Assentados aprendem as lições da floresta para cultivar na Amazônia
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Após migrar do Ceará para o Pará e perambular por algumas cidades do estado trabalhando como arrendatário, José Ferreira Pinheiro, 62 anos, e Maria de Nazaré, 55, resolveram se aliar aos Sem Terra. Da luta, conquistaram um lote, a possibilidade de criar os filhos em melhores condições e a dignidade de viver.
Os três anos de acampamento, vivendo em condições precárias e à mercê da violência dos latifúndios da região, marcaram o intenso processo de luta do casal. Entretanto, a recompensa veio com a conquista do pedaço de terra no Assentamento Palmares II, no município de Parauapebas, região sudeste do Pará.
E é nos cinco alqueires de terra conquistados há 14 anos que seu Ferreira organizou uma experiência de produção camponesa sustentável. Ele demonstrou como é possível aliar a produção de alimentos saudáveis com a preservação da natureza, dentro de um modelo de produção agroecológico, em que o agricultor produz alimentos com práticas de manejo alternativas do solo, sem utilizar agrotóxicos.
“Aqui nós produzimos batata, feijão, milho, peixe, galinha, pato, peru. Sabemos o que estamos comendo. Pode pegar qualquer coisa que produzo aqui e mandar fazer análise que não vai encontrar uma gota de veneno. Isso é uma vantagem porque hoje o veneno é demais. E do veneno só vem doença e morte”, constata Ferreira.
A principal linha de produção da família é a piscicultura e agrofloresta, e em menor escala hortaliças e criação de aves, vendidas na Feira do Produtor do município, além de outros alimentos para a subsistência.
A produção de frutas como cupuaçu, manga, açaí, coco, castanha, dentre outras, compõem os dois alqueires de sua agrofloresta, consorciadas com várias espécies de madeiras. A comercialização de alevinos dos quatro tanques de peixes terá início no próximo mês. Nos últimos dois anos, a produção de peixe do agricultor foi de cinco toneladas.
Nascido e criado no campo, tendo ficado anos afastado dessa realidade, seu Ferreira sempre teve o sonho de voltar a trabalhar na agricultura. “Ninguém dá de comer a uma família com um salário mínimo. Na terra a gente tem uma vida segura. Minha profissão é a agricultura. Daqui eu tiro pra comer, sobra um pouquinho e compro outras coisas pra completar o rancho. Quando o dinheiro tá curto vou no açude e pesco um peixe, também tem a galinha, o ovo”, relata.
Do garimpo à agroecologia
“A vida melhorou, hoje estou na terra, temos fartura, gado pra vender, arroz, milho. Na Serra Pelada não tinha nada – tudo que fazia era pra comer no dia, o amanhã não se sabia”, conta o assentado Antonio Barbosa dos Santos, 65 anos, que antes de ir para a luta dos Sem Terra e se tornar assentado, trabalhou durante 12 anos como garimpeiro na Serra Pelada.
No seu Sistema Agroflorestal, a produção de cupuaçu, jaca, manga, acerola, murici, goiaba e limão corre solta entre tantas outras árvores nativas. Em média, são produzidas duas toneladas de cupuaçu por ano, o carro-chefe de Santos. A produção de feijão, milho, arroz e mandioca é mais do que suficiente para sua subsistência.
Criado em 1995, as famílias do Palmares II passaram por um ano de acampamento e resistência e um histórico de oito ocupações, entre despejos e reocupações. Atualmente, as mais de 500 famílias assentadas estão organizadas em forma de agrovila.
A Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental “Crescendo na Prática”, com cerca de 1.200 alunos, é mais um resultado da luta dos trabalhadores e trabalhadoras do assentamento, que contam ainda com um Posto de Saúde da Família e uma cooperativa de transporte.
Permanência no campo
Uma das grandes conquistas do MST no Assentamento Palmares II foi a construção da Escola de Ensino Fundamental “Crescendo na Prática”, onde estudam mais de mil crianças.
A escola se tornou uma referência para a comunidade, ao garantir desde a época do acampamento os processos de formação e o acesso e direito à educação, reduzindo o analfabetismo e incentivando a permanência das famílias na terra.
