Pesquisador analisa a situação dos agrotóxicos e a fragilidade da Anvisa
Por João Vitor Santos
Do IHU On-line
Imagine um órgão que tem responsabilidade de fiscalizar o uso de agrotóxicos. Esse mesmo departamento sofre com a falta de corpo técnico qualificado e infraestrutura. É gerado pouco conhecimento cientifico – e há pouco material – que garanta análises de qualidade que poderiam banir substâncias que causem danos ao ser humano e ao meio ambiente. Do outro lado do balcão, multinacionais produtoras de agrotóxicos que lutam com alta tecnologia e grande corpo técnico qualificado contra esse frágil órgão.
Essa é a realidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, o professor da Universidade Federal do Paraná, Victor Manoel Pelaez Alvarez, revela esse cenário. Embora comemore a evolução de um processo que baniu Forato e Parationa Metílica do país, reconhece que a regulação do uso de agrotóxicos precisa melhorar muito.
“O Brasil é o segundo maior mercado consumidor de agrotóxico do mundo, é o maior importador de agrotóxicos no mundo e com a maior taxa de crescimento das importações. Veja que o Brasil tem em torno de 45 técnicos que fazem avaliação. Nos Estados Unidos, são 850 pessoas para fazer a mesma coisa”, complementa.
Para Alvarez, mais importante do que repensar a legislação brasileira sobre o uso de agrotóxicos é de fato colocar em prática o que já existe. “Outro problema é que, quando a Anvisa tenta ter critérios mais rigorosos no processo de análise, começa a congestionar em função do grande número de análises que precisa ser feito. Para se ter ideia: há uma fila de 1500 produtos para avaliação, até junho de 2013. É uma fila que cresce com muita rapidez e não há capacidade de avaliação para atender a essa demanda”, destaca. O cenário ainda piora porque, além de deixar a Anvisa de braços amarrados em decorrência do pouco investimento, a Agência é negociada na lógica da lotação de cargos políticos. “O atual governo passou a capturar as próprias agências reguladoras. Isso na medida em que são cargos colocados à disposição de partidos políticos para a barganha política que a gente conhece”.
Como mudar esse cenário e efetivamente reduzir o consumo de agrotóxicos? Além de dar o devido valor à Anvisa, o pesquisador acredita que o debate também passe por novos modelo de produção. No entanto, adverte: “você não consegue introduzir novos modelos agrícolas, novas tecnologias no curto prazo. É logico que se diz que agricultura orgânica não é viável. Não é viável no curto prazo, como não era viável o modelo atual no curto prazo. São escolhas, trajetórias tecnológicas cujo resultado vai se dar no médio e longo prazo”.
Victor Manoel Pelaez Alvarez é graduado em Engenharia de Alimentos, mestre em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas e doutor em Ciências Econômicas pela Université de Montpellier I. Além de professor da Universidade Federal do Paraná, é membro do Conselho Editorial do International Journal of Biotechnology e da Revista Brasileira de Inovação.
Em dezembro do ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa aprovou o banimento dos agrotóxicos Forato e Parationa Metílica. O que são essas substâncias?
Parationa Metílica é um inseticida usado em várias culturas e o Forato é um fungicida e também acaricida usado também em várias culturas. A questão é que são produtos, no caso do Forato, proibido na União Europeia. A Parationa é proibida nos Estados Unidos desde 2013, também na União Europeia e na China.
Essa é a continuidade de um processo que começou em 2008, quando a Anvisa colocou em reavaliação 14 ingredientes ativos e que, até hoje, foram quatro desses ingredientes proibidos. Em 2008, as empresas entraram com processo liminar na Justiça para sustar esse processo de reavaliação.
Em novembro, a Anvisa conseguiu derrubar essa liminar e seguir adiante com a reavaliação de produtos. Boa parte desses produtos é o que consideramos como no fim de um ciclo de vida. Foram produzidos há muito tempo e, na medida em que se descobrem efeitos que não se conheciam, adversos à saúde e ao meio ambiente, é natural que esses produtos sejam descontinuados.
No Brasil e também no mundo inteiro, a estratégia das empresas é sempre buscar formas de adiar ao máximo esse processo. E uma das estratégias é justamente o recurso judicial. E até haver o desfecho do processo judicial, as empresas ganham vários meses e até anos.
E qual a alegação das empresas na Justiça para suspender esses processos? Defendem que o produto não tem reações adversas ao ser humano e ao meio ambiente?
