que mais protegem as florestas. No Brasil, as áreas protegidas com a presença de indígenas são responsáveis pela conservação de cerca de 30% das florestas. Entre 2000 e 2016, a floresta intacta na Bacia Amazônica diminuiu 4,9% em áreas indígenas. Já em áreas não indígenas, esta redução foi de 11,2%.  

O acordo prevê a obrigação dos países destinarem somente 20% do recursos diretamente para as comunidades – o que também poderá ser reduzido em caso de oscilações do mercado. O restante do montante ficará sob responsabilidade de órgãos financeiros e monetários dos países que possuem florestas.  

TFFF: o colonialismo verde com outra roupagem

Ainda que o Brasil seja o protagonista da proposta, a ideia não partiu do Governo Federal. Foi o Banco Mundial, em 2009, o primeiro a propor o mecanismo em questão. O projeto é parte da atuação do Norte Global e seu colonialismo verde. 

Esta não é uma estratégia nova, mas um padrão ligado à prática predatória que assegurou o desenvolvimento econômico da Europa e Estados Unidos entre os séculos XVI e XIX. Com a emergência da crise ambiental, consequência direta do modo de produção que o Norte implementou, o colonialismo verde se tornou a outra face da moeda do colonialismo. 

Sendo assim, ao mesmo tempo em que o Norte Global explora, destrói e se apropria dos bens comuns da natureza dos países do Sul Global, impõe uma agenda econômica ligada ao preservacionismo e à financeirização da natureza. 

Como afirma Breno Bringel, autor de “Colonialismo Verde”, lançado pela Editora Elefante, “o colonialismo verde sempre tem essa dupla face, por um lado, de dinâmica extrativista, de violência colonial contra os territórios, a população e os ecossistemas, mas ao mesmo tempo usando diferentes tipos de justificação e legitimação ao redor da conservação e da questão ambiental”.

Defender a natureza por meio da luta e não do lucro 

A crise ambiental não pode ser tratada como uma oportunidade de negócios do mercado financeiro. As florestas tropicais não são balcões para negociatas. Os grandes investidores do Norte Global não podem lucrar às custas do sofrimento das populações mais pobres do Sul. A proposta em nada tem a ver com a luta histórica por responsabilização dos países do Norte Global por serem os principais causadores da crise ambiental. 

Foto: Reprodução

Enquanto as decisões sobre as saídas para a crise ambiental estiverem sob o controle dos grandes capitais do Norte Global, que impõe sua agenda sob o Sul, nos depararemos com projetos à semelhança do TFFF. Por isso a superação da lógica do capital é caminho para a superação da crise ambiental. Por isso, a superação de todas as formas de colonialismo, inclusive o verde, passa pela capacidade dos países do Sul Global e seus povos de construírem projetos de desenvolvimento que superem esta lógica. 

Neste cenário, é fundamental que os povos e comunidades tradicionais não cedam às falsas promessas capitalistas. Entregar nossos territórios a esta lógica é abrir mão do nosso futuro. O único caminho para garantir o cuidado com nossos territórios e com a natureza é a luta contra este modelo exploratório e a negação a toda e qualquer tentativa de mercantilizar nosso chão.

*Editado por Leonardo Correia