Impunidade em mortes é motor da violência no campo

Massacre de Eldorado dos Carajás e assassinatos recentes no Paraná evidenciam falta de justiça.

 

Do Especial “Feridas Abertas” Brasil de Fato/MST

Por Camila  Maciel
Fotos: Marcelo Cruz
Artes: José Bruno Lima 

Emboscada, policiais militares, sem-terra, tiros, tese de confronto e apenas trabalhadores mortos. Essa sequência poderia remontar ao Massacre de Eldorado dos Carajás ocorrido há 20 anos, no estado do Pará, no Norte do país.

Esse encadeamento de fatos e personagens, no entanto, são os mesmos que aparecem nas mortes ocorridas no estado do Paraná, no último dia 7 de abril, quando dois militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram assassinados, nas proximidades do Acampamento Dom Tomás Balduíno, cidade de Quedas do Iguaçu. Como pano de fundo dessas realidades, o latifúndio, a luta pela terra, a violência com a participação do Estado e a busca por justiça.

O dirigente nacional do movimento, Joaquin Piñero, aponta que a impunidade é uma marca dos crimes relacionados aos conflitos no campo e contribui para que mortes continuem a ocorrer.

“Até agora, os responsáveis [pelos crimes de Eldorado dos Carajás] não foram punidos. Isso é tão grave que denunciamos à comunidade internacional”, apontou ele. Abril, que já havia se tornado – após o massacre no Pará – um mês de luta intensa para o movimento, torna-se ainda mais representativo para a luta por terra. “Vamos estar mobilizados e seguiremos denunciando estes crimes”, destacou.

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Izabel Rodrigues Lopes, dirigente estadual do MST no Pará, destaca que a violência do Estado também se expressa na repressão às mobilizações de trabalhadores, como o que ocorreu com as sem-terra no dia 8 de março, em Parauapebas (PA), mesma região em que ocorreu o Massacre de Eldorado dos Carajás.

Cerca de 300 manifestantes faziam um ato simbólico em frente à portaria da mineradora Vale com o uso de lama e barro para lembrar a recente tragédia de Mariana (MG) e alertar para os riscos que envolvem a população dessa região. A Polícia Militar (PM) reprimiu o ato com o uso de spray de pimenta e bombas em um percurso de mais de 500 metros. 

“Exatamente quando faz 20 anos do Massacre de [Eldorado dos] Carajás se repete a mesma cena. Polícia dos dois lados. Chamaram mais reforço, onde a gente estava nas duas laterais não tinha saída e terminaram jogando bomba e atirando [com bala de borracha]. A outra &”39;arma&”39; que usaram foi tirar o microfone, cortaram nosso som e prenderam o motorista.

A gente não tinha como conversar, pedir calma para o povo, não tinha mais como, o que sobrou mesmo foi correr”, relembrou Izabel. Na correria, mulheres caíram, se machucaram, inclusive uma mulher grávida que desmaiou necessitando de atendimento médico.

A história se repete

Caminhonete alvejada por tiros e trabalhadores atingidos pelas costas desmontam, para o MST, a tese da Secretaria de Segurança Pública do Paraná de que os sem-terra teriam feito uma emboscada para policiais militares. “

Aproximadamente 25 trabalhadores sem terra circulavam de caminhonete, há 6 quilômetros (km) do acampamento, dentro do perímetro da área decretada pública pela Justiça, quando foram surpreendidos pelos policiais e seguranças entrincheirados”, relata a nota do movimento. Advogados ligados aos trabalhadores denunciam que os policiais removeram corpos e objetos da cena do crime.

A situação se assemelha ao caso do massacre de duas décadas atrás. A destruição de provas por meio da manipulação do local das mortes foi um dos fatores que impediu a condenação de policiais que participaram do Massacre de Eldorado dos Carajás, como explica o promotor Marco Aurélio Nascimento, que atuou no caso. “O local do crime ficou inidôneo, houve perícia do local, mas sem os corpos.

Como eles tinham poder sobre segurança pública e domínio do fato, tomaram uma série de providências que dificultaram e tornaram quase impossível determinadas provas”, explicou. Outra ação dos agentes de segurança para dificultar as investigações foi a retirada da identificação dos policiais na farda, que é obrigatória. 

A presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Pará, Luanna Tomaz, lembra que esses crimes, por serem cometidos por agentes do Estado, contam, muitas vezes, com a conivência das instituições.

“A gente recebe muito esse tipo de demanda de gente que vem e diz que a polícia não quis investigar e as provas somem. Até que esses grupos consigam o esforço de alguma autoridade, pedir que o delegado da cidade atue, as provas já foram apagadas. Há uma dificuldade muito grande de investigação e medo de denunciar”, apontou.

 

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As mortes no Paraná de Vilmar Bordim, de 44 anos, casado, pai de três filhos e Leonir Orback, de 25 anos – que deixa a esposa grávida de nove meses – , refletem um clima de tensão provocado por lideranças políticas, pelas forças de segurança e pela mídia local, desde a instalação de dois acampamentos do MST em terras de domínio da União, mas que a madereira Araupel alega ser proprietária. Outras denúncias sobre ameaças de morte sofridas por lideranças do movimento foram notificadas ao Ministério Público e à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), no ano passado.

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Mortes no campo

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2015, foram 50 mortes por conflitos no campo em todo o país, maior número dos últimos 12 anos. Desses assassinatos, 47 foram na Amazônia, sendo 20 em Rondônia, 19 no Pará, seis no Maranhão, um no Amazonas e um em Mato Grosso.

Com uma área equivalente a 16% do território nacional, o Pará é o estado líder na violência no campo. De 1985 a 2014, foram 775 mortes, o que equivale a 40% dos assassinatos, segundo a CPT. Levantamento da entidade mostra ainda que, de 438 crimes ocorridos neste período, somente 22 foram julgados. 

Para o advogado da CPT, José Batista Afonso, a impunidade sinaliza aos criminosos que os assassinatos podem ser formas “eficientes” para resolver problemas no campo. “Um pistoleiro que mata um trabalhador, e não é punido pelo crime, no dia seguinte ele está procurando emprego com outro fazendeiro.

Da mesma forma, um mandante de crime que manda assassinar um camponês, e não é punido, vai se sentir à vontade para encomendar outras mortes e vai continuar resolvendo as questões de natureza agrária através do uso da bala”, apontou. 

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Governos 

Procurada pelo Brasil de Fato, a Secretaria de Segurança do Paraná reforçou a tese de que a PM sofreu uma emboscada por parte dos integrantes do MST. Disse ainda que os crimes continuam a ser investigados. 

Em relação à ação da PM no 8 de março de 2016 em Parauapebas, a Secretaria de Segurança Pública do Pará informou que o órgão recebeu as mulheres camponesas que reivindicaram a apuração dos possíveis abusos cometidos pelos policiais.