Agroecologia
Transição agroecológica avança na América Latina, aponta estudo com 527 famílias de sete países
Pesquisa mostra expansão de agroflorestas, força do trabalho coletivo e entraves como falta de mão de obra e mercado

Por Adele Robichez, Gabriela Carvalho, Lucas Krupacz e Nara Lacerda
Do Brasil de Fato
Ao longo dos últimos cinco anos, 527 famílias agricultoras de sete países da América Latina participaram de um estudo inédito sobre a realidade da agroecologia na região. A pesquisa Perspectivas da Agroecologia na América Latina (2021–2025), conduzida por dez organizações sociais do Brasil, Paraguai, Equador, Colômbia, El Salvador, Guatemala e México, avaliou 11 indicadores sociais, econômicos e ambientais. Para a agrônoma Isadora Escosteguy, técnica de campo do material, ele revela tanto os avanços quanto “as fragilidades da agroecologia hoje”.
O estudo mapeou 3.547 hectares de áreas manejadas, sendo 1.428 produtivos e 1.312 de áreas naturais. Segundo o relatório, todas as unidades se enquadram no perfil de agricultura familiar de pequenas propriedades. Um dos destaques foi o crescimento das agroflorestas. “Em 2022, 27% das famílias disseram adotar sistemas agroflorestais; em 2025, subiu para 49%”, diz Escosteguy, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. Para ela, o dado confirma a consolidação de um modelo “importante para a produção de alimentos, a recuperação ambiental e a adaptação climática”.”
A pesquisa também comprovou que “é possível fazer agroecologia em diferentes escalas e em diferentes realidades”, afirma a agrônoma. Ela ressalta que, apesar das diferenças fundiárias entre os países, todas as unidades apresentaram uma grande diversidade de práticas.
Apesar das diferenças, um dos pontos em comum entre as famílias foi a organização coletiva. “Nenhuma estava isolada”, aponta. “Todas participam de redes, de movimentos, de cooperativas, de SPGs [Sistemas Participativos de Garantia] e também são acompanhadas pelas ONGs. Isso confirma que a transição agroecológica acontece de forma coletiva, quando tem organização social”, observa.
A própria metodologia da pesquisa reforça esse princípio: as famílias foram consideradas pesquisadoras de seus próprios territórios, registrando dados e participando da análise das informações. “Perguntamos diretamente para essas famílias quais são os desafios e as soluções possíveis para a transição”, conta Escosteguy.
Mercados curtos e tecnologia
Outro ponto é a relação direta com quem consome. “O nosso estudo mostra que 70% das famílias agricultoras comercializam diretamente para os consumidores”, explica a pesquisadora. De acordo com ela, essa dinâmica, presente em feiras, entregas, cestas e vendas nas próprias propriedades, reforça a confiança, melhora a renda e aproxima o campo e a cidade.
Além disso, o autoconsumo apareceu como motivação principal para produzir de forma agroecológica. “Os agricultores e agricultoras também são consumidores e consumidoras”, destaca. A baixa participação de supermercados, fala, “reforça que o papel dos circuitos curtos e os mercados locais são a base para a agroecologia nesses países.”
A inclusão digital também fez parte da pesquisa. Escosteguy relata que famílias usam o aplicativo LiteFarm para registrar e monitorar indicadores da produção, ferramenta que foi aperfeiçoada a partir da devolutiva das próprias organizações. O estudo mostra que jovens agricultores atuaram como “promotores tecnológicos”, estimulando o uso de ferramentas digitais e fortalecendo a sucessão rural.
Desafios e diálogo
O relatório também aborda os principais desafios enfrentados nos sete países. Segundo o documento, “a mão de obra foi consistentemente considerada a principal limitação, sendo mencionada por 59% das famílias”. Além disso, o acesso ao mercado aparece como outro entrave. “Desde 2023, a segunda maior limitação é o mercado consumidor, sendo mencionado por mais de 30% das famílias ao longo de todo o estudo, o que indica desafios contínuos na comercialização de produtos agroecológicos”, indica o estudo.
Segundo a agrônoma, o processo foi estruturado para que a pesquisa nascesse “do campo para dialogar com a academia”, valorizando saberes locais e fortalecendo a autonomia das famílias. “Entendemos que a agroecologia é um tripé de ciência, prática e movimento e, assim, desenvolvemos essa pesquisa que revelou uma grande riqueza de informações inéditas”, diz. Escosteguy destaca ainda que o trabalho evidenciou “o quanto esse conhecimento ainda é pouco documentado em escala regional”, o que reforça a urgência de dados que subsidiem políticas e transições agroecológicas.
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira: a primeira às 9h e a segunda às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.
Editado por: Nathallia Fonseca



