Em carta à Dilma, CPT critica liminar que retarda a Lista Suja do Trabalho Escravo

O texto critica a decisão tomada pelo STF de adiar os julgamentos das empresas detentoras de trabalho escravo no Brasil.

Da Página do MST

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) enviou uma carta à presidenta Dilma Rouseff contra a liminar do Superior Tribuna Federal (STF), que retarda o julgamento das empresas citadas na Lista Suja do Trabalho Escravo. 

A publicação da nova versão da “Lista Suja” do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que deveria acontecer no último dia 30 de dezembro, foi suspensa graças a uma ação movida pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) junto ao STF.

A decisão liminar foi expedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, em caráter emergencial, durante o recesso de Natal. Com isso, empresas e instituições financeiras que utilizam a ferramenta para eliminar o trabalho escravo de seus negócios ficam descobertas até que o STF julgue em definitivo o processo.

A suspensão aconteceu no mês em que a “lista suja” recebeu um prêmio da Controladoria-Geral da União (CGU), na categoria de boas práticas da transparência.

Em nota, a Abrainc informou que agiu contra a inclusão de suas associadas na lista por considerar as portarias inconstitucionais, assim com o processo de inclusão dos nomes.

A última lista, publicada em julho de 2014, continha 609 nomes de empresários flagrados com trabalhadores atuando em condições análogas a da escravidão.

Destes, 380 eram de estados da Amazônia Legal, sendo que 10% foram multados por desmatamento ilegal nos últimos cinco anos.

A nova lista, que deveria ter sido publicada no penúltimo dia de 2014, traria quase 100 nomes adicionais, chegando perto de 700 empregadores que utilizam mão de obra escrava ou análoga a escravidão.

Abaixo, confira a carta da CPT:

Exma Sra Presidenta,

No apagar das luzes do ano de 2014, recebemos com consternação a notícia da liminar deferida dia 23 de dezembro de 2014 pelo Senhor Ministro Ricardo Lewandoswski, Presidente do Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5209, protocolada no dia 22 de dezembro de 2014 pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias – ABRAINC. A referida Ação tem por objeto contestar a constitucionalidade e retirar de imediato qualquer eficácia à Portaria Interministerial MTE/SDH 2, de 12/05/2011, a qual enuncia “regras sobre o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo” (em substituição à Portaria MTE 540 de 19/10/2004, de mesmo teor).

A ABRAINC apresenta-se como entidade nacional representativa de relevantes construtoras. O efeito imediato da Medida Cautelar tem sido a proibição da publicação do Cadastro, conhecido como “Lista Suja”, cuja nova atualização semestral (a 24ª desde que foi criado) seria divulgada no dia 30 de dezembro de 2014.

Nesta Ação e no pronto atendimento que recebeu no âmbito do Supremo Tribunal Federal, há vários aspectos surpreendentes: embora tratasse de uma situação que vigorava desde 2003 (a manutenção e atualização semestral da Lista Suja, um instrumento por sinal amplamente parabenizado ao longo deste período), a referida ADI com pedido de Liminar, foi protocolada no dia 22 de dezembro de 2014, primeira segunda-feira após o início do recesso forense (dia 20 de dezembro de 2014), sob a alegação de perigo na demora. A ADI 5209 foi precedida por duas ações tratando do mesmo tema; ora nenhuma destas, em nenhum momento do seu longo tempo de tramitação no STF, resultou em medida cautelar. Por fim, a mesma foi atendida em prazo recorde: dois dias, utilizando-se da faculdade dada ao Presidente do Supremo, para o caso de matérias urgentes em período de recesso, de atuar de forma monocrática.

Os motivos alegados – ausência de lei na qual a Portaria se baseie e ausência de contraditório prévio à inclusão do nome do empregador no cadastro cuja divulgação é expressamente prevista pela Portaria – não encontram mínimo suporte, como já foi amplamente demonstrado em decisões anteriores de altas Cortes do país e vem sendo evidenciado na prática transparente adotada pelo Ministério do Trabalho e Emprego ao estabelecer, antes da inclusão no Cadastro, um processo administrativo com amplo direito a contraditório.

O perigo na demora, se existisse, estaria na manutenção da funesta decisão cautelar deferida, pois a mesma retira ao conjunto da sociedade, do mercado e até da comunidade internacional, a transparente informação à qual têm direito em relação à violação de garantias fundamentais, constitucionalmente estabelecidas como prioritárias e independentes de qualquer reserva legal: o direito à liberdade e à dignidade, bem como o direito à transparência dos atos administrativos. Também impede dramaticamente a continuação do esforço virtuoso iniciado para municiar e reforçar o monitoramento corporativo e a vigilância cidadã das cadeias produtivas, estimulando assim o retorno a práticas abomináveis além de desleais.

O ato normativo atacado “não invadiu matéria reservada à lei tampouco invadiu campo de competências legislativas constitucionalmente reservadas, hipóteses que ensejariam controle abstrato de constitucionalidade de normas infralegais”.

Ao impedir a legítima informação proporcionada pelo Cadastro, a Liminar “privilegia o interesse privado de empregadores legalmente autuados por gravíssimas infrações sobre os interesses constitucionais tutelados pela norma atacada”: dignidade do ser humano, valores sociais do trabalho, direito fundamental de acesso à informação. Pior: a suspensão da divulgação funciona como estímulo à prática do crime.

Por todas essas considerações, fica evidente o quão insustentável e prejudicial se torna a manutenção da medida adotada pelo Presidente do STF, ad referendum do Plenário.

Ciente da firme posição adotada por sua Excelência durante a última campanha eleitoral em relação à erradicação do trabalho escravo no Brasil, a Comissão Pastoral da Terra tem certeza de que tais argumentos não se fariam nem necessários. Pois, na Carta-Compromisso que assinou e publicou no dia 7 de setembro de 2014, a sua Excelência, então candidata à reeleição como Presidenta da República, já afirmava, sem margem para dúvida:

Assumo, caso eleita, o compromisso público de: (…) 12) Apoiar o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava, conhecido como a “lista suja”, instrumento mantido por intermédio da Portaria Interministerial 02/2011, do Ministério do Trabalho e Emprego e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que tem sido um dos mais importantes mecanismos de combate a esse crime.

Não há como isolar a ofensiva, hoje dirigida contra o Cadastro, de outras várias iniciativas, especialmente no campo legislativo, visando obrigar o Brasil a retroceder no seu histórico compromisso de erradicar o trabalho escravo. São estas, particularmente, a busca de revisão do conceito legal de condição análoga à de escravo tal qual estabelecido pelo artigo 149 do Código Penal Brasileiro, e a tentativa de instituir, para efeito de regulamentação da EC 81 (que determina o confisco da propriedade onde for flagrado trabalho escravo), uma definição diversa da do próprio CPB.

Neste sentido a totalidade dos itens assumidos por sua Excelência, na sua qualidade de candidata a presidente, na Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo, passou a ser de gritante atualidade.

Por ter contribuído incansavelmente, e por mais de 40 anos, na construção do compromisso da sociedade e do Estado brasileiros de erradicar o trabalho escravo no país, a Comissão Pastoral da Terra, junto com seus parceiros da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, fica hoje no aguardo esperançoso de uma pronta manifestação da sua Excelência, em coerência com o engajamento público que assumiu.

Respeitosamente,
Fr Xavier J M Plassat

Pela Coordenação da Campanha Nacional da CPT “De olho aberto para não virar escravo”