Violência
Famílias do acampamento Terra e Liberdade, no Pará, vivem risco de despejo violento às vésperas do Natal
MST cobra postura do governador Helder Barbalho e Paulo Teixeira do MDA frente à escalada do conflito no sudoeste do estado

Por Beatriz Drague Ramos | São Paulo (SP)*
Do Brasil de Fato
Em um cenário de intensa escalada de tensão, milhares de famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do acampamento Terra e Liberdade, na divisa entre Parauapebas e Curionópolis, no sudoeste do estado do Pará, enfrentam um iminente risco de despejo forçado que pode acontecer nesta segunda-feira (15).
Segundo Pablo Neri, da direção nacional do MST, há uma ordem judicial que determina a manutenção da ordem de despejo e o envio de efetivo policial no local, visto pelo movimento como a única resposta do poder público à pauta dos trabalhadores.
O acampamento, que existe há três anos, iniciou uma nova jornada de luta no último dia 9 com a ocupação da Fazenda Santa Maria, no retiro Bom Jesus, considerada pelo MST como um “latifúndio criminoso e imoral” da família Miranda, fruto de grilagem de terras.
A ocupação, segundo as famílias, foi uma resposta ao silêncio e à inércia do governo frente às promessas não cumpridas, incluindo as feitas pelo ministro do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Paulo Teixeira, durante a passagem da COP 30 pelo Pará.
Ainda nesta segunda, integrantes do acampamento Helenira Resende e Lourival Santana, realizaram um trancão na BR 155 próximo a Marabá e na entrada do Projeto Cristalino em Canaã, também no estado do Pará. “Essas outras comunidades estão em alerta, estão se mobilizando nas margens da rodovia. A intenção é dialogar, queremos uma mesa, mas queremos respostas concretas. Não queremos mais promessas, não queremos mais prazos”, disse Neri.
Despejo determinado e polícia como resposta
O dirigente destacou que a postura dos governos federal e estadual é de “omissão e de silêncio” e que a resposta concreta tem sido “ceder para o latifúndio” o efetivo policial para o despejo. “Eles estão dando como resposta a força policial”, afirmou.
A ordem de despejo foi mantida pelo juiz da vara agrária, Gessinei Gonçalves de Souza, que, segundo o manifesto do MST, é “subserviente às elites latifundiárias” e desconsidera a Recomendação 510 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamenta a criação de Comissões de Soluções Fundiárias (Comissão Nacional e Comissões Regionais) para tratar conflitos de terra coletivos, especialmente envolvendo moradias e áreas produtivas de populações vulneráveis, buscando soluções dialogadas e estruturadas, com visitas técnicas e mediação, para evitar despejos forçados e promover a dignidade e função social da propriedade.
O risco de um “despejo criminoso, violento e desumano em plenas vésperas do Natal” motivou o MST a mobilizar outras comunidades em solidariedade. Neri relata que a intenção é resistir no Terra e Liberdade e exigir diálogo e respostas concretas. “Se o estado só tem a violência para responder à pauta dos trabalhadores, então nós optamos por resistir”, declarou.
Segundo o representante do MST, o momento é de “grande aflição”. Ele diz que as forças do estado estão querendo “agredir famílias, idosos, crianças em nome de uma propriedade privada que já é comprovadamente criminosa, é comprovadamente fruto de grilagem de terras.”
O movimento destaca o abandono da empresa Vale na mesa de diálogo, que detém o maior poder econômico na região. “Abandona a mesa de diálogo e mantém uma agenda de saque dos minérios sem contrapartidas estruturantes para solução da escalada de conflitos territoriais que se passa no quintal da sua mais lucrativa reserva mineral. Por isso mesmo, precisa se posicionar e compreender que ela têm sim responsabilidade sobre o conflito”, diz o MST em nota.
Após pressão, MST abre negociação com o governo federal
Após as mobilizações ocorridas nesta segunda-feira (15), de protestos das famílias Sem Terra acampadas no sudeste do Pará, o Movimento retomou negociações com o governo federal para que possa haver avanços nas pautas reivindicadas para o assentamento das famílias acampadas na região.
