Cientistas afirmam que não há provas de que transgênicos não prejudicam o meio ambiente e a saúde
Por Leonardo Melgarejo, Rubens Nodari, Paulo Kkageyama, José Maria Ferraz, Marijane Lisboa, Suzi Cavalli e Antonio Andrioli*
Do Brasil de Fato
Walter Colli, Helena Nader e Jacob Palis Junior – pesquisadores ligados à organizações científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – publicaram na Folha de S. Paulo, em 8 de abril, o artigo “Ciência, Sociedade e a Invasão da CTNBio”, elogioso à uma suposta excelência dos trabalhos da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), e aprovação de organismos geneticamente modificados, embora sem a devida consulta à comunidade científica.
Hugh Lacey, José Corrêa Leite, Marcos Barbosa de Oliveira e Pablo Rubén Mariconda – membros do Grupo de Pesquisa em Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia do Instituto de Estudos Avançados da USP – publicaram, no Jornal da Ciência, o texto “Transgênicos: malefícios, invasões e diálogo”, crítico àqueles posicionamentos.
Posteriormente, Paulo Paes de Andrade, Francisco G. Nóbrega, Flávio Finardi Filho, Walter Colli e Zander Navarro – este último um sociólogo e os demais ex-membros da CTNBio –, buscaram reforçar o artigo original, na nota “Transgênicos: benefícios e diálogo”, utilizado, para tanto, argumentos que merecem reparos.
Desconsiderando observações cabíveis em termos das associações e interesses dos autores deste último artigo, cabem os seguintes comentários:
1 – Os presidentes da SBPC, Helena Nader, e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jacob Palis Junior, criticados pelo fato de, no artigo original, associarem suas percepções individuais às organizações cientificas que dirigem, não mais figuram entre os envolvidos no debate. Em seu lugar, surgem ex-membros da CTNBio notabilizados pelo empenho exercido em favor da aprovação dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), e um sociólogo que desde algum tempo vem ocupando espaços na mídia para enaltecer os benefícios das modernas biotecnologias e do agronegócio.
2 – Os autores negam relação entre o uso de agrotóxicos e transgênicos quando, bem sabem, a quase totalidade destas plantas incorporam transgenes que só servem para protegê-las da aplicação de herbicidas, ou requerem aplicação de inseticidas, já que não apresentam resistência plena às pragas alvo, nem tampouco às demais pragas.
Desprezam também o fato de que nos anos mais recentes a CTNBio só tem aprovado liberações de plantas “piramidadas”, ou seja, que permitem aplicações de diferentes tipos de venenos num só transgênico.
Fingem ignorar, ainda, que o surgimento de plantas resistentes a herbicidas está levando os agricultores a “ampliar a dose” ou “aumentar o número de aplicações”, expandindo o uso daqueles produtos. É no mínimo alarmante que pesquisadores com acesso facilitado a meios de comunicação de massa distorçam fatos de seu conhecimento, saber este acessível a qualquer cidadão que lide minimamente com a realidade agrícola brasileira.
3 – Os mesmos autores exaltam o fato de que a quase totalidade da soja, do milho e do algodão cultivados no país adotem esta tecnologia, mas esquecem que justamente elas são as principais consumidoras de agrotóxicos.
4 – Além disso, os autores “expandem” a área cultivada no país e alteram a proporção ocupada com transgênicos (que afirmam ser 30%, quando infelizmente já alcança 54%) e idealizam os ganhos de produtividade da agricultura (que apontam em 200% quando na realidade são de 43%). E, para finalizar, comparam o crescimento da área cultivada com transgênicos (partindo do zero) com o crescimento do volume de agrotóxicos na agricultura como um todo (como se não houvesse utilização de venenos em períodos anteriores a 2003).
Alunos que cursam estatística básica não ousariam tanto; revistas com conselho editorial não permitiram publicação tão fantasiosa (para detalhes ver crítica de Alan Tygel em brasildefato.com.br/node/31926).
Sugere-se aos leitores, que possivelmente não acompanhem estes temas, forte questionamento com base no conhecimento científico disponível. Interpretações que se confundem com campanhas de marketing e malabarismos numéricos aportadas ao Jornal da Ciência (Publicação da SBPC) sempre estiveram e devem estar sob o crivo dos pares no âmbito da SBPC.
5 – Os autores dão especial atenção à tecnologia Bt, e às características das proteínas inseticidas (na verdade toxinas) embutidas em todas as células vegetais daquelas Plantas Geneticamente Modificadas (PGMs). Comparam estas lavouras com aplicações de lagartas pulverizadas, tratamento biológico usado com êxito há mais de 50 anos no país.
Entretanto, deixam de informar o seguinte: o uso massivo das toxinas presentes nas lavouras Bt está (i) determinando o aumento da frequência ou o surgimento de insetos resistentes, (ii) afetando predadores naturais, (iii) provocando a emergência de pragas secundárias, (iv) obrigando a aplicação de novos inseticidas, e (v) estimulando o uso intensivo daqueles agrotóxicos usados no passado, e que hoje pouco ajudam.
