Feijão transgênico liberado há dois anos está em “banho-maria”
Do IHU Online
O feijão transgênico Embrapa 5.1, liberado no Brasil pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio em 2011, está em “‘banho-maria’, pois apareceram vários problemas, os quais já tinham sido apontados pelos avaliadores mais críticos, que são chamados de ‘pessoas retrógradas que impedem o progresso da ciência’, quando na fase destas liberações”, informa José Maria Guzman Ferraz, em entrevista.
“O caso do feijão é emblemático para ressaltar a irresponsabilidade de liberações comerciais sem o devido cuidado e sem observações mínimas do princípio da precaução, colocando em risco a saúde da população e o meio ambiente”, afirma o agrônomo.
De acordo com o agrônomo, embora tenha sido liberado, o feijão transgênico não foi plantado comercialmente, “porque na fase de multiplicação de sementes ele apresentou problemas que levaram à paralisação da produção”. Ferraz lembra que, à época da liberação, os pareceres contrários “recomendavam maiores estudos e apontavam todas estas possibilidades, agora relatadas, mas que foram desconsideradas, e na votação venceu a imprudência e o descaso com a saúde pública”.
José Maria Guzman Ferraz comenta ainda que o “exemplo mais famoso” de culturas transgênicas aprovadas e depois retiradas do mercado é o do “tomate Flavr/Savr, geneticamente modificado para desacelerar seu processo de amadurecimento e, assim, impedi-lo de amolecimento, que revelou ser altamente instável na planta e foi retirado do mercado”. Segundo ele, “a forma apressada como são conduzidos os ensaios e forçadas as liberações comerciais antes de estarem muito bem fundamentadas cientificamente colocam em risco não só a população, mas a própria credibilidade na tecnologia”.
Futuramente, a Embrapa pretende comercializar uma variedade transgênica de alface com a justificativa de que o produto aumentará a quantidade de nutrientes para suprir a carência nutricional de ácido fólico na alimentação. A proposta, avalia o agrônomo, “é interessante, mas imagine se tivermos que produzir um transgênico para cada necessidade de nutriente”. Ele lembra que “existem diversos alimentos, como o espinafre e os brócolis, que já estão na natureza e possuem os nutrientes necessários para suprir o acido fólico, além de algumas plantas, consideradas ‘plantas invasoras’, conhecidas como plantas alimentícias não convencionais – PANC, que crescem espontaneamente no meio de outras lavouras e são ricas em ácido fólico”.
José Maria Gusman Ferraz é mestre em Agronomia pela Universidade de São Paulo – USP e doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Cursou pós-doutorado em Agroecologia pela Universidade de Córdoba – UCO, Espanha. Atualmente é professor do curso de mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da UFSCar e professor convidado da Universidade Estadual de Campinas.
Confira a entrevista:
Em que consistem as plantas transgênicas?
Quase 100% das plantas transgênicas liberadas no mundo todo foram geneticamente modificadas para sintetizar uma proteína com propriedades inseticidas e/ou responsável pela tolerância da planta a determinado herbicida; é inserido na planta, através da tecnologia de engenharia genética, o DNA (acido desoxirribonucleico) de organismos doadores, que vão se incorporar na planta e passam a produzir as características desejadas, por exemplo, a tolerância ao herbicida.
No caso do feijão Embrapa 5.1, a planta foi geneticamente modificada para sintetizar uma molécula de RNA (dsRNA) (ácido ribonucleico), responsável, nesse caso, por fenômenos de silenciamento de genes. Essa molécula de material genético será em seguida quebrada e transformada em pequenos RNAs (siRNA), pela maquinaria molecular da célula da planta, que irá interferir com genes do vírus, impedindo sua multiplicação. A proposta é de que eles vão agir, portanto, no silenciamento dos genes dos vírus que infectam a planta, não permitindo que se multipliquem.
Mas estas moléculas de RNA (siRNA) podem ser absorvidas por outros organismos, inclusive o homem, via intradérmica, oral ou por inalação, e podem circular no organismo e interferir na expressão dos genes. Recentemente, uma pesquisa identificou moléculas destes RNAs (miRNA) de plantas na corrente sanguínea de mamíferos que comeram plantas com estes RNAs, e foi observada alteração na expressão de gene no fígado de ratos. Provavelmente este foi o fator que causou alteração no fígado de ratos, na avaliação do feijão transgênico da Embrapa, e que não foi considerado em sua liberação, embora tenha sido alertado pelo avaliador quanto à exigência de mais estudos. Portanto apresentam riscos que devem ser avaliados com muito cuidado.
Qual é a atual situação do feijão transgênico da Embrapa?