O fortalecimento da identidade e cultura camponesa também foi um dos marcos desse processo, por meio da organização de atividades culturais e festas do assentamento, trabalhadas em sala de aula. “O aniversário do assentamento, por exemplo, é muito forte. É um momento que todo mundo fica envolvido na festa. Ou seja, a festa é um pretexto para você trazer toda a história do assentamento, como surgiu, quais as lutas do MST na região”, explica Clívia Regina Uhe, integrante da equipe pedagógica da escola.
Criada ainda na época em que as famílias estavam acampadas, em 1994, sua construção e reconhecimento se deu apenas após anos de lutas e reivindicações. Com isso, a própria comunidade foi debatendo e or- ganizando sua participação, de modo que seu envolvi- mento se dá desde o processo de escolha da direção às atividades realizadas pela escola, garantindo a democracia e autonomia. Esse feito a torna a única escola do município com eleição direta para direção, com participação da comunidade. Normalmente, esse é um papel destinado somente à Secretaria Municipal de Educação.
Um dos grandes desafios é justamente manter essa autonomia e garantir os princípios do projeto político pedagógico, como a formação continuada de professores, para que conheçam mais a realidade do campo. “Há mais de quatro anos que viemos construindo um coletivo mais efetivo. Temos 42 educadores e só 50% deles moram no assentamento. É um processo contínuo e de longo prazo”, explica Clívia.
A escola “Crescendo na Prática” é um território de fortalecimento da educação do campo, em que o projeto político pedagógico e sua implementação refletem a necessidade da construção permanente da Reforma Agrária Popular no país.
Desenvolvimento
A região sul e sudeste do Pará possui em média 2 mil famílias assentadas do MST que vivem nos Assentamentos Palmares II, Onalício Barros, 17 de Abril, Cabanos, Canudos, 26 de Março, 1º de Março, Nega Madalena, Chico Mendes I e II e Salvador Allende.
Os diversos alimentos produzidos pelos assentados contribuem no abastecimento dos municípios da região. Os produtos comercializados em maior escala no mercado regional são milho, mandioca, hortaliças, frutas e leite. Também são produzidos outros alimentos para a subsistência das famílias e venda em menor escala, como avicultura e caprinocultura.
Segundo o técnico em agropecuária e integrante da equipe pedagógica do Instituto de Agroecologia Latino Americano Amazônico (IALA), Cleiton Conceição Almeida, os assentamentos abastecem as feiras de produtores da região, as cooperativas e os supermercados. No município de Parauapebas há 400 famílias assentadas e acampadas, que comercializam os produtos na Feira do Produtor municipal, que funciona quatro vezes por semana. Ao todo são vendidas cerca de 130 variedades de produtos.
“Depois que chegamos aqui a fartura em Parauapebas aumentou muito. Nas feiras se enxerga a grande fartura dos assentamentos, que produzem todo tipo de alimentos. A gente trabalhou e trabalha muito”, relata Santos.
A criação dos assentamentos trouxe desenvolvimento e vários empregos diretos e indiretos para a região, principalmente no comércio. Além de melhorias nas condições de vida dos assentados. Segundo Ferreira, os assentamentos também têm um papel fundamental na diminuição do inchaço das cidades, já que absorvem uma grande parte de trabalhadores das áreas pobres, que foram para os assentamentos.
Além de gerar desenvolvimento econômico, os assentamentos também provocam impactos culturais, melhorando a convivência entre as famílias, agora assentadas, com a população urbana. O assentado Santos relata que na época em que as famílias estavam acampadas eram tratadas como marginal, mas hoje, após os assentados iniciarem o cultivo da terra e vender a produção na região, são tratados como um cidadão.
No entanto, a produção de alimentos é um desafio para os assentados da região, pois a maioria das fazendas ocupadas são terras que possuem crimes ambientais, sendo desmatadas e usadas para a exploração da pecuária extensiva, destruindo o bioma original. Sobra para os camponeses o passivo ambiental. Além de produzir a substância da família, precisam recuperar parte do bioma destruído.
Fator que se torna difícil sem a criação de políticas públicas que fortaleçam a agricultura familiar e camponesa.
Também há na região aproximadamente 1200 famílias que permanecem acampadas, devido ao abandono da Reforma Agrária no Pará. Há famílias que estão há mais de dez anos nessa situação.