Políticas públicas: prioridade para alimentos saudáveis

As compras públicas de alimentos melhoram a produção, a organização, a alimentação das famílias dos agricultores e dos estudantes nas escolas.

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Por Najar Tubino
Da Carta Maior

Na última reunião do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), realizada no dia 6 de maio, o secretário de Segurança Alimentar e Nutricional, Arnoldo de Campos, destacou a luta atual no país: vencer a fome e combater a obesidade e o sobrepeso.

“- Estamos vencendo a guerra contra a fome. Nossa população está tendo cada vez mais acesso à alimentação. Mas agora temos outra batalha: promover o acesso a alimentos de qualidade, frescos e com alto teor nutricional. Devemos estimular o consumo e a oferta de produtos saudáveis criando mecanismos de abastecimento e fortalecendo a agricultura familiar por meio de compras governamentais, com ajustes na legislação. Com isso, ao mesmo tempo, vamos diminuir a desnutrição e atacar a obesidade e o sobrepeso”.

O Brasil é um dos países que mais compram alimentos da agricultura familiar, somando as aquisições do Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional da Alimentação Escolar – PNAE. A ONU reconheceu esta iniciativa numa pesquisa do Programa Mundial de Alimentos e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

“- Estas experiências brasileiras têm sido tão bem-sucedidas que têm servido de exemplo para outros países em desenvolvimento. Faltam pesquisas que analisem os impactos e comprovem a eficácia desses programas, o que nos levou a realizar esse estudo”, disse o diretor de excelência contra a fome do Programa Mundial de Alimentos, Daniel Balaban.

Compras da agricultura familiar de dois bilhões

A ONU faz o registro do potencial das compras públicas em cerca de R$2 bilhões, que teoricamente poderiam abastecer a agricultura familiar. Estes dados constam do estudo sobre Mercados Institucionais publicado em 2014 pela Christian Aid em parceria com os movimentos sociais da terra, dos quilombolas, dos indígenas e dos atingidos por barragens. A Agência britânica e irlandesa, que atua em 35 países, registra o número insignificante de quilombolas e indígenas contemplados com os programas de compras públicas – entre 2008 e 2012, 134 projetos que beneficiaram 2.381 indígenas. No caso dos quilombolas 1.652, num total de 128.804 agricultores familiares que em 2012 venderam seus produtos para a CONAB, a empresa estatal que faz a intermediação das compras.

O fato é que os dois programas estão fora do ajuste fiscal. O PAA para a safra 2015/2016 tem uma previsão de adquirir R$1,2 bilhão e a primeira parcela do PNAE para estados e municípios no valor de R$318 milhões foi repassada em março deste ano – ao todo são 10 parcelas, o que contabiliza um repasse demais de três bilhões, valor que tem se mantido nos últimos três anos. Com um ponto de extrema importância: desde 2009, as compras do PNAE na percentagem de 30% tem que ser originária da agricultura familiar. Outro fato evidente até agora: as cooperativas, associações e grupos de agricultores familiares distribuídos pelo país não conseguiram ainda concretizar as vendas nesse volume.

Falta estrutura e organização

O programa é burocrático, envolve a prefeitura local e, principalmente, a nutricionista das escolas da rede pública ou instituições filantrópicas. Elas estão encarregadas de elaborar os cardápios das escolas, para então repassar os pedidos aos responsáveis na prefeitura que então farão a chamada pública. Produtos da agricultura familiar que são perecíveis – frutas, verduras, legumes, na maioria-, mas também alguns processados, como polpa de frutas, açaí, biscoitos caseiros, além de arroz, feijão e mandioca, apenas para citar os mais importantes. Os entraves são claros: falta de estrutura para receber os produtos – uma central de abastecimento -, falta de logística dos agricultores familiares, que muitas vezes precisam entregar os produtos em veículos próprios. A vigilância sanitária municipal exerce as mesmas regras, que regem a grande indústria, para a agricultura familiar, seja indígena ou quilombola.

Em Oriximiná, a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombolas (ARQMO), não consegue vender açaí, biscoito de castanha e farinha de tapioca, porque não passa pelo controle da vigilância sanitária local. Os exemplos estão espalhados pelo Brasil. Li trabalhos de avaliação das compras públicas em vários estados, de Santa Catarina, Paraná, Pará, Mato Grosso do Sul, Paraíba que tratam do mesmo problema.

Estamos quebrando fronteiras

Mas todos ressaltam a importância e a mudança que as compras públicas incentivaram para os agricultores familiares. Melhora a produção, o planejamento, a organização, a alimentação da própria família, além da comida oferecida aos estudantes de muito melhor qualidade. Algumas pesquisas registram o depoimento das merendeiras atestando a aceitação dos pratos e também o fato dos estudantes consumirem frutas, verduras e legumes, que em casa não têm condições ou costume consumir.

A segunda novidade que temos neste quesito da produção da agricultura familiar é o lançamento do Plano Nacional de Defesa Agropecuária, lançado pela presidenta Dilma Rousseff no dia 6 de maio.

“- São mais de 50 ações voltadas à agropecuária – modernização, desburocratização, marco regulatório, suporte estratégico e sustentabilidade da Defesa Agropecuária – além de metas de qualidade e avaliação periódica. Queremos um padrão eficiente, único e nacional de fiscalização. Com isso estamos quebrando fronteiras que só existem pela complicação e não pela simplificação dos processos. Essa quebra de fronteiras dentro de nosso país foi erguida por essa certificação cartorial. Agora nós vamos abrir o Brasil inteiro aos nossos produtores, em especial às agroindústrias, para os grandes, as pequenas, as de base familiar e para as cooperativas”, disse a presidenta.