O feijão transgênico está em “banho-maria”, pois apareceram vários problemas, os quais já tinham sido apontados pelos avaliadores mais críticos, que são chamados de “pessoas retrógradas que impedem o progresso da ciência”, quando na fase destas liberações. A forma como têm sido feitos e liberados estes transgênicos se caracteriza como uma tecnociência que não respeita os mínimos preceitos do princípio da precaução, numa clara fé sem críticas a esta tecnologia.
O exemplo mais famoso desses eventos retirados do mercado diz respeito ao tomate Flavr/Savr, geneticamente modificado para desacelerar seu processo de amadurecimento e, assim, impedi-lo de amolecimento, que revelou ser altamente instável na planta e foi retirado do mercado.
Quando e por quais razões a Embrapa passou a recomendar a paralisação do plantio de feijão transgênico (feijão 5.1), menos de três anos depois da aprovação da comercialização desse tipo de feijão? A que atribui essa mudança de postura em relação ao feijão transgênico?
A Embrapa alega, para a não liberação do feijão transgênico, um fato que gerou inclusive uma nota técnica da empresa alertando que outra doença do feijoeiro seria mascarada pelo feijão transgênico, que é a infecção pelo vírus Carlavirus, também transmitido pela mosca-branca. Portanto, volta-se à necessidade de controlar o transmissor de ambos, que é a mosca-branca. Este “mascaramento” pode ser, na verdade, uma consequência do próprio processo de transgenia que aumentaria a eficácia deste outro vírus. A Embrapa volta a recomendar o controle da mosca-branca com controle químico e manejo da cultura, como era feito anteriormente.
Mas, além desse fato, acreditamos que a alta instabilidade do feijão transgênico seja um outro grande problema, ou seja, ele pode perder a característica de resistir ao vírus do mosaico dourado – VMDF após algumas gerações.
Outro fato alertado na avaliação antes da liberação comercial é que vários trabalhos internacionais apontam para a possibilidade muito forte de efeitos tóxicos e genotóxicos em células de mamíferos alimentados com plantas que foram produzidas por esta tecnologia. Esses efeitos resultaram em sintomas não explicados, no caso do feijão da Embrapa, em aumento do peso do fígado e diminuição do peso dos rins nos ratos testados. Todos esses fatores podem ter pesado para a não liberação comercial do feijão.
“Este “mascaramento” pode ser uma consequência do próprio processo de transgenia que aumentaria a eficácia deste outro vírus”
O feijão transgênico não chegou a ser comercializado?
O feijão não foi plantado comercialmente, porque na fase de multiplicação de sementes ele apresentou problemas que levaram à paralisação da produção.
Em que regiões do Brasil o feijão transgênico foi cultivado a fim de serem realizados os testes?
Na fase de testes, antes da aprovação comercial, ele foi plantado em várias regiões, apresentando resultados diferentes, justamente em função da instabilidade do modelo de transgenia usado na sua construção e em função dos diferentes ambientes. Fatos que foram alertados no processo de avaliação da liberação comercial.
O feijão e o feijão transgênico foram infectados pelo vírus do mosaico dourado? Em que consiste esse vírus e como se dá a contaminação?
O vírus do mosaico dourado é uma doença causada pelo vírus de mesmo nome, que acomete o feijoeiro e várias outras culturas, causando amarelecimento e morte das folhas das plantas pela multiplicação acelerada do vírus no tecido vegetal, resultando na perda considerável da produtividade. O vírus da doença do feijoeiro é transmitido pelo inseto Bemisia tabaci, conhecido como mosca-branca, portanto deve-se controlar a mosca para evitar a transmissão da doença.
O controle da mosca e, consequentemente, da doença torna-se difícil quando a cultura do feijão é produzida em enormes monocultivos de feijão e plantios sucessivos, ou com outras culturas que também são atacadas pelo vírus.
Com a sugestão de que o feijão transgênico não seja comercializado, há como distinguir entre o plantio de feijão e o de feijão transgênico? Mesmo com o alerta da Embrapa, o feijão transgênico poderá ser plantado?
A aparência do feijão transgênico e do convencional é a mesma. Caso seja comercializado um dia, não tem como distinguir visualmente, a não ser através de testes bioquímicos.
E como o feijão é vendido a granel em muitas localidades, seria impossível detectar, mesmo o empacotado, a não ser que seja revogada a lei de não necessidade de rotulagem, que tramita agora no Congresso. E as consequências sobre a saúde não poderiam ser estabelecidas, pois não seria possível rastrear e estabelecer a relação causa-efeito. Este, inclusive, é um dos motivos de esta legislação estar sendo implementada.