Ficou acordado a desmobilização da Ocupação Retiro Bom Jesus, como condicionante para que se realize uma reunião em Brasília, no próximo dia 17 de dezembro, para tratar das pautas colocadas pelo Movimento, onde estarão presentes representantes da Secretaria-Geral da Presidência, com o presidente do INCRA e da diretoria de obtenção e mediação de conflitos agrários, representante do MDA, bem como, da representação da direção do MST Pará.
Histórico de luta e a tragédia no Acampamento Terra e Liberdade
O Acampamento Terra e Liberdade, em Parauapebas, é reconhecido como o maior do Brasil, abrigando mais de cinco mil famílias. Sua história recente foi marcada por uma tragédia dois anos atrás, em 9 de dezembro de 2023, quando nove pessoas, sendo seis acampados e três trabalhadores de uma empresa de internet, morreram eletrocutadas e em um incêndio após uma antena tocar a rede de alta tensão.
Após o desastre, o acampamento recebeu a visita do Ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, que se comprometeu com a promessa de assentamento definitivo das famílias até o Natal daquele ano. No entanto, segundo o MST, desde então poucas ações foram concretizadas e as famílias seguem aguardando soluções. Além do assentamento em local digno, as famílias exigem assistência, responsabilização das autoridades e da mineradora Vale, que possui forte atuação na região.
A falta de resposta e o cansaço diante das promessas não cumpridas motivaram a atual mobilização e a ocupação da fazenda Santa Maria no dia 9 de dezembro. A direção estadual do MST no Pará enfatiza que, apesar de várias reuniões e mesas de negociação com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o governo, a pauta da Reforma Agrária não avançou.
Entre os acordos, o MST destaca o envolvimento da empresa no financiamento da aquisição da Fazenda Aquidoana, área que está ocupada desde abril de 2024. Este acordo de custeio para a compra da terra foi confirmado pela própria Vale.
Adicionalmente, a mineradora se comprometeu a liberar um montante de R$ 60 milhões para a edificação de uma escola de ensino médio na comunidade rural adjacente, o assentamento Palmares II, visando reforçar a infraestrutura educacional local.
As reivindicações do movimento buscam a presença imediata de representantes do governo federal, incluindo os Ministros do Desenvolvimento Agrário e da Secretaria da Presidência, para retomar o diálogo e responder às promessas feitas. O movimento, que classifica a ação como pacífica, exige segurança contra ataques do latifúndio e das forças de repressão, além da retomada e cumprimento de todas as pautas estaduais não resolvidas.
O Pará é o estado com a maior demanda por terra no Brasil, com 29 mil famílias acampadas, inserido em um contexto nacional onde, em 2024, havia pelo menos 145.100 famílias à espera de um lote para cultivar, conforme levantamento do Incra obtido pela Repórter Brasil.
MST cobra Helder Barbalho e Paulo Teixeira
Em manifesto divulgado hoje, o MST cobra duramente o governador Helder Barbalho, que “se nega a reconhecer a situação emblemática e se limita a disponibilizar força policial”, e o ministro Paulo Teixeira, a quem atribui a principal responsabilidade por “se negar a construir soluções concretas e usar de mentiras e promessas para se promover politicamente”.
O movimento convocou a sociedade a se somar à campanha “Natal sem Despejo” e estabeleceu as seguintes condições para recuar da ocupação: garantir a segurança das famílias sem a ameaça de despejo. O posicionamento do governo federal (Ministro Paulo Teixeira) e do estado do Pará (Helder Barbalho) para resolver a pauta e a retomada imediata de todos os acordos firmados ao longo de 2025.
A reportagem tentou contato com o Governo do Pará, na gestão de Helder Barbalho e com o MDA para obter um posicionamento sobre a iminente situação de despejo e a acusação de omissão, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Confira abaixo nota do MST no Pará sobre a situação de violência no acampamento Terra e Liberdade:
*Com informações da assessoria de imprensa do MST.
Editado por: Nathallia Fonseca