Há vários argumentos. Tanto entram com contraprovas como também dizem que aquilo (o processo) é prejudicial à imagem das empresas. O que não faz sentido nenhum do ponto de vista técnico. Mas, tudo é possível. Ainda mais porque todo processo de avaliação toxicológica é polêmico. Não é perfeito, é cheio de limitações, de critérios de subjetividade. Na realidade, a objetividade surge de uma questão subjetiva.
Por quê? Grupos da comunidade científica entram em acordo sobre determinados critérios a serem adotados. Mas, necessariamente, não são perfeitos, pelo contrário. Uma das imperfeições é justamente que o processo de avaliação é feito caso a caso. Ou seja, o efeito de um único ingrediente ativo sobre as cobaias. Acontece que, na vida real, nos aplicadores ou como a população vai comer (ingerir a substância) há um conjunto de produtos, de resíduos de ingredientes ativos. Então, vai usar uma série de ingredientes na sequencia ou em conjunto. E não é feito nenhum estudo sobre o efeito sinérgico da combinação de diferentes ingredientes ativos. Há uma série de limitações, portanto, nas avaliações que são feitas. De qualquer forma, é um grande avanço poder ver que alguns produtos estão saindo do mercado. Veja que é um processo lento. Isso começou em 2008, mas aconteceu mesmo em 2013. Em março de 2008 mesmo, o próprio Ministério Público entrou com uma ação para que a Anvisa de fato retomasse o processo de reavaliação que ficou parado.
E assim a gente entra num outro aspecto que é importante: a falta de infraestrutura regulatória do país. E o Brasil é o segundo maior mercado consumidor de agrotóxico do mundo, é o maior importador de agrotóxicos no mundo e com a maior taxa de crescimento das importações. Só para comprar, veja que o Brasil tem em torno de 45 técnicos vinculados aos três ministérios que fazem avaliação, que é Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. São eles que fazem avaliação de produtos. Nos Estados Unidos, são 850 pessoas para fazer a mesma coisa.
Lembrando que os Estados Unidos é o maior mercado de agrotóxico. Veja a defasagem em termos de infraestrutura. Nos Estados Unidos, o custo de um registro de um novo ingrediente ativo que vai ser utilizado em alimentos para consumo humano chega até 630 mil dólares. No Brasil, o custo máximo é de mil dólares. Nos Estados Unidos, há uma taxa de manutenção de registro anual e no Brasil não é cobrado nada.
No Brasil, os registros de agrotóxicos não tem data de validade. Uma vez alcançado o registro, passa a valer eternamente. Ou seja, fica a critério do fabricante e de inspeções da Anvisa buscar reavaliações. Qual a sua avaliação sobre essa forma de concessão de registros de agrotóxicos?
Exatamente. O prazo de registro no Brasil é indeterminado. Nos Estados Unidos, são 15 anos. Na União Europeia, 10 anos. Isso faz com que a cada 15 anos, no exemplo dos Estados Unidos, as empresas sejam obrigadas a atualizar os dossiês. Ou seja, os estudos de avaliação toxicológica tanto em relação ao ambiente quanto a saúde do ser humano. Isso é importante porque há uma evolução natural no conhecimento científico, nos testes que são mais sensíveis e assim por diante. Então, há produtos que estão no mercado há décadas e sem esse processo de reavaliação que é tão fundamental. Além disso, o ônus da prova, no caso do Brasil, cabe ao órgão regulador. Assim, é a Anvisa que tem que financiar estudos, mobilizar recursos, que já são extremamente escassos. E, depois, ainda brigar com o processo legal das empresas retardando o processo de avaliação. Veja a fragilidade de nosso processo regulatório.
E há perspectiva de se rever esse processo regulatório?
É preciso situar. O Marco Regulatório brasileiro é de 1989, a Lei de Agrotóxicos foi criada em 89. Ela tinha grandes avanços em relação a um decreto que era de 1934. Qual o grande avanço? Exigir estudos toxicológicos, de impacto ambiental, que não havia antes. E, inclusive, de avaliação do desemprenho agronômico do produto.
Até então, nenhuma legislação do mundo tinha a chamada análise de perigo. Todos processos de avaliação de agrotóxico começam com a análise de perigo. Só que aí há uma fase seguinte, como no caso dos Estados Unidos. O que faz o veneno é a dose. Então, se a gente controlar a dose, podemos minimizar o efeito e fazer uma análise do risco, a probabilidade de causar dano. A análise de risco é um modelo americano.
