Paraguai: junto à expansão do agronegócio, a criminalização dos movimentos
Por Mariana Serafini
Especial para a Página do MST
Desde o golpe parlamentar que depôs o presidente Fernando Lugo, em 2012, os movimentos sociais vem se organizando com mais força no Paraguai. A repressão, porém, aumentou na mesma medida. Perseguir e criminalizar os movimentos sociais é uma estratégia para enfraquecer a luta pela terra e fomentar o agronegócio explorador e o narcotráfico.
A repressão do Estado é uma herança da ditadura de Alfredo Stroessner e age em pontos estratégicos, onde há interesses de expansão do agronegócio e do narcotráfico. Apesar de um curto hiato durante o governo de Fernando Lugo, desde que Horácio Cartes assumiu a presidência, a estratégia de Estado voltou a ser aplicada com truculência.
Em apenas dez dias de governo, Horácio Cartes aprovou a Lei de Militarização
e não demorou para colocá-la em prática nos departamentos de Amambay, San Pedro e Concepción, na região Norte, onde há mais interesse na expansão do agronegócio. Os campesinos vivem num verdadeiro Estado de Sítio, sofrem com a repressão do Exército de um lado e com a perseguição do crime organizado de outro.
Com o pretexto de combater um grupo guerrilheiro intitulado Exército do Povo Paraguaio (EPP), o Estado invade e persegue comunidades campesinas inteiras. “No fundo o objetivo é limpar o território, remover a população campesina, ampliar o desflorestamento e plantar soja, tudo combinado com a questão das drogas nesta área”, diz o ativista da ONG Centro Antonio Guasch, Reinaldo Bogarín Alén.
Despejos e assassinatos
Não é segredo que o presidente Horácio Cartes é um grande empresário do ramo do agronegócio, além de ser o sócio majoritário das duas maiores tabacarias do país e ter forte presença na indústria de alimentos.
Porém, Bogarín afirma, sem titubear, que o chefe de Estado também tem relações com o narcotráfico. Segundo ele, durante o governo Cartes uma série de políticas sociais retrocederam e os direitos humanos são indiscriminadamente violados. “Antes os despejos tinham um protocolo, hoje são feitos de maneira bruta e autoritária”, denuncia.
É comum que despejos sejam feitos sem aviso prévio, a polícia atua em parceria com paramilitares dos latifundiários. O sociólogo Tomás Palau Viladesau denuncia a prática em um artigo publicado no Brasil em 2008 onde ele descreve como acontecem as ações:
“Mulheres e crianças são detidas, inclusive os feridos e acontecem casos de abortos devido aos golpes dados em mulheres grávidas durante os despejos. Dos campesinos os soldados roubam seus equipamentos de trabalho, destroem suas casas, seus cultivos e matam todos seus animais. Os despejos não afetam apenas os novos assentados, mas também cai sobre as antigas comunidades, inclusive as já legalizadas”.
Somente em 2014 mais de dez assentamentos sofreram perseguição e despejo, de acordo com a jornalista Abel Irala do portal E’A, trata-se de terrenos ajuizados irregularmente a generais, empresários e políticos durante a ditadura de Stroessner.
Em 2013 quatro lideranças campesinas foram assassinadas: Benjamin Lezcano, Sixto Peres, Inocencio Sanabria e Lorenzo Areco, todos na região dos departamentos de Concepción e San Pedro. Não existe investigação, não se sabe se as mortes foram causadas por paramilitares ou agentes do Estado. O fato é que a imunidade prevalece e fortalece a lei do silêncio.
Vende-se
O Instituto Nacional da Terra e Desenvolvimento Rural, equivalente ao Incra no Brasil (Inder) atua como um “agente imobiliário” do agronegócio, ao incentivar os pequenos produtores a venderem suas terras para o latifúndio.
As vendas são feitas muitas vezes forçadas e o preço pago nem sempre é o equivalente ao valor devido. Muitas famílias se veem obrigadas a desocupar suas casas e abandonar suas plantações por não conseguir enfrentar os vizinhos latifundiários.
Em inúmeras situações, devido ao uso de agrotóxicos em grandes campos de soja, pequenos cultivos de alimentos orgânicos são prejudicados e os animais não resistem à intoxicação e morrem. A população pobre não tem condições de manter seu modo de vida e são obrigadas a procurar outros meios de sobrevivência na cidade, mais de nove mil famílias são expulsas por ano.
A redução dos “campesinos” é, claramente, uma prioridade da administração de Cartes. Recentemente o ministro da Agricultura e Agropecuária, Jorge Gattini, afirmou que a população camponesa é um empecilho para o desenvolvimento rural e neste sentido o país pretende reduzir de 33% para 7% os trabalhadores do campo a fim de “fomentar o desenvolvimento” do agronegócio.
Concentração de terras
Apesar de um terço da população viver no campo, o Paraguai tem um dos índices mais altos de concentração de terra da América Latina, segundo o censo agropecuário de 2008, apenas 2,6% de empresários são detentores de 85,5% das terras, enquanto 91,4% dos camponeses dispõem de 6% da superfície agrícola. O avanço do agronegócio é inegável, em 1997 o país tinha 1.050.000 hectares de cultivo de soja, em 2004 este número cresceu para 3.254.982.
