Apesar de seca brava no nordeste, Brasil não se manifesta sobre aquecimento global
Por Washington Novaes*
Daa Envolverde
É inquietante. Ao mesmo tempo que o governo brasileiro mantém posições tímidas e insuficientes nas negociações globais sobre o clima para um novo acordo este ano, internamente também se sucedem críticas sobre iniciativas para enfrentar as graves questões no nosso território. Uma das últimas dá conta de que a barragem de Sobradinho, no Rio São Francisco, poderá ter de recorrer ao “volume morto” para abastecer parte da população do Nordeste (Estado, 17/5) – cenário que a Agência Nacional de Águas considera “de extrema gravidade”.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já comunicou ao Ibama que é preciso reduzir a vazão na barragem, senão o volume útil pode chegar a zero em setembro. Segundo a Chesf, a estiagem é a pior em 84 anos. Em Alagoas, mais de 100 mil pessoas já estão sendo socorridas para o abastecimento doméstico; no Ceará, agricultores perderam de 80% a 90% das safras de milho e feijão (remabrasil, 6/5), inclusive porque tiveram de abrir porteiras para o gado se alimentar.
A situação só não é ainda mais grave porque nos últimos anos se construíram no Nordeste mais de 823 mil cisternas de placa – ação de governos com a participação de empresas –, capazes de armazenar, cada uma, água de chuva captada nos telhados das casas e suficiente para fornecer 20 litros diários a cada pessoa durante toda a estiagem.
Também foram implantados 104 mil projetos com tecnologias rurais adequadas (barragens subterrâneas e outras). Neste momento, pode-se imaginar o que seria a vida de muitos milhões de pessoas em algumas áreas do Semiárido que estão no quarto ano seguido de seca muito grave (Folha de S.Paulo, 31/5).
Não há dúvida de que a situação vai complicar-se em 1,26 milhão de quilômetros quadrados de 1.440 municípios de 8 Estados nordestinos e do norte de Minas Gerais, que, segundo a Embrapa (remabrasil, 28/5), já mostram algum nível de desertificação. O processo de degradação do solo é muito forte, juntamente com a perda da cobertura vegetal, da biodiversidade e da capacidade de produção da agropecuária. Já há quatro anos a empresa, em relatório para a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO-ONU), mostrava que 25% dos recursos dos solos estavam degradados, 8% em nível moderadamente degradado, 36% estáveis ou levemente degradados e apenas 10% em recuperação. Também muito preocupante é saber que nas áreas em desertificação é maior que a média nacional a presença de “pobres e indigentes”. E a população geral em toda a área problemática do Semiárido é de 31,66 milhões de pessoas. Na verdade, Caatinga e Cerrado têm 85% dos pobres no País (Eco 21, abril de 2015).
Diz o senador Fernando Bezerra Coelho, presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional (remabrasil, 28/5), que o desmatamento recente na Caatinga e no Cerrado equivale a uma área como a de Portugal (92 mil km2); metade dos territórios afetados está em “processo acentuado e severo de desertificação”. No Ceará, todos os 184 municípios estão atingidos; no Rio Grande do Norte, na Paraíba e no Piauí, 90% dos territórios – e basta lembrar que 43% do território do Semiárido está em áreas de solo muito frágil. Mas nas áreas rurais são muito comuns o desmatamento, a extração excessiva de produtos florestais, as queimadas, o uso intensivo do solo.
O Brasil é um dos 192 países signatários da Convenção da ONU sobre Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. Mas pouco tem avançado nos 16% de seu território em áreas críticas de 27% dos municípios, embora tenha programas específicos no Ministério do Meio Ambiente, como o do fogão ecológico, que permite reduzir o consumo de lenha. Mas a reforma agrária e a assistência a 120 mil famílias acampadas praticamente não avançaram em 2014, com os cortes orçamentários – o Ministério do Desenvolvimento Agrário perdeu quase metade das dotações a ele destinadas – ficou com R$ 1,8 bilhão, ante R$ 1,35 trilhão destinado ao pagamento de juros da dívida governamental, segundo as críticas (amazonia.org, 29/5).
Problema na área que tem merecido pouca atenção e foi destacado em páginas recentes por este jornal (31/5) é o uso de lenha em fogões – que, além de desmatamento, é a causa de quase 50% das 49 mil mortes de pessoas por poluição interna nos 7 milhões de casas brasileiras que usam esse combustível. O nível dessa poluição interna, diz o texto de Fernando Scheller, é oito vezes maior que o da cidade de São Paulo. Mas não é problema só brasileiro. A Organização Mundial da Saúde aflige-se, já que 3 bilhões de pessoas no mundo queimam combustíveis dentro de casa para gerar energia – e isso leva a 6 milhões de mortes por ano.
Em algum momento todas as pessoas, em todos os lugares, não terão como fugir à discussão – e suas consequências políticas – sobre a poluição no uso de combustíveis e os incentivos que lhes são destinados. A última avaliação do Fundo Monetário Internacional – segundo o site Corporate Knights (18/5) – é de que nada menos de US$ 5,3 trilhões, ou R$ 17,5 trilhões (6,5% do produto global anual), são destinados a cada ano a esses subsídios. Ou seja, US$ 10 milhões por minuto. É mais do que todos os governos do mundo aplicam em programas de saúde.
O consultor britânico sir Nicholas Stern lembra que se esses subsídios fossem eliminados se conseguiria, automaticamente, reduzir em 20% a poluição da atmosfera planetária por dióxido de carbono. A China é quem mais subsidia o uso dos combustíveis fósseis, com US$ 2,3 trilhões anuais, seguida de Estados Unidos (US$ 700 bilhões), Rússia (US$ 335 bilhões), Índia (US$ 277 bilhões) e Japão (US$ 157 bilhões). A União Europeia aplica US$ 330 bilhões/ano. Sem os subsídios seria possível reduzir o número de pessoas que a cada ano morrem por causa dessa poluição.
Que faremos por aqui?
*Washington Novaes é jornalista