Ou seja, primeiro se avalia se tem perigo. Se há perigo, vamos avaliar como minimizar isso por uma análise de risco. Assim, se pode recomendar o uso equipamento de proteção individual, determinar dose diária aceitável, ingestão diária e assim por diante. Acontece que alguns produtos podem causar efeitos em doses muito pequenas. Então, é muito difícil esse controle. Nesse caso, a análise do perigo foi instituída por alguns tipos de efeitos. Por exemplo: causa câncer? Não importa a dose, está proibido. Causa má formação fetal, não importa a dose; causa desregulação endócrina, não importa a dose: está proibido.
Bem, está na lei desde 89. Só que uma coisa é estar na lei e a outra é implementar. E aí faltava um grande caminho para chegar lá. A União Europeia substituiu esse tipo de critério agora em 2013. Inclusive, uma série de substâncias que são comercializadas nos Estados Unidos já não podem ser na União Europeia. Isso é um grande incômodo para a indústria de agrotóxicos, que é uma indústria globalizada. São 13 multinacionais que controlam cerca de 90% do mercado mundial. Portanto, não tem interesse nenhuma que haja essa falta de harmonização. Obviamente clamam e defendem que o modelo de regulação dos Estados Unidos é o melhor.
Outro problema é que quando a Anvisa tenta ter critérios mais rigorosos no processo de análise começa a congestionar, em função do grande número de análises que precisa ser feito. Para se ter ideia: hoje, na Anvisa, há uma fila de 1500 produtos para avaliação, até junho de 2013. É uma fila que cresce com muita rapidez e não há capacidade de avaliação para atender a essa demanda. Em função disso, começam a surgir demandas por uma mudança na legislação por parte do setor produtivo, dos agricultores, etc. E aí a tendência é sempre minimizar, simplificar o problema.
O que está atravancando? É a atitude da Anvisa? Então, tira fora. Ou seja, coloca tudo num órgão só, centraliza na Agricultura, que historicamente em todos os países sempre foi mais flexível, menos exigente com questões ambientais e de saúde. Há projetos de lei justamente tentando retirar o poder de regulação e de decisão do Ibama e da Anvisa. Ou, ainda, de criar uma agência única, mas também no qual se centraliza o poder no que tange a questão de produção e não de saúde e meio ambiente. O modelo atual também não é satisfatório, nem para as empresas e nem para a população. É um modelo que não tem pessoal suficiente, há sempre conflitos de interesses entre os próprios órgãos que não se entendem, é muito pouco eficiente.
O que é mais impressionante é que o Brasil vai na contramão da tendência histórica, em que os mercados mais exigentes são aqueles em que saúde e meio ambiente são variáveis importantes de mercado. E não o produto mais barato. Negligencia essas variáveis e o coloca como uma oposição à produção. Como se a economia estivesse de um lado e as questões de meio ambiente de outro.
Não são variáveis antitéticas, pelo contrário. As sociedades mais democráticas e evoluídas são aquelas em que essas variáveis estão juntas, porque significa qualidade de vida. E o Brasil volta para décadas atrás ao invés de avançar, estar na liderança, na vanguarda do que seja a preservação da saúde e do meio ambiente.
Pelo que o senhor tem afirmado, essa legislação brasileira nem foi efetivamente posta em prática. É preciso reformar a legislação que temos ou bastaria apenas colocar em prática o que já existe?
Um aspecto importante, que faz parte da Revolução Verde – que surgiu num contexto pós-guerra, da Guerra Fria – era a disputa ideológica de como é que o capitalismo vai evitar que países pobres se tornem países socialistas ou comunistas. O aspecto alimentar é fundamental. Ou seja, a população tem que ter acesso a alimentação.
Como é que a gente faz isso? A fórmula capitalista era baratear os alimentos. Faço um alimento mais barato, que foi justamente a Revolução Verde, que assim há um aumento na produtividade. Só que para ter um aumento de produtividade teve de haver um uso intenso de insumos agrícolas, fertilizantes, sementes, agrotóxicos. E para isso é necessário investimento, capitalização. E é aí que há uma concentração dessa produção.
É um modelo já excludente, socialmente e economicamente, caro, tem o efeito de redução do custo do alimento pelo menos da produtividade. No entanto, não adianta ter oferta de alimento se não há distribuição da renda. E esse é o grande desafio que ainda permanece. Se boa parte da população consegue ter acesso a alimentos mais baratos, uma grande parte não consegue ter acesso porque não tem renda.
O modelo tecnológico colocado, de uso intensivo desses insumos, demandava um marco regulatório para tentar minimizar os efeitos adversos. E isso também tem um custo. Para difundir esses alimentos a baixo custo, foi feito a retirada de impostos de insumos e agrotóxicos.