Mais do que isso, a lavoura transgênica está inviabilizando o uso de tecnologia sustentável, praticada pelos agricultores, que controlavam pragas pulverizando inseticidas biológicos como Dipel, mas fazendo isso apenas nos focos de infestação e diante de sérias ameaças de danos econômicos. Nas lavouras Bt isso não ocorre. Elas correspondem a produção e secreção de 5 mil a 15 mil vezes mais toxinas que as naturalmente produzidas no solo, durante o tempo todo de cultivo e por todas as células das plantas Bt, afetando a todos os demais organismos, notadamente os benéficos, em sua volta, independente de presença de lagartas e dispensando avaliações de implicações econômicas.
Obviamente isso afeta comunidades de seres que não são alvo da tecnologia, presentes no solo e na água, com implicações ambientais ainda desconhecidas. Além disso, deve ser considerado que, em menos de uma década estas PGMs do tipo Bt já estão inviabilizando uma tecnologia amigável ao ambiente, que vinha sendo usada com sucesso, ao longo dos últimos 50 anos.
Contradição
É, no mínimo, enganosa a afirmativa de que agricultores que cultivam milho, soja e algodão Bt não precisam usar ou não usem inseticidas. Os fatos, documentados inclusive por distintos órgãos de comunicação indicam que usam sim, porque precisam. E cada vez mais. E também usam herbicidas, porque hoje até estes transgênicos do tipo Bt incorporam transgenes de tolerância a glifosato, glufosinato, 2,4-D, e haloxifope, entre outros.
Portanto, não há qualquer fundamentação científica para a afirmativa de que “as plantas transgênicas no mercado não prejudicam o ambiente ou a saúde humana e animal”.
Também é distorcida a afirmativa de que “bilhões de animais e pessoas se alimentam com produtos formulados a partir de milho, soja, canola e outras plantas transgênicas e nenhum, absolutamente nenhum, problema de saúde foi comprovado”. Não existem estudos de longo prazo nesse sentido, além de que todos os testes são realizados examinando apenas riscos de intoxicação aguda. Nestes 20 anos de consumo de PGMs e seus derivados nenhum estudo relevante desenvolvido para constatar a inocuidade tem base cientifica não questionável. E isto é reconhecido pelos autores do artigo, quando Paulo Paes de Andrade,Francisco G. Nóbrega, Flávio Finardi Filho, Walter Colli, e Zander Navarro afirmam que está em andamento grande teste em campo aberto, onde todos somos ‘cobaias’.
Concordamos com isso, e lamentamos o empenho de alguns, em aprovar o PL 4148/2008, que pretende, literalmente, esconder os transgênicos dos consumidores, impedindo o estabelecimento de relações de causa e efeito entre o que nós, as ‘cobaias’, compramos no supermercado e entre o que elas, as empresas detentoras da tecnologia defendida por aqueles autores, vendem aos agricultores. Com sua aprovação será negado aos brasileiros, com base naqueles falsos argumentos de “segurança comprovada ao consumo”, um direito básico constitucionalmente assegurado aos consumidores: o direito à informação.
Não é surpresa o que está expresso no referido artigo, pois os autores, quando membros da CTNBio sustentaram as mesmas afirmativas, e sempre votaram a favor da liberação comercial destes produtos, em muitos casos contrariando posicionamento de representantes dos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário e de outras representações, como a dos agricultores familiares e a da saúde do trabalhador, que pediam mais estudos e alertavam para os riscos envolvidos.
O exame de pareceres favoráveis a aprovação das PGMs apresentados por muitos dos membros da CTNBio, por si só já é suficiente para rejeitar o argumento de que “os membros da CTNBio empregam uma vasta literatura para apoiar seus pareceres e não apenas os dados trazidos pela empresa”. Não é o que se verifica na prática, pelos menos até este momento! No entanto, a vasta literatura adicional está quase que exclusivamente presente naqueles outros pareceres que pedem a rejeição ou mais estudos, trazendo artigos e publicações científicas que contradizem assertivas dos proponentes da tecnologia.
Por estes e outros motivos, entendemos que, contrariamente ao que Navarro, Andrade, Colli, e Nobrega, apregoam, estão certos Lacey, Correa Leite, Oliveira e Mariconda, em sua preocupação com a incorporação de elementos de natureza ética, aos debates que envolvem a CTNBio, seus componentes e suas deliberações, bem como o estabelecimento de um diálogo no âmbito das sociedades cientificas.
Em outras palavras; somos de opinião que neste caso o preconceito contra a maioria dos membros da CTNBio se faz conceito, é sólido e se justifica, aplicando-se a quem fez e faz por merecer.
*Leonardo Melgarejo, Rubens Nodari, Paulo Kkageyama, José Maria Ferraz, Marijane Lisboa, Suzi Cavalli e Antonio Andrioli, todos os autores são ou foram membros da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)