Neste cenário devastado pelo agronegócio, os camponeses resistem e fortalecem a luta pela terra por meio de coordenadorias democráticas. Em meados de fevereiro um grupo de camponeses liderado pelo Partido Paraguay Pyahurã, e outros movimentos sociais, realizou uma grande marcha que partiu de diversas regiões do interior e seguiu, por aproximadamente uma semana, até chegar na capital Assunção e iniciar uma expressiva manifestação composta por movimentos camponeses e urbanos que pedem a renúncia do presidente e de toda sua linha sucessora.
Sob o lema “Paraguai em pé por uma pátria nova”, eles pedem uma mudança completa na política econômica baseada no modelo extrativista de monocultivo de soja que força os despejos, perseguições e mortes.
O presidente deposto Fernando Lugo afirmou, em entrevista exclusiva, “não foi um golpe contra mim, foi um golpe contra o povo paraguaio”. Pouco mais de dois anos se passaram e este cenário já está muito bem desenhado. O povo paraguaio é golpeado dia após dias pela política de exploração do governo de Horácio Cartes.
Num cenário onde a violência de Estado aumenta dia após dia, a resistência popular cresce na mesma medida no campo e nas grandes cidades. A repressão do capital privado aliado ao governo, obriga a população a criar núcleos de enfrentamento a este modelo que vem devastando o ambiente e o modo de vida não só dos camponeses paraguaios, mas dos povos de vários outros países da América Latina. As coordenadorias democráticas e as grandes marchas populares podem ser o começo de uma nova resistência de esquerda frente aos interesses extrativistas internacionais
A influência dos Estados Unidos
O modelo de agronegócio imposto no Paraguai prova que a soberania não é uma preocupação do Estado, afinal, trata-se de um acordo feito com os Estados Unidos no início da década de 1960 pelo então presidente Alfredo Stroessner durante uma reunião em Montevidéu. Na ocasião o ditador paraguaio decide que o país deveria ser “auto suficiente em trigo” e implementa o “Plan Trigo”, cujo objetivo é iniciar o processo de monocultura.
É neste período que acontecem as primeiras invasões em propriedades campesinas e começa ma nova redistribuição de terra no país, desta vez entre os empresários “amigos” do presidente Stroessner. O plano fracassa em menos de dez anos e as Ligas Agrárias – movimentos camponeses organizados principalmente no departamento de Misiones – começam o primeiro grande processo de resistência pela terra.
No entanto Stroessner mantém o acordo e inicia um novo investimento, desta vez com a expansão da fronteira da soja em mais departamentos e o ingresso de brasileiros no Paraguai. A primeira grande devastação da agricultura capitalista têm sucesso, já na década de 1970, principalmente nos departamentos de Alto Paraná, na fronteira com o Brasil e ao Norte em Itapúa e Canindeyú. É nesta época que os empresários do agronegócio brasileiro começam a invadir o país e expulsar os campesinos, também neste período as empresas multinacionais se instalam em solo paraguaio.
Mais tarde, em meados dos anos 1990 a região do Chaco começa a ser ocupada por brasileiros para a expansão da agropecuária e a segunda grande invasão estrangeira se dá no começo deste século quando inicia-se a plantação de produtos geneticamente modificados. Trata-se do período mais devastador para o campesinato, onde o Paraguai começa a abrir mão de sua soberania alimentar em nome dos interesses norte-ameircanos dominantes.
Monsanto e Cia
Não demora para empresas como Monsanto e Syngenta serem as responsáveis pela maior parte da produção nacional. O uso indiscriminado de agrotóxicos e outros produtos nas plantações transgênicas transformam o Paraguai em um grande campo de experiências químicas. O bombardeio da mídia e o incentivo do Estado à plantação geneticamente modificada aumentam, na medida que as informações reais sobre este modelo são cada vez menos veiculadas. Diversos alimentos que devido ao processo químico se tornam impróprios para o consumo humano começam a ser inseridos na dieta da população mais pobre, principalmente por meio da merenda escolar. Inicia um período obscuro de doenças e distúrbios de saúde não identificados que perdura até hoje.
De acordo com o estudo do sociólogo Palau, esta expansão da soja transgênica é parte de um projeto de dominação que busca garantir o lucro de grandes corporações dos Estados Unidos e o estilo de vida da população americana.
Além da monocultura, o plano inclui a exploração, por parte de empresas norte-americanas, do gás, da água, da biodiversidade e dos minerais. A prova disto é a Lei de Aliança Público Privada aprovada no início do mandato de Horácio Cartes que dá o consentimento a essas empresas de administrarem os recursos naturais do país por cerca de 40 anos sem nenhuma contrapartida.
O deputado da Frente Guasu, Ricardo Canes afirmou, em entrevista exclusiva, “esta lei é capaz de ser ainda mais perversa do que um processo de amplas privatizações porque por meio da Aliança Público Privada as empresas lucram com os recursos naturais sem deixar nenhum tipo de investimento, querem entregar nossas águas, nosso gás, nosso minerais e até nosso ar ao capital estrangeiro”.