No Brasil, os insumos agrícolas em geral, incluindo agrotóxicos, são isentos de IPI, tem redução de até 60% de ICMS, tem isenção de PIS/Cofins, o que faz com que o custo seja muito barato. Então, é muito barato produzir no Brasil. Ainda mais porque hoje tudo é muito importado da China, com baixo custo e pouco controle. E o setor público cobra muito pouco do setor privado para regular aquilo que o setor privado não controla e assim por diante.
Então, o modelo em si já é falido. E isso está ligado a um processo de democratização da sociedade. Existem sociedades mais democráticas em que esse custo acaba sendo privatizado, recai sobre as empresas. Em sociedade menos democrática esse custo é socializado, ou seja, é a população que paga. Que é o que acontece no Brasil. O poder político das empresas é muito forte, no sentido de evitar que haja taxação e impostos sobre esses produtos.
Pensando nesse sentido, um caminho para reduzir o consumo de agrotóxicos não seria o governo investir em outros modelos de cultura? A produção de orgânicos é uma saída?
Com certeza. E isso tudo é investimento de longo prazo. A própria Revolução Verde foi um investimento de longo prazo. Você não consegue introduzir novos modelos agrícolas, novas tecnologias no curto prazo. É um processo lento. Levou décadas até a revolução agrícola de fato se difundir em grande escala, o que envolveu uma grande rede de financiamento público, de pesquisa pública, de extensão rural. Ou seja, da mesma forma, se isso fosse feito com tecnologias agroecológicas ou orgânicas também seria viável. É logico que se diz que agricultura orgânica não é viável. Não é viável no curto prazo, como não era viável o modelo atual no curto prazo. São escolhas, trajetórias tecnológicas cujo resultado vai se dar no medio e longo prazo.
Isso é política publica que passa, por exemplo, por selecionar técnicos para as secretarias de agricultura. Se você seleciona um técnico cujo sistema que conhece está alinhado com o uso de agrotóxicos, não é essa pessoa que vai ter o incentivo de tentar mudar para uma tecnologia menos poluente. Veja que é um grande processo de transformação.
E em termos de Brasil, como estamos nesse processo?
Diria que estamos andando para trás em alguns casos. Houve um processo de desmanche do marco regulatório, que foi um avanço com relação aos anos 30. No entanto, esse marco não foi concluído porque não foi implementado de fato. E as agências têm cada vez mais restrições de ações, de incentivo. Para se ter ideia: uma agência reguladora tem o grande desafio que é lidar com a assimetria de informação. Ela regula um setor que é o que desenvolve a tecnologia, é o que tem conhecimento e que investe muito. Para ela conseguir regular, tem que investir muito em capacitação de pessoal para conhecer a fundo aquele setor que está sendo regulado.
A Agência de Proteção Ambiental nos Estados Unidos é a maior agência reguladora de lá. São cerca de 50 agências reguladoras no país, tanto é que chamado de quarto poder. Essa Agência que tem orçamento de certa de dez bilhões de dólares, tem 17 mil funcionários, dos quais três mil são pesquisadores de tempo integral com formação de doutorado. Isso é muito importante para reduzir essa assimetria de informação, pois tem que lidar com profissionais das empresas multinacionais que são altamente gabaritados. Esses funcionários vão gerar um conhecimento que interessa as empresas e que, por sua vez, vão ter muito mais argumentos num processo de litígio ambiental.
No Brasil, não existe esse processo de qualificação das agências reguladoras. Pelo contrário, elas estão em fase de desmanche. Isso faz com que esse modelo de regulação e controle seja inviabilizado no Brasil.
Então, sem investir pesado nas agências, tanto tecnicamente como materialmente, não tem como evoluir nesse modelo de regulação?
Não, não tem. Pelo contrário, está em franco retrocesso. Até porque o atual governo passou a capturar as próprias agências reguladoras. Existe a captura pelo setor provado, mas, no caso que a gente está vendo aqui no Brasil é a captura pelo próprio governo. Isso na medida em que são cargos colocados à disposição de partidos políticos para a barganha política que a gente conhece. Infelizmente estão num processo de retrocesso, numa involução no que seria o marco regulatório, ou a chamada regulação social.
Porque ainda se consome tanto agrotóxico no Brasil? Porque ainda se insiste em substâncias que já foram banidas de outros países?