Mudanças nas regras sanitárias

A grande mudança: um produto reconhecido e identificado pela Secretaria de Agricultura de um estado poderá circular pelo país, coisa que é impossível de fazer sem o registro do Serviço de Inspeção Federal e das regras criadas para este objetivo. Por isso, o queijo de Minas só circula em Minas Gerais, em função da maneira como é produzido e que está na sua fórmula original. O governo federal prioriza a produção de alimentos locais e regionais e, principalmente, de produtos agroecológicos.

Onde esta mensagem está mais clara: nas metas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que trata dos projetos dos assentados, quilombolas, indígenas e ribeirinhos. Mas também no Ministério da Saúde, que este ano lançou a segunda edição do Guia Alimentar da população Brasileira, com explicações didáticas sobre os alimentos, pratos regionais, desde o café da manhã até o jantar.

“- O Brasil vem enfrentando aumento expressivo do sobrepeso e da obesidade em todas as faixas etárias e as doenças crônicas são a principal causa de morte entre adultos. O excesso de peso acomete um em cada dois adultos e uma em cada três crianças brasileiras”, registra o Guia Alimentar – segunda edição.

Em 2006, 42,7% dos adultos brasileiros estavam com sobrepeso, em 2011 o índice aumentou para 48,5% e em 2014 chegou a 52,5%, conforme pesquisa do Ministério da Saúde – Vigitel -, realizada com mais de 40 mil pessoas. Os adultos com menor escolaridade apresentam um índice de sobrepeso maior – 58,9%. Pior: na faixa etária de 5 a 9 anos o percentual de excesso de peso chega a 33,5%.

Alimentos ultraprocessados incentivam o agronegócio

Claro que o Guia ressalta a alimentação saudável, sem processados ou ultraprocessados, feitos a base de soja, milho ou xarope.

“ – A demanda por açúcar, óleos vegetais e outras matérias primas comuns na fabricação de alimentos ultraprocessados estimula monoculturas dependentes de agrotóxicos e uso intensivo de fertilizantes químicos e de água em detrimento da diversificação da agricultura. A consequência comum é a degradação e a poluição do ambiente, a redução da biodiversidade e outros recursos naturais e o comprometimento das reservas de água, de energia e de muitos outros recursos naturais”.

A pesquisa constatou, embora a publicidade alardeie o contrário, que 2/3 dos brasileiros ainda consomem alimentos in natura ou minimamente processados, sendo que o tradicional arroz com feijão ainda está presente em quase 25% da alimentação. Alimentos processados e ultraprocessados fornecem mais calorias – pães e sanduíches, bolos industriais, guloseimas, refrigerantes, salgadinhos de pacote, bebidas lácteas, salsichas e outros embutidos.

Casas de sementes para a soberania alimentar

É evidente que a agroecologia é fundamental para a produção de alimentos no Brasil. Para isso, o MDS tem desenvolvido ações no semiárido de extrema importância. A última delas foi o lançamento do programa Casas de Sementes, que organizará os bancos de sementes de comunidades do semiárido nos nove estados e no norte de Minas Gerais, envolvendo 12.800 famílias. O programa conta com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Social – BNDES – e será executado por organizações sociais da ASA – Articulação no Semiárido Brasileiro.

“- Temos uma diversidade muito grande de sementes. E as pessoas tem uma relação afetiva com as sementes. A semente está associada à comida, mexe com muita coisa e envolve pessoas. As sementes já estão estocadas pelas famílias e estamos ampliando a ideia do estoque comunitário e de como as sementes podem servir o entorno”, comenta Antonio Barbosa, da ASA.

Falta lançar o PRONARA

Além da multiplicação, haverá teste para detectar a contaminação por transgênicos em 24 locais de referência, inclui 10 municípios em cada território. A alimentação saudável da população brasileira está diretamente ligada a sobrevivências das sementes nativas, também chamadas de Sementes da Vida, no Ceará, Sementes da Fartura, no Piauí, Sementes da Liberdade, em Sergipe, Sementes do Meu Avô, na Bahia, Sementes da Paixão, na Paraíba, Sementes da Gente, em Minas e Sementes Crioulas, em Pernambuco e Rio Grande do Norte, assim como no sul do país.

A segunda ação importante de política pública é o projeto de construção de cisternas nas escolas rurais do semiárido, onde vivem oito milhões de pessoas. Na Região do Sertão do rio São Francisco o índice da população rural é de 36,71%. A ASA e sua rede de organizações já estão envolvidas na construção de 2.500 cisternas em 2015 – são 30 organizações da sociedade civil que participaram dos editais. Em 2016, serão mais 2.500. A ASA já construiu quase 600 mil cisternas de consumo humano, sem contar outras iniciativas estaduais e municipais, que ampliam este número para um milhão de cisternas. 

Também a luta pela produção de alimentos saudáveis necessita de mais um passo do governo federal, que é o lançamento do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos – PRONARA. O projeto está pronto, já foi discutido com os movimentos sociais e espera a iniciativa da presidenta Dilma Rousseff. Seguramente produzir alimentos sem venenos é fundamental para a população brasileira, que até agora não tem nem sequer informações sobre a quantidade de resíduo que consome diariamente.