A agroecologia condena o nosso modelo econômico de tratar a terra
Por Jacques Távora Alfonsin*
Entre 23 e 25 de julho passado, mais de quatro mil pessoas estiveram reunidas em Irati (Paraná) para realizarem a “14ª jornada de Agroecologia”. No documento final os participantes vindos de diferentes regiões do Brasil, e de outros 10 países, reafirmam o seu compromisso com a agroecologia dando continuidade “a luta por uma Terra Livre de Latifúndios, Sem Transgênicos e Sem Agrotóxicos, e pela construção de um Projeto Popular e Soberano para a Agricultura”.
As/os entidades lá representadas se identificam como “forças sociais” que “se levantam e se contrapõem à monocultura das ciências agrárias subordinadas ao agronegócio, ao latifúndio do conhecimento e da terra e à paralisação da reforma agrária, a dominação das corporações que concentram a exploração em poucas grandes empresas, não enriquecem as regiões, controlam a oferta da produção agrícola e manipulam seus preços nas bolsas de valores, impõem os agrotóxicos, os transgênicos, e o patenteamento das sementes, destroem a biodiversidade, a saúde humana e contaminam os alimentos, alteram a natureza e geram desequilíbrio ecológico. Vendem falsas soluções, como a agricultura climaticamente inteligente e o capitalismo verde, determinam as decisões dos governos, e atentam contra a democracia – isto é, um tipo de ditadura.”
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Inteiramente procedente e muito oportuna a advertência. Primeiro, pela conveniência de denunciar os maus efeitos da forma como as grandes empresas usam e exploram a terra, por meio do agronegócio, o domínio econômico-político por ele exercido sobre o nosso território, sua responsabilidade pelos danos impostos ao meio ambiente pela aplicação indiscriminada de agrotóxicos e venenos. Depois, pelos danos daí decorrentes para a saúde humana, com a contaminação dos alimentos e o ataque à biodiversidade, com a imposição da monocultura.
Oportuna também pelo fato de a já tradicional Expointer, em Esteio, sempre reunir no mês de setembro, uma feira famosa pelo modo como divulga virtudes consideradas inerentes à economia latifundiária predominante em nosso meio, mas notoriamente rentista, pouco interessada em agroecologia.
Como o manifesto deixa bem claro “na contramão da agricultura camponesa agroecológica, o Estado reabasteceu o agronegócio com 159 bilhões de reais e a agricultura familiar com apenas 28 bilhões de reais. Este recurso público abastece os lucros das corporações de agrotóxicos e transgênicos, máquinas agrícolas e do sistema financeiro.” O Estado “mantém intocada a estrutura de concentração da terra; não realiza a reforma agrária; e paralisa a demarcação das terras indígenas, a regularização dos territórios quilombolas.”
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Em matéria de sementes e de impactos ambientais, também “permite que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança se converta num escritório de chancela de todos os pedidos das empresas transnacionais”; “não monitora o cumprimento das normas de biossegurança no cultivo dos transgênicos; a contaminação da água e dos alimentos por agrotóxicos; e a intoxicação dos trabalhadores do campo e de toda a população que consome alimentos contaminados e/ou está submetida a pulverização aérea” “este mesmo Estado além de criar leis e normas restritivas à agricultura camponesa e agroecológica, fiscaliza com rigor exemplar e desproporcional as iniciativas de comercialização, agroindustrialização e circulação da sua produção”; “através do sistema de justiça criminaliza as lideranças das Organizações e Movimentos Sociais e desestabiliza programas sociais a exemplo do PAA – Programa de Aquisição de Alimentos.”
Sobre projetos de lei agora em discussão no Congresso a Declaração se opõe a quatro deles: o “PL 4148/2008 (34/2015 no Senado) que isenta as empresas de rotularem os produtos transgênicos; o PL 2325/2007 que altera a Lei de Cultivares, limitando os direitos dos agricultores a produzir suas próprias sementes; o PL 4961/2005 que permitirá o patenteamento de seres vivos; do PL 268/2007 “TERMINATOR”, que propõe a liberação das sementes estéreis; a PEC 215 que retira direitos dos povos indígenas constitucionalmente assegurados.”
Entre as reivindicações para enfrentar problemas dessa gravidade, exigindo solução inadiável, por sua própria natureza, a declaração de Irati elenca uma série de providências todas elas ligadas a direitos sociais dos camponeses dedicados a agroecologia, ameaçados ou até já violados. Entre elas, convém destacar pelo menos as seguintes:
– garantia do direito a terra e ao território aos povos indígenas, quilombolas, camponeses e povos e comunidades tradicionais como condição primeira para avançar no projeto popular agroecológico e soberano para a agricultura.
– assentamento de todas as famílias acampadas; – garantia aos jovens e mulheres acesso às políticas públicas: educação, cultura, moradia, saúde, esporte, lazer, previdência, crédito, e combate à violência. – reestruturação do Programa de Aquisição de Alimentos, em diálogo com ampla representação de movimentos sociais do campo, especialmente com a eliminação dos entraves burocráticos, que bloqueiam o acesso dos povos e comunidades tradicionais e camponeses, ao programa; – combate a violência, a ameaça e a criminalização de movimentos sociais e lideranças. – Preservação da conquista que representa o PAA-Sementes, no sentido de proteger a agrobiodiversidade e os saberes associados, como patrimônio nacional, sendo prioritária a viabilização dos recursos orçamentários e a sua desburocratização, como o da adoção da aquisição de alimentos pelas compras institucionais, garantindo o mínimo de 30% de alimentos oriundos da agricultura familiar.
– repúdio ao fechamento das escolas públicas do campo, garantida a manutenção, fortalecimento e ampliação da rede de Escolas Públicas de Educação no campo; – uma ampla reforma democrática do sistema político brasileiro, sem o financiamento empresarial de campanha; – defesa do petróleo como riqueza do povo brasileiro; – contra a redução da maioridade penal; taxação de grandes fortunas; – democratização da mídia e dos meios de comunicação; – contra a terceirização e pela manutenção dos direitos constitucionais assegurados – nem um direito a menos! – praticamos a Agroecologia como uma contribuição à superação das crises econômica, política, social e ambiental. A luta pela agroecologia é uma necessidade para a sobrevivência da humanidade, não é uma luta somente de agricultores e agricultoras, é uma luta de todos e todas!”
Não é pouco. Comparados os problemas com as reivindicações de solução, essa 14ª Jornada prova o quanto a agroecologia está empenhada numa ecologia integral, na qual a agricultura não tem finalidade publicamente rentista, mas prioriza a vida e o bem-estar da humanidade toda, uma conquista que não é só dela mas, como a própria declaração afirma, é de cada um/a de nós.
*Jacques Távora Alfonsin é procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.