Primeiro assentamento agroecológico do RJ sofre ameaça de despejo
Por Vanessa Ramos
Da Pàgina do MST
Desde a segunda semana do mês de novembro, 54 famílias do Assentamento Osvaldo de Oliveira, em Macaé (RJ), vivem apreensivas sob ameaça de despejo, após ação de reintegração de posse movida pelo empresário José Antônio Barbosa Lemos, sócioproprietário da rádio Campos Difusara, localizada em Campos dos Goytacazes, Norte do Rio de Janeiro.
A propriedade pertencia ao empresário e corresponde a 1.650 hectares, o equivalente a 16,5 km², um pouco menor que o município de Nilópolis, na Baixada Fluminense do Rio, que corresponde a 19,157 km².
A reintegração foi concedida a partir de decisão do Tribunal Regional Federal (TRF), sob alegação de que o juiz da 1ª Vara Federal deveria ter apreciado primeiro a ação civil pública, promovida pelo Ministério Público Federal (MPF).
A ação do MPF visa garantir um modelo de assentamento diferenciado na região e que resguarde o meio ambiente. No entanto, o laudo emitido por técnicos do MPF contesta a desapropriação da Fazenda Bom Jardim, realizada para fins de Reforma Agrária, em 2014.
De acordo com o Setor Jurídico do MST-RJ, o documento é constituído por elementos que colocam em dúvida a capacidade produtividade do Assentamento. Segundo Fernanda Vieira, da assessoria jurídica do MST, “o mais grave é que o laudo nega a possibilidade de permanência das famílias, ignora a potencialidade ambiental de um modelo inovador, nacionalmente reconhecido, como o PDS, e aponta para a manutenção da ocupação territorial a partir de um único proprietário privado”, afirma.
Produção Agroecológica
Em apenas um ano e dez meses de existência, numa área que corresponde a apenas 3% da extensão de terras que constitui o Osvaldo de Oliveira, os assentados listaram aproximadamente 60 variedades de produção agrícola, entre aipim, milho e abóbora.
Os produtos são comercializados nas feiras da região, nas universidades, como a Universidade Federal Fluminense (UFF), em Rio das Ostras, e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em Macaé, além das atividades que os assentados têm junto à prefeitura, em que fazem entrega direta a um grupo de consumidores das regiões de Macaé, Rio das Ostras e Búzios.
“Assim que a gente começou a colher alguma coisa, precisamente três meses depois de estar na área, já começamos a participar das feiras com a produção que as famílias retiravam ao redor das barracas. A maioria das famílias, hoje, já vive da sua própria produção”, contou Fraga, dirigente estadual do MST.
Qualidade de vida
De acordo com relatório de acompanhamento da área, elaborado por professores de diferentes especialidades da UFF – Polo Rio das Ostras, a qualidade de vida dos assentados deu um salto imenso, se comparada com o período que estava acampado na região, em 2012.
Segundo informações divulgadas no relatório, doenças comuns em idosos e crianças foram erradicadas apenas com mudanças no cotidiano das famílias e, principalmente, por causa das novas relações de cultivo da terra.
“O laudo MPF não trata da saúde das famílias que vivem no Assentamento. Parece que não tem gente na região”, disse Diego Fraga, do setor de produção do MST.
Questões ambientais
Segundo os Sem Terra, o laudo emitido pelo MPF pode ser considerado antiambiental, já que pretende fazer a reintegração de posso da fazenda ao empresário Barbosa Lemos, que praticava pecuária extensiva em Áreas de Proteção Permanente (APPs).
Em outras palavras, isso significa permissão de “expansão da devastadora mercantilização das florestas e dos bens comuns”, segundo Luiz Zarref, da Via Campesina, explicou em artigo sobre o uso de APPs, publicado no site oficial do MST.
Outra fragilidade colocada por Diego Fraga é que os dados utilizados no texto são baseados nos índices emitidos pelo agronegócio, ou seja, estão relacionados a indicações de commodities agrícolas. Ainda na opinião de Fraga, o laudo não apresenta informações sobre as práticas realizadas no assentamento.
“Se você ler o texto, parece que não existe nenhuma experiência de agroecologia em curso”, afirma ele, mesmo sendo essa a principal linha política que norteia todas as atividades no PDS Osvaldo de Oliveira.
Diego Fraga conta que quando foi feita a emissão de posse pelo Incra, em 28 de fevereiro de 2014, havia 54 áreas de pasto nas áreas das nascentes. “Os gados sapateavam na vegetação ao redor das nascentes”, lembrou.
O Código Florestal atual estabelece como áreas de preservação permanente (APPs) as florestas e demais formas de vegetação natural situadas às margens de lagos ou rios (perenes ou não); nos altos de morros; nas restingas e manguezais; nas encostas com declividade acentuada e nas bordas de tabuleiros ou chapadas com inclinação maior que 45º; e nas áreas em altitude superior a 1.800 metros, com qualquer cobertura vegetal.
Os limites das APPs às margens dos cursos d’água variam entre 30 metros e 500 metros, dependendo da largura de cada um, contados a partir do leito maior. Também devem ser mantidas APPs em um raio de 50 metros ao redor das nascentes e “olhos d’água”, ainda que sequem em alguns períodos do ano. O que não era respeitado por Barbosa Lemos.
Nesse contexto, o Dirigente Estadual do MST explica que as famílias estão comprometidas em recuperar as áreas de APP antes expostas pelo gado. “As famílias são parceiras na fiscalização coibindo, desmontando e denunciando caça”, completou Fraga.
“Não há intensão alguma de exploração total do terreno. A reserva legal pretende ultrapassar os 20% exigidos por lei no novo código Florestal para o bioma Mata Atlântica. Além disso, Osvaldo de Oliveira é o primeiro assentamento no Brasil a ser registrado na plataforma do CAR- Cadastro Ambiental”, destacou Diego Fraga.
José Antônio Barbosa Lemos
No entanto, essa não é uma ação isolada. Em 2010, o empresário foi responsável pelo despejo violento no Osvaldo de Oliveira, em que as famílias não tiveram chance nem de retirar os seus pertences dos barracos.
Em 2012, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro acusou José Antonio Barbosa Lemos de desvio de recursos da Prefeitura de São Francisco de Itabapoana, quando era Prefeito da cidade.
Reintegração
Para a justiça, o dever de alocar as famílias em outro lugar compete ao INCRA. Apesar disso, o Incra alega não ter condições de levar as crianças, os jovens, os idosos e os adultos para outra região. Para Mariana Trotta, advogada do MST e membro do Centro de Assessoria Popular Mariana Criola, essa ação é um retrocesso para a Reforma Agrária Brasileira, “especialmente se pensarmos que as famílias estavam assentadas há 1 ano e 10 meses”, afirma.
Atualmente, famílias se revezam em acampamento improvisado na frente do assentamento, com medo de que o despejo seja feito a qualquer momento, a qualquer hora.