São várias causas. O Brasil tem dimensões continentais, é o segundo maior produtor de alimentos no mundo. E não é por acaso. Os Estados Unidos são o primeiro e é o maior consumidor de agrotóxicos. O Brasil é o segundo maior consumidor. E aonde que se consome? 90% dos agrotóxicos são consumidos nas grandes commodities agrícolas para exportação, algodão, milho, café, cana-de-açúcar. O consumo é muito mais pela extensão, não pela intensidade. Ou seja, em quilos por hectare, o consumo de hortaliças e frutas é muito maior do que o da soja. Enquanto que a soja, por exemplo, vai consumir 18 quilos de agrotóxicos por hectare, a maçã pode consumir 60.
O grande consumo se dá pelas grandes extensões de plantio. E não por acaso que, justamente nos anos 2000, principalmente pela forte demanda de milho e soja pela China, o Brasil aumenta muito sua produção. E, obviamente, com isso vai aumentar também o consumo de agrotóxicos. O Brasil também tem vários estados em que se utiliza de suas safras por ano, o que também contribui para aumento do consumo.
E há justamente falta de controle. A fiscalização é extremamente frágil e precária e os impostos que não incidem acabam reduzindo os custos dos insumos. E aí não há um cuidado, por exemplo, em calibrar os bicos injetores, de racionalizar o uso desses produtos e ainda não se faz o manejo adequado de pragas. Ou seja, só se deve usar o agrotóxico de forma corretiva e não preventiva. Mas os agricultores acabam trabalhando numa estratégia de prevenção. E, usando as palavras de um agrônomo da Embrapa Soja: “é como você fazer um tratamento preventivo de um câncer que ainda não teve”. É uma coisa que não faz sentido.
O próprio manejo adequado de pragas, que é essa racionalização, pode levar a redução do consumo em mais de 50%. Então, tudo isso falta ao Brasil. Estamos num processo extremamente precário, com raras exceções. O grande crescimento acelerado de commodities e o custo relativamente barato desses produtos faz com que haja um incentivo a sua utilização e não a sua racionalização. É uma tecnologia de saturação e não de precisão. É o caso da pulverização, que acaba contaminando áreas ao redor. Assim, vemos principalmente casos de contaminação em escolas vizinhas às plantações.
Acreditava-se que o uso de sementes geneticamente modificadas poderia reduzir a necessidade de altas cargas de agrotóxicos. Mas, hoje, sabe-se que o cenário não é esse. Correto?
Recentemente avaliamos o custo de produção das grandes commodities, algodão, milho, em comparação com o trigo, que não tem ainda semente geneticamente modificada. O objetivo é ver como evoluíram os custos. Uma coisa interessante é justamente isso: os custos com agrotóxicos permanecem basicamente os mesmos, tanto em culturas transgênicas como não-transgênico, e o que mais aumenta são os custos das sementes. Chega a mais de 200% num período. E são as mesmas empresas, que fornecem sementes e agrotóxicos. Qual é a estratégia? Criaram a primeira geração de transgênico, geração de uma semente resistente ao herbicida glifosato. Ou seja, passou-se a poder usar o que antes não era usado (já que as sementes não resistiam a essa substância).
Então não houve uma redução e sim um aumento. E ainda mais: com o único uso de uma substância, um único princípio ativo, gera resistência de ervas daninhas, assim como inseticidas geram resistências a insetos e assim por diante. E na sequencia tem que usar em mais quantidade ou tem que usar produtos que já estavam no fim de linha, no final do seu ciclo de vida. E ainda desenvolvem sementes geneticamente modificadas para resistirem a esses produtos que são extremamente tóxicos. Um exemplo é o paraquat, já proibido inclusive na China. E aqui no Brasil a estratégia de fazer uma mistura de glifosato com paraquat justamente para combater o efeito da resistência das erva daninhas.
Tudo aquilo que se dizia que era tecnologia de vanguarda porque iria utilizar só um ingrediente ativo com menos toxidade, de repente, com resistência e uso continuado, tem que voltar atrás no tempo. Há retrocesso tecnológico de usar produtos que, inclusive, já deveriam estar fora do mercado. Na realidade, tudo é uma estratégia de venda e convencimento que vai dar resultado.
Mas dá resultado no curto prazo, na fase seguinte já leva a ter que usar mais agrotóxico, mais agrotóxicos e mais tóxicos. Há alguma exceções como é o caso das variedades resistentes a insetos. Porém, hoje, se não houver uso continuado ou estrutura muito sofisticada de refúgios para evitar que haja uma geração de insetos resistentes em grande escala isso também vai acontecer. E pensar nessas estruturas com a fiscalização e controle que temos hoje Brasil é irreal. As nossas estruturas não tornam viáveis esse tipo de gestão tecnológica. Há outros recursos que poderiam ser utilizados, mas tudo depende de pesquisa e investimento.