Chega ao fim o 4° Congresso da Comissão Pastoral da Terra
Da CPT
Chegou ao fim, na tarde da última sexta-feira (17), o IV Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), realizado em Porto Velho, Rondônia.
Desde o último dia 12, cerca de mil pessoas, entre camponeses, indígenas, quilombolas, trabalhadores e trabalhadoras rurais de todo o Brasil, agentes pastorais, colaboradores de CPT, padres e bispos, estiveram reunidos no Congresso que celebra os 40 anos da Pastoral.
A partir de intensos debates, os participantes puderam refletir sobre os principais desafios enfrentados pelas populações do campo na atual conjuntura e partilharam diversas experiências de memória, rebeldia e esperança postas em prática pelas comunidades. Para a CPT, o momento foi de escuta. É no Congresso que as diversas populações do campo de todo o país, reunidas, apontam as estratégias e propostas que irão orientar as ações da CPT para os próximos quatro anos.
Em sua plenária de encerramento, os participantes aprovaram a Carta Final do IV Congresso da CPT. O documento é fruto deste conjunto de reflexões, debates e propostas feitas pelos camponeses e camponesas, trabalhadores e trabalhadoras rurais que serão as luzes para a CPT no seu serviço às causas dos Pobres da Terra até o próximo Congresso, previsto para ocorrer em 2020.
Abaixo, confira a carta na íntegra:
Faz Escuro, mas Cantamos
Nós, 820 camponesas e camponeses, indígenas e agentes da CPT, bispos católicos e da Igreja Ortodoxa Grega, pastores e pastoras, rezadores e rezadeiras, vindos de todos os recantos do Brasil, convocados pela memória subversiva do Evangelho e pelo testemunho dos nossos mártires, pela presença dos Orixás, dos Encantados e Encantadas, nos reunimos para o IV Congresso da Comissão Pastoral da Terra, em Porto Velho-RO, de 12 a 17 de julho de 2015. Foram dias de um intenso processo de escuta, debate e busca de consensos e desafios em sete tendas, que receberam nomes de sete rios de Rondônia. Ao final destes dias, queremos fazer chegar esta mensagem a vocês, povos do campo e da cidade, como um apelo e um chamado.
Faz escuro, mas eu canto! Há 40 anos, a CPT, num tempo de escuridão, em plena ditadura militar, foi criada atendendo ao apelo de povos e comunidades do campo, de modo particular da Amazônia, envolvidas em conflitos e submetidas a diversas formas de violência. Hoje, voltando de onde nascemos e fazendo memória destes 40 anos, vemos que foram anos de rebeldia e fidelidade ao Deus dos pobres, à terra de Deus e aos pobres da terra, condição da nossa esperança. Vemos também que as comunidades vivem uma realidade mais complexa do que a do tempo da fundação da CPT, pois camuflada por discursos os mais variados de desenvolvimento e progresso, que, porém, trazem consigo uma carga de violência igual ou pior à de 40 anos atrás. Hoje, tem-se consciência de que pelo avanço voraz do capitalismo é o destino da própria humanidade e da própria vida que está em jogo. O mercado nacional e transnacional encontra suporte nas estruturas do Estado que se rendeu e vendeu aos interesses das elites e do capital.
Com a autoridade e humildade de quem vive as dores e alegrias da vida do povo, neste Congresso compartilhamos experiências que trouxeram a Memória de fatos e pessoas muito significativas na história das comunidades do campo e da própria CPT; experiências de Rebeldia que nos mostram a indignação diante das injustiças e da violência e experiências de Esperança, que apontam para caminhos que levem a uma realidade mais justa.
Quanta história temos para contar! De gente e de lugares, de derrotas e vitórias. … E nossos mortos – homens e mulheres. Fazemos memória para unir passado e presente. Não para repetir! Mas para radicalizar, voltar às raízes do amor pela terra e pelos povos da terra.
Na nossa luta a CPT interagia de corpo e alma com a gente desde o começo, na ocupação e no despejo. Despejo não é derrota. A gente dá dois passos pra trás e três pra frente.
Rememorar lutas e resistências alimenta nossa indignação e rebeldia. É justo rebelar-se, é legítimo e urgente. Porque a violência e a destruição não são parte do passado, mas são vividas em todos os cantos do país, com muitas caras e a mesma cumplicidade das autoridades que deveriam zelar pelo bem do povo. Estas enrolam, cansam e esgotam as comunidades. A rebeldia vai brotando aos poucos, nasce da realidade de opressão que interpela a consciência. É igual às sementes das plantas do Cerrado, que precisam passar pelo fogo ou pelo estômago dos animais para quebrar sua dormência e assim germinar. Nem sempre é um processo racional. Muitas vezes é um processo festivo de construção de símbolos. Continua a convicção que nosso projeto de vida vai ser “na lei ou na marra”.
Se com a memória alimentamos nossa rebeldia… com o que damos vida à nossa esperança?
Essa esperança vai nas nossas mãos. Em uma, a luta e a organização – diária e rebelde – na outra, a fé e a paixão – diária e rebelde. De um lado resistimos ao sistema de morte com luta. Do outro descobrimos que conquistar terra e território e permanecer neles não é suficiente. O desafio é construir novas pessoas e novas relações interpessoais, familiares, de gênero, geração, sociais, econômicas, políticas entre espiritualidades e religiões diferentes e com a própria natureza.
Com as mãos cheias de esperança convocamos os povos originários e o campesinato em suas mais diversas expressões: quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais, ribeirinhos, retireiros, geraizeiros, vazanteiros, camponeses de fecho e fundo de pasto, extrativistas, seringueiros, castanheiros, barranqueiros, faxinalenses, pantaneiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, assentados, acampados, peões e assalariados, sem-terra, junto com favelados e sem teto, para fortalecer estratégias de aliança e de mobilizações unitárias.
Convocamos também igrejas, instituições e organizações para reassumirmos um processo urgente de MOBILIZAÇÃO REBELDE E UNITÁRIA pela vida, que inclua a defesa do planeta TERRA, nossa casa comum, suas águas e sua biodiversidade.
Com o Papa Francisco reafirmamos que queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, na nossa realidade mais próxima, uma mudança estrutural que toque também o mundo inteiro.
Se no passado a escuridão não nos calou, mas acendeu em nós a esperançosa rebeldia profética, hoje também ela nos impulsiona a continuar a luta ao lado dos povos e comunidades do campo, das águas e das florestas, em busca de uma terra sem males e do bem viver.
Por isso assumimos como perspectivas de ação para os próximos anos:
Uma reforma agrária que reconheça os territórios dos povos indígenas e das comunidades tradicionais e uma justa repartição da terra concentrada;
A formação dos camponeses, camponesas e dos agentes da CPT, com destaque para as comunidades tradicionais, a juventude, as relações de gênero, a agroecologia;
O envolvimento em todos os processos de luta pela educação no e do campo;
O serviço à organização, articulação e mobilização dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, pescadores artesanais e mulheres camponesas;
A intensificação do trabalho de base;
A sustentabilidade pastoral, política e econômica da CPT.
O profundo desejo do próprio Jesus e do seu movimento é também o nosso: “Eu vim trazer fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse em chamas” (Lc 12,49).
Porto Velho, RO, 17 de julho de 2015.