Pesquisadores contestam natureza pró empresarial da CTNBio
Por Leonardo Melgarejo e José Maria Guzman Ferraz*
Em 8 de abril a Folha de São Paulo publicou artigo surpreendente, assinado por W.Colli, H.Nader e J.Pallis Jr, onde os autores articulam interpretações sobre o papel da ciência e da sociedade, em defesa de uma CTNBio por eles idealizada.
Aqueles argumentos poderiam ser desmontados um a um, e propomos que isso ocorra em debate público, na SBPC ou na ABC, veiculado online para apreciação da sociedade. A simples hipótese de que “todos os pareceres são lidos em plenária” oculta o fato de que os processos em si são lidos por poucos.
Os membros, que votam, escutam relatos/pareceres onde, sistematicamente, argumentos contrários ao desejo
das empresas são interrompidos em plena leitura. Isto garante a exclusão de perspectivas que deveriam auxiliar na decisão daqueles que não tiveram acesso aos processos. A maioria perde, assim, a oportunidade de rever ou consolidar julgamentos levando em conta estudos independentes e abordagens omitidas nos documentos preparados pelas empresas.
Isto é relevante porque aqueles documentos incorporam desde desrespeito a normas da CTNBio até descaso a compromissos internacionais, passando por mistificações estatísticas e desprezo a estudos atualizados como tentam mostrar os pareceres contrários, aqueles que não conseguem ser lidos.
Talvez isto não ocorra no interesse das empresas, mas seguramente contribui para tanto.
Este e outros fatos têm motivado ações do Ministério Público Federal contra membros da CTNBio. Recomendamos que a SBPC e a ABC examinem os documentos incorporados àquelas ações, que referem apoios, prêmios recebidos e até análises realizadas por membros da CTNBio, como possíveis indícios de associação entre alguns daqueles avaliadores e os interesses de determinadas empresas.
Convidamos as categorias profissionais representadas na CTNBio a avaliar o comportamento de seus afiliados, naquela Comissão. Que conselhos de ética se debrucem sobre pareceres apresentados por agrônomos, biólogos, geneticistas, farmacêuticos, etc. Perceberão que em grande parte dos casos não são criticados nem aportados elementos adicionais aos pontos elencados pelas empresas, quando do julgamento de suas premissas. Que os conselhos de ética avaliem a possibilidade concreta de que, neste campo de risco, as empresas jamais errem, ou sequer exagerem em suas afirmativas e pretensões.
A CTNBio, como órgão do Estado brasileiro, não está descuidando de suas responsabilidades mais fundamentais, em termos da análise de risco? Podemos mesmo ficar tranquilos com o fato de que todos os estudos prévios, insuficientes no escopo e realizados em canteiros e laboratórios, não estejam sendo monitorados a campo, após a liberação comercial, quando aquelas plantas já ocupam milhões de hectares e os efeitos de escala trazem novos riscos? Podemos ficar tranquilos com estudos nutricionais que não utilizam os produtos colhidos naquelas lavouras, mas sim grãos plantados apenas para os testes, produzidos sem o uso dos venenos aplicados no mundo real?
Respeitar esta CTNBio, desprezando estes detalhes, equivaleria mesmo a respeitar a ciência?
Entendemos que não. A Ciência exige apreciação de informações atualizadas, completas, incorporando aquelas que se contradizem. Como aceitar que a CTNBio segue o princípio da precaução se, diante de dúvidas internacionais sobre o tema, aprova inexoravelmente todos os pedidos de liberação comercial que a ela chegam?
Com base em centenas de publicações referendadas por revistas especializadas de renome internacional, a ciência avisa: não é possível afirmar que estas plantas são seguras para a saúde e o ambiente. Nesta condição, surpreende que ações na direção oposta possam ser apoiadas pelos presidentes da ABC e da SBPC, como se correspondessem ao pensamento das sociedades que representam.
*Agrônomos, pesquisadores e ex-membros da Comissão de Biotecnologia- CTNBIO, do Ministerio de ciencia e tecnologia. E atualmente na coordenaçao do grupo GT Agrotoxicos e Transgenicos da Associação Brasileira de Agroecologia.