Movimentos populares

Movimentos têm que impor pressa e radicalidade ao BRICS por uma nova ordem mundial, avalia Breno Altman

Debate ocorreu nesta terça (2) durante a mesa: BRICS e os desafios da governança global no século XXI, realizada na Cúpula Popular dos Brics, no Rio de Janeiro

Foto: Priscila Ramos

Por Luiz Felipe Ribeiro Albuquerque
Da Página do MST

A hegemonia estadunidense, no âmbito político e econômico, já não é mais a mesma do que em décadas anteriores; as múltiplas crises que assolam a humanidade se intensificam cada vez mais; diante de um cenário de crise, crescem as tensões geopolíticas; e as resistências dos povos se apresentam de forma tímida, dificultando o nascimento de uma nova proposta capaz de superar a velha ordem mundial.

Essa pode ser a síntese do debate realizado na manhã desta terça-feira (2) durante a mesa: BRICS e os desafios da governança global no século XXI, realizada na Cúpula Popular dos Brics, na cidade do Rio de Janeiro.

Para o jornalista e analista político Breno Altman, a atual crise de governança e das instituições globais representa a crise da ordem mundial constituída na década de 1990, a partir da dissolução da União Soviética e o surgimento de um mundo unipolar sob a liderança dos EUA. “Nós vivemos hoje um período de transição. A ordem estabelecida a partir de 1991, baseada na hegemonia do sistema imperialista liderado pelos Estados Unidos, está em crise, e ela submete toda a governança mundial também a uma crise de largas proporções”, observa. 

Para ele, o cenário internacional está marcado pelo conflito entre “essa velha ordem moribunda e uma nova ordem que ainda não amadureceu e não se consolidou no planeta”, acredita.

Breno Altman. Foto: Priscila Ramos

Diante de um cenário incerto e nebuloso, Altman aponta que não se deve subestimar as forças da velha ordem representada pelos países do Norte Global, e tampouco devemos superestimar o potencial de uma nova ordem que busca se consolidar como alternativa, como o caso do BRICS.

“Se alguém entre nós tem a expectativa de que a crise da institucionalidade mundial possa ser resolvida a curto e médio prazo, lamento dizer que está com ilusões acerca de como o mundo funciona hoje. Eu não acredito que seja possível a construção de uma nova institucionalidade antes que a velha ordem criada em 1991 esteja morta e enterrada. E esta ordem unipolar, baseada na hegemonia norte-americana, terá que ser derrotada antes que venha a emergir uma nova institucionalidade internacional”, analisa.

Nesse sentido, o indonésio Ah Maftuchan, membro do Conselho Civil do Brics e pesquisador sênior da PRAKARSA, acredita que é preciso intensificar cada vez mais a participação da sociedade civil organizada no bloco oficial do BRICS. “O BRICS e o Sul Global precisam fortalecer a cooperação social para lidar com os desafios atuais. Isso significa que o BRICS deve se tornar uma plataforma com impactos direto na sociedade, e não apenas um fórum de alto escalão”.

Fotos: Priscila Ramos

Ahmed Hussen, presidente do Conselho das Organizações da Sociedade Civil da Etiópia (ECSOC), destacou que o BRICS precisa representar uma ordem multilateral mais inclusiva e representativa, mas que para isso é preciso avançar na cooperação Sul-Sul e no fortalecimento das parcerias entre estas nações em áreas de desenvolvimento, comércio, tecnologia, energia e segurança, por exemplo. 

“A natureza da sociedade civil é advogar pelos grupos marginalizados, garantir políticas públicas e as necessidades humanitárias. A sociedade civil pode ajudar e garantir investimentos socialmente responsáveis, já que estamos mais próximos das pessoas e temos mais informações e conexão com a sociedade”.

Testes vitais

Para Breno Altman, as nações do Sul Global, em especial que integram o BRICS, estão constantemente sendo submetidas a testes que nos dizem se já há maturidade suficiente para o surgimento de uma nova ordem mundial.

“Nós temos que ter a modéstia de reconhecer que nós, em alguns desses testes vitais, fomos reprovados”, avalia. Altman se refere, por exemplo, à questão da palestina, cujos países que compõem o bloco ainda não demonstraram nenhuma ação prática para tentar deter o genocídio palestino perpetuado pelo Estado de Israel, com o apoio dos EUA. 

“É verdade que o BRICS não se presta a isso, já que é uma articulação econômica, mas uma articulação econômica no seio de um bloco de países que se pretendem contra-hegemônicos. Esses Estados principais pouco fizeram para tentar deter esse genocídio e pouco continuam fazendo para impedir o avanço do plano colonial de Donald Trump em relação à faixa de Gaza. Os Estados que integram o BRICS não passaram nesse teste fundamental e isso revela as dificuldades ainda existentes”.

Há um novo teste em curso para os países membros do bloco, analisa Breno, que é a escalada dos EUA contra a Venezuela. Embora a Venezuela formalmente não faça parte do grupo, a agressão estadunidense sobre o país caribenho representa uma ofensiva contra os interesses de todo o Sul Global e um ataque contra os interesses dos principais Estados que integram o BRICS. “Mas uma resposta contundente a essa escalada ainda não foi ouvida no mundo. E isso é grave e também demonstra a debilidade ou as dificuldades para que avancemos na constituição de uma nova ordem”, alerta Altman. 

Em sua visão, enquanto esse bloco contra-hegemônico não for capaz de se contrapor às guerras e as agressões imperialistas, que seriam as principais estratégias de sobrevivência da velha ordem, “não haverá a ultrapassagem da velha ordem, e ela sobreviverá o máximo de tempo que puder. Enquanto essa velha ordem não for derrotada por esse bloco contra-hegemônico, não emergirá uma institucionalidade nova”.

Nesse sentido, o papel dos movimentos populares é fundamental para impor pressa e radicalidade aos governos que compõem o bloco, na avaliação do jornalista. “Não podemos fazer de conta que temos todo o tempo do mundo pela frente; não temos. Há batalhas em curso que são urgentes, e a principal tarefa dos movimentos é colocar urgência aos seus governos, sobretudo de situações extremamente perigosos”, como no caso da Palestina, em defesa da Venezuela e na solidariedade à Cuba.

E complementa: “Esses temas tem que estar permanentemente no nosso horizonte. São nestes testes de força que o campo contra-hegemônico poderá ou não se consolidar. A velha ordem é decadente, mas olhemos para história: as velhas ordens não caem por si só”, finalizou Altman.

Cúpula Popular

A Cúpula Popular do BRICS acontece entre os dias 1 e 4 de dezembro no Armazém da Utopia, na cidade do Rio de Janeiro, e pretende ser um espaço de debate e articulação entre movimentos populares e a sociedade civil, com o objetivo de garantir um canal de comunicação permanente com o bloco oficial.

Ao longo dos quatro dias, cerca de 150 pessoas de 21 países debaterão a cooperação econômica e a construção da multipolaridade, a reconfiguração da geopolítica mundial, o próprio papel do BRICS e a questão da desdolarização.

*Editado por Solange Engelmann