Na Tunísia, Via Campesina defende fortalecimento da soberania alimentar
Por Simone Freire
Especial à Página do MST, de Túnis (Tunísia)
A necessidade de reverter a atual crise do sistema alimentar se torna cada vez mais urgente, e a possibilidade de solucionar essa questão estaria na criação de alternativas que visem o fortalecimento da produção familiar agroecológica. Esta foi a conclusão de uma das primeiras atividades da Via Campesina no Fórum Social Mundial 2015 (FSM), em Túnis (Tunísia), nesta quarta-feira (25).
Sob o tema “Recuperar os sistemas alimentares locais”, a atividade propôs um intercâmbio das experiências ao redor do mundo. Para os presentes, o primeiro passo para ampliar este tipo de produção é romper com a lógica capitalista, que entende o alimento como mercadoria e trata a alimentação como uma ação mecanizada.
“Precisamos pensar como podemos nos apropriar do sistema alimentar. Quando compramos comida esquecemos que isso é um ato político”, destacou Judith Hirchman, da rede internacional de apoio à agricultura comunitária, URGENCI.
Para ela, entender a diferença entre segurança alimentar e soberania alimentar também é um ponto chave no debate, pois, embora eles estejam relacionados, há diferenças quando se vai à luta prática e real.
“Nós queremos comida local produzida por produtores pequenos, sem produtos químicos, sem veneno. Mas, soberania também é decidir o que e como comer. Na cidade, por exemplo, precisamos saber de onde vem nosso alimento. A agroecologia é uma forma de entender a alimentação das pessoas e se passa a ideia de solidariedade coletiva. Não está relacionada às transnacionais”, disse.
Para Adriana Oliveira, do MST, também se deve romper com a ideia de padronização alimentar e qualquer forma de produção transgênica, uma vez que ela não respeita a terra, a biodiversidade e as particularidades de cada região.
Com um papel de “guardiãs das sementes”, a integrante do MST também destacou a participação fundamental da mulher na produção desses alimentos.
“Temos que ter um olhar sobre a agricultura de semear, proteger e respeitar o tempo da natureza. A agricultura precisa dialogar com a biodiversidade de cada local, ao contrário do monocultivo”, explica.
A experiência brasileira
No Brasil, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) do ano passado, há mais de quatro milhões de estabelecimentos familiares rurais. A participação desses agricultores no Produto Interno Bruto (PIB) Agropecuário é de 33% e, no que se refere à geração de empregos, o setor emprega 74% da mão de obra no campo.
Sob esta perspectiva, os Sem Terra buscam criar uma grande rede de produção alimentar. Não à toa, o MST possui 100 cooperativas e 96 agroindústrias, que buscam fortalecer a economia e renda das milhares de famílias assentadas e acampadas por todo o Brasil.
Sua produção inclui arroz, feijão, milho, batata, mandioca, leite, entre outros alimentos que são destinados para consumo das próprias famílias, mas também comercializados em feiras e enviados para a merenda escolar de alguns municípios.
Partilhando estas experiências concretas, Adriana expôs alguns exemplos no sul do Brasil. O primeiro deles foi o de Santa Tereza do Oeste, a cerca de 520 quilômetros de Curitiba, no oeste do Paraná, onde o Movimento ocupou um terreno da multinacional suíça Syngenta AG (SYT)* usado para plantio de milho transgênico. “A Via Campesina ocupou esta aérea e hoje tem dezenas de famílias produzindo alimentos agroecológicos com uma produção cooperada”, disse.
Outro exemplo foi o da ocupação na área da Fazenda Tabapuã, em Centenário Sul, pertencente ao grupo Atalla, dona da Usina Central do Paraná. Lá, cerca de 1.500 famílias vivem e também produzem alimentos.
“O que se via antes era apenas queima do solo e agrotóxicos para a produção de etanol. Era uma cidade sem população porque a população da cidade só existia no momento do corte de cana-de-açúcar”, explicou. Atualmente, a ocupação tem se fortalecido e já possui, inclusive, uma escola itinerante para mais de trezentas crianças.
O papel do Estado
Além de lutar contra o poder das multinacionais, os movimentos do campo também travam uma resistência com o Estado. Políticas públicas nacionais e acordos internacionais estão cada vez mais atrelados ao mercado internacional e tendem a dificultar e atrasar os avanços da agroecologia.
Para Judith, neste sentido, o problema estaria no fato dos Estados (e as pessoas, de modo geral) não reconhecerem o alimento como um direito.
“As autoridades não reconhecem a inclusão social. O que queremos é que as autoridades reconheçam as alternativas. Os acordos internacionais tendem a roupar a soberania e a sobrevivência local”, disse, ao alertar a necessidade de resistir a este processo.