“A maioria dos médicos não se preocupa com o povo da periferia e do campo”
Por Vinicius Denadai
Do Brasil de Fato
“Não via a hora de começar a trabalhar. É difícil estudar sete anos longe de casa, voltar para o seu país e ter que esperar todo esse tempo pra poder ajudar o povo de onde você saiu”, afirmou o paranaense Everton Walczak.
A expectativa que perdurou cerca de nove meses se dissipou no dia 4 de maio, data de divulgação do edital do governo federal para o Mais Médicos, que selecionou 387 médicos brasileiros formados no exterior.
Na lista dos selecionados, três tem um elemento de suas histórias de vida em comum: são atingidos por barragem. Além de Everton, Michele Christmann, Cristian Tenutti se formaram em medicina na 10ª turma do “Exército de Jalecos Brancos”, em julho de 2014, após sete anos de estudos na Universidade de Ciências Médicas de La Habana, em Cuba.
Saúde seletiva
Atualmente, o Brasil possui cerca de 400 mil médicos. A maioria está concentrada na região sul e sudeste, atendendo preferencialmente em clínicas particulares. Segundo o Ministério da Saúde, o país tem um déficit de 160 mil médicos. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a média brasileira de médicos por cada mil habitantes é de 1,8. Em comparação, Cuba possui 6,7 e é o país com mais médicos por habitantes do mundo.
O Programa “Mais Médicos” surgiu para equacionar a falta de profissionais, que afeta principalmente as regiões mais distantes dos grandes centros urbanos. “O programa leva médicos pra onde ninguém quer trabalhar, para locais precários e de difícil acesso, onde a população realmente precisa”, explicou Everton.
Uma dessas regiões está localizada em Roraima, onde Everton passará seus próximos dois anos. A partir do dia 6 de julho, o Distrito Sanitário Especial Indígena Leste receberá ele e mais três profissionais pelo Mais Médicos.
Nascido na cidade de Honório Serpa, no sudoeste do Paraná, e ameaçado pela Pequena Central Hidrelétrica Cachoeirinha, o novo destino não será problema para Everton. “Militei desde jovem no Movimento dos Atingidos por Barragens, onde uma das premissas básicas é estar próximo do povo”, recordou.
O recém-formado ressalta que a maioria dos médicos que se forma no Brasil não quer ir para cidades do interior ou reservas indígenas e preferem ficar ao redor ou nas grandes capitais. “A maioria dos médicos não se preocupa com o povo da periferia das cidades ou com o povo afastado do campo, muito menos com as áreas indígenas. Esse programa veio para levar saúde de qualidade para esses locais aonde ninguém quer ir”, sentenciou.
Segundo a pesquisa, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de cada cem formados em medicina no Brasil, apenas cinco desejam trabalhar em pequenas cidades e somente um quinto dos recém-formados almeja atuar em clínica geral, como nos programas de saúde da família.
Elite dos jalecos
Os médicos formados no Brasil são pertencentes a uma elite muito distante da realidade brasileira. Isso é o que aponta uma pesquisa realizada pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo).
Se você é mulher, jovem e branca, vive com seus pais, nunca trabalhou, sempre estudou em escola privada e fez ao menos dois anos de cursinho para entrar na faculdade, além de ter pais com ensino superior e que ganham acima de dez salários mínimos, você compõe o perfil do seleto grupo dos recém-formados médicos em medicina no Estado de São Paulo, segundo dados do Cremesp extraídos do exame obrigatório para quem deseja atuar no Estado.
Mais Médicos
Os médicos brasileiros com formação no exterior passarão por um período de acolhimento com duração de três semanas em Brasília, entre os dias 5 e 26 de junho. Participarão do programa apenas os profissionais que forem aprovados em avaliação feita durante essa fase.
Até 2014, 14.462 médicos foram enviados para 3.785 municípios, beneficiando 50 milhões de pessoas. Com a ocupação das 4.146 vagas apontadas pelos municípios desse novo edital, o governo federal garantirá em 2015 a permanência de 18.247 médicos nas unidades básicas de saúde de todo o País, levando assistência para aproximadamente 63 milhões de pessoas. Serão 4.058 municípios beneficiados, 72,8% de todas as cidades do Brasil, além dos 34 distritos indígenas.
O Programa Mais Médicos também prevê investimento na infraestrutura e formação profissional. São R$ 5,6 bilhões para o financiamento de construções, ampliações e reformas de 26 mil UBS e R$ 1,9 bilhão para construções e ampliações de 943 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
Em relação à expansão e reestruturação da formação médica, está prevista a criação, até 2017, de 11,5 mil novas vagas de graduação em medicina e 12,4 mil vagas de residência médica para formação de especialistas até 2018, com o foco nas áreas prioritárias para o SUS.