Á época da liberação do feijão transgênico, a CTNBio divulgou um parecer afirmando que “o feijão Embrapa 5.1 é substancialmente equivalente ao feijão convencional, sendo seu consumo seguro para a saúde humana e animal. No tocante ao meio ambiente, concluiu a CTNBio que o cultivo do feijão Embrapa 5.1 não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, guardando com a biota relação idêntica à do feijão convencional (Parecer Técnico nº 3024/2011)”. Era possível vislumbrar possíveis impactos e complicações em relação a esse feijão na ocasião da aprovação da sua comercialização, em 2011?
Sim. Os pareceres contrários à liberação, que recomendavam maiores estudos, apontavam todas estas possibilidades, agora relatadas, mas que foram desconsideradas, e na votação venceu a imprudência e o descaso com a saúde pública.
Outro ponto defendido pelos técnicos da Embrapa na ocasião da liberação do feijão transgênico foi o de que ele poderia ser consumido pela população sem danos ao organismo. Há novas informações e estudos sobre possíveis danos à saúde dos consumidores?
Meu parecer colocava em destaque que o feijão da Embrapa tinha levado ao aumento do peso do fígado e à diminuição do peso dos rins nos ratos testados, pelos dados apresentados pela própria empresa.
Que novos estudos estão sendo feitos com o feijão transgênico?
O passo seguinte seria introduzir o gene de resistência a herbicida no feijão, mas como a tecnologia apresenta problemas, isto está seguramente em avaliação.
“Acreditamos que outro grande problema seja o fato da alta instabilidade do feijão transgênico, ou seja, ele pode perder a característica de resistir ao vírus do mosaico dourado”
Há notícias de que futuramente a Embrapa quer comercializar alface transgênico. O senhor tem informações sobre esse assunto? Quais são os argumentos para se produzir alface geneticamente modificada? Tem informações sobre os estudos nessa área?
A Embrapa está com estudos aprovados pela CTNBio de uma variedade transgênica de alface, que segundo a empresa tem previsão de chegar ao mercado em 2021, com proposta de biofortificação, ou seja, aumento de determinados nutrientes.
A proposta é de suprir a carência nutricional de ácido fólico na alimentação. A vitamina tem a função de, entre outras coisas, evitar doenças relacionadas à malformação do tubo neural no período da gestação, evitando problemas como malformações cerebrais, espinha bífida, que resulta da formação incompleta da medula espinhal, e lábio leporino, em que a criança nasce com uma abertura no lábio.
A proposta é interessante, mas imagine se tivermos que produzir um transgênico para cada necessidade de nutriente. Existem diversos alimentos, como o espinafre e os brócolis, que já estão na natureza e possuem os nutrientes necessários para suprir o acido fólico, além de algumas plantas, consideradas “plantas invasoras”, conhecidas como plantas alimentícias não convencionais – PANC, que crescem espontaneamente no meio de outras lavouras e são ricas em ácido fólico e em outros nutrientes, que estão adaptadas às diferentes regiões, não precisam de cuidados específicos durante o plantio, não criam dependência tecnológica e não envolvem riscos desconhecidos.
Deseja acrescentar algo?
José Maria Guzman Ferraz – O caso do feijão é emblemático para ressaltar a irresponsabilidade de liberações comerciais sem o devido cuidado e sem observações mínimas do princípio da precaução, colocando em risco a saúde da população e o meio ambiente.
A forma apressada como são conduzidos os ensaios e forçadas as liberações comerciais antes de estarem muito bem fundamentadas cientificamente colocam em risco não só a população, mas a própria credibilidade na tecnologia. Em muitos casos, essa pressa não é necessária, pois se está agindo no efeito e não na causa do desequilíbrio que leva a estes surtos de pragas e doenças.
Neste caso específico, o risco decorrente desta tecnologia que gerou o feijão Embrapa 5.1 não é necessário. O que causa esta alta incidência da doença é o “modelo de produção dominante, pois o inseto vetor, neste caso a mosca-branca, é que está fora de controle, seja pelo monocultivo em grande escala, com redução exacerbada da biodiversidade, seja pelo cultivo sequencial de várias culturas também em monocultivo, que abrigam o inseto vetor, aliado ao fato da resistência da mosca, aos inseticidas utilizados no seu controle”.
A própria Embrapa tem trabalhos que estão inclusive divulgados em Boletim Técnico relatando o dia de campo da Embrapa, divulgado em 17/01/2011, onde em um cultivo orgânico sem o uso de agrotóxicos, a incidência da virose foi imperceptível e com uma produtividade de 2,4 t/ha; este plantio, no mesmo local, se repete a oito anos consecutivos. Portanto o manejo adequado é possível e é viável segundo pesquisas da própria Embrapa, sem necessidades de expor a risco a saúde da população.
As coisas podem ser resolvidas com medidas simples e sem causar dependência de tecnologias caras e com alto grau de risco.