Sem Terra vão às ruas na Jornada de Lutas pela Reforma Agrária 2015
Por Maura Silva
Da Página do MST
A Jornada de lutas de 2015, que será realizada ao longo do mês de abril em todo país, se dará dentro de um contexto de estagnação da Reforma Agrária. O atual governo segue com sua política que prioriza o agronegócio, se consolidando como um dos que menos realizou desapropriações de terras: em 2013, apenas 100 áreas foram desapropriadas.
Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), atualmente há mais de 180 milhões de hectares classificados como grande propriedade improdutiva no país, mas o governo Dilma não se mexe para promover a democratização da terra.
O crédito para os pequenos produtores também é muito menor se comparado ao que é investido aos latifundiários. Foram disponibilizados R$ 21 bilhões no Plano Safra 2013/2014 para a agricultura familiar.
Para o agronegócio se disponibilizou R$ 136 bilhões, ou seja, dez vezes mais investimentos do que à agricultura familiar, responsável por produzir 70% dos alimentos e gerar nove empregos por hectare.
A Jornada também lembra os 19 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, quando 21 trabalhadores rurais Sem Terra foram brutalmente assassinados pela Polícia Militar, no município de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996.
Em entrevista, Débora Nunes, da coordenação nacional do MST, ressalta a importância das mobilizações e de ações que tem como objetivo pressionar o governo para garantir o cumprimento do seu papel na garantia da função social da terra.
Confira abaixo a entrevista:
Quais serão as principais bandeiras de luta da Jornada de abril deste ano?
As bandeiras levantadas pelo Movimento dialogam diretamente com as necessidades de mudanças para o avanço da Reforma Agrária, como por exemplo, a Reforma Política.
Temos clareza que frente a um congresso extremamente conservador e reacionário, que não representa o povo brasileiro, somente com uma reforma política que impulsione a mudança de sua forma e conteúdo é possível avançarmos, também, na realização da Reforma Agrária.
Ao longo de todo primeiro mandato, a presidenta Dilma dizia que sua prioridade era melhorar os assentamentos já existentes, e despriorizou a criação de novos assentamentos. Agora, parece que o novo ministro Patrus Ananias já mudou esse discurso, dizendo que junto àquela política desapropriará novas áreas com o objetivo de assentar todas as famílias. Como você avalia essas questões?
É verdade. Essa foi a linha dada pelo governo no primeiro mandato em relação aos assentamentos e acampamentos. Contudo, já avalio que a melhoria estrutural não chegou na maioria dos nossos assentamentos. E isso pode ser constatável a partir dos baixos números de famílias acampadas nos últimos anos, os piores da história. Temos famílias acampadas há mais de 15, 20, 25 anos em vários estados.
Por isso, a sinalização do ministro Patrus Ananias é vista com grandes expectativas, existe uma demanda social que espera respostas efetivas aos seus problemas. Essa definição política do governo precisa ser acompanhada de medidas que viabilizem a sua efetivação, como por exemplo, o fortalecimento do Incra. Precisamos focar também na utilização dos diversos instrumentos possíveis para disponibilizar terras para as famílias, desapropriação, arrecadação de terras públicas, áreas para irrigação, arrecadação e terras dos grandes devedores ao Estado; desburocratizando e agilizando os processos.
Faz-se necessário ressaltar também que as nossas expectativas frente a esta sinalização pressupõe, o cumprimento do nosso papel de organizar a luta para cobrar do governo o cumprimento da sua tarefa, enfrentando as manobras de um Estado conservador, com um congresso majoritariamente ruralista e um poder judiciário que é contrário a realização da Reforma Agrária.
Ano a ano, o número de novas famílias assentadas vem caindo. O governo anuncia mais de 100 mil famílias assentadas entre 2011 e 2014. Porém, um estudo do Gerson Teixeira demonstrou que apenas 27% dessas famílias são de fato projetos de assentamentos do período 2011/14, e que apenas 19% destes ocorreram por meio da desapropriação de terras, instrumento que de fato altera a estrutura fundiária. Ao mesmo tempo, dados do Incra revelam que neste mesmo período seis milhões de hectares passaram para as mãos dos grandes proprietários, e ainda temos 175 milhões de hectares improdutivos. Como você analisa essas informações?
Estes dados refletem o que o nosso Movimento tem dito nos últimos anos em relação à paralisia da Reforma Agrária e ao avanço do capital financeiro na agricultura brasileira, através das empresas transnacionais. E por mais que se tente inflar o número de famílias assentadas a realidade contradiz isso, pois os acampamentos seguem sendo montados, o numero de famílias acampadas continua crescendo. Para muitos brasileiros a Reforma Agrária – com a garantia de terra para trabalhar e viver e construir um modelo alternativo ao agronegócio com a reforma agrária popular -, é a única possibilidade de vida digna com trabalho, educação, moradia, produção de alimentos saudáveis.
Temos o congresso mais conservador desde o período da redemocratização do país. E a maior bancada deste congresso é justamente a que se relaciona diretamente aos movimentos do campo: a bancada ruralista. Diante disso, quais as expectativas para as conquistas e retrocessos que podem ocorrer tendo em vista essa realidade? E como enfrentar tamanho conservadorismo?
O cenário e as condições colocadas nos levariam crer que as maiores possibilidades seriam de retrocesso, pois a correlação de forças é bastante desfavorável para os camponeses. Contudo, a bancada ruralista, financiada pelas empresas do agronegócio, por mais que invista contra o avanço da Reforma Agrária, na proposição de leis, projetos e ações que desarticule a luta e as condições para mudanças estruturais no campo; confirma um cenário que vai além: as contradições que o modelo do agronegócio gera vão sendo insustentáveis e afetam toda a sociedade.
Por isso, nós precisamos dialogar e construir alianças com a sociedade, para que o povo decida se quer continuar comendo alimentos envenenados que causam câncer e mata. Os desequilíbrios ambientais, o desordenamento climático, a crise da falta de água, os inchaços nas cidades são questões que batem na porta de todo mundo, mas principalmente de quem está na cidade. Precisamos deixar claro quem são os responsáveis por esta. Assim, teremos o apoio da sociedade na luta dos trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra.
Junto à pauta específica da Reforma Agrária, tivemos um começo de ano conturbado. Estamos vendo uma polarização cada vez maior na sociedade. E ao mesmo tempo, as organizações populares constroem pautas unitárias e conclamam as lutas sociais. Estamos vivendo um novo momento da luta social e política no país? Como você avalia essa conjuntura?
Sim, vivemos um novo momento da luta social e política no Brasil, onde a luta de classes agoniza e expõe as contradições da nossa sociedade.
Talvez nunca tenha ficado tão explicito que a grande maioria do congresso nacional, do poder judiciário e dos grandes meios de comunicação tem lado, e que não é o lado dos trabalhadores.
E isso tem reforçado a necessidade dos enfrentamentos de classe, pois o que se apresenta não afeta segmentos, setores ou grupos, mas afeta a classe trabalhadora como um todo, desde a juventude negra e pobre das periferias, os trabalhadores da indústria, os funcionários públicos até os trabalhadores/as Sem Terra. Logo, as pautas unitárias e estruturais sobrepõem as especificas, pela necessidade colocada nesta conjuntura e que só terá avanços e conquistas cm muita organização, muita luta e capacidade de mobilização da classe trabalhadora.