Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão quer retomada da reforma agrária no país

Para o órgão, decisão do TCU que suspendeu programa nacionalmente fere a Constituição e pode prejudicar milhões de pessoas que não tiveram o direito de se defender da acusação

 

Por Rodrigo Gomes
Da Rede Brasil Atual

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) solicitou ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que questione no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade do acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que paralisou a política de reforma agrária no Brasil, em abril deste ano. Segundo o órgão, o acórdão “impôs severos ônus a 578 mil beneficiários da reforma agrária, suspeitos de irregularidades, ao impedi-los de acessar diversas políticas públicas indispensáveis a uma existência digna no campo. Tudo isso, no entanto, sem que fossem chamados a se explicar”.

Uma auditoria do TCU indicou que haveria políticos, pessoas de alta renda, falecidos e pessoas já beneficiadas no cadastro de beneficiários do programa de reforma agrária. O tribunal cruzou dados do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) e bases de origem pública, como a Receita Federal, o Tribunal Superior Eleitoral, o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), o Sistema de Controle de Óbitos (Sisibi), o Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged) e a Relação Anual de Informações do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (Rais).

A partir disso, concluiu haver irregularidade em quase um terço do 1,5 milhão de beneficiários da reforma agrária.

No entanto, para a procuradora Deborah Duprat, responsável pelo pedido, “as conclusões preliminares que deram suporte ao acórdão do TCU provêm, apenas e tão-somente, de cruzamentos de dados, sem trabalho de campo e sem interlocução prévia com quaisquer dos supostos beneficiários irregulares”. Ou seja, trata-se de “indícios de irregularidade”, não de conclusão de uma investigação.

O Instituto de Colonização e Reforma Agrária também contestou a metodologia e a interpretação feita pela TCU sobre as regras e programas da reforma agrária. Primeiro, porque o levantamento abrange os 45 anos de atuação do Incra, abarcando todos os governos deste período e não sendo uma situação atual.

Além disso, o instituto explicou que a legislação veda a homologação de beneficiários que sejam servidores públicos ou proprietários de empresas e de cooperativas, mas não impede que o beneficiário regularmente assentado venha a tornar-se servidor público, ser proprietário, quotista ou acionista de empresa ou de cooperativa.

Para a procuradora, a paralisação da reforma agrária sugere que a distribuição da terra no país, “profundamente desigual”, conta com o Estado para manter-se assim. “A reforma agrária, como instrumento, a um só tempo, conformador do direito à moradia e de redução da pobreza e das desigualdades sociais, não pode sofrer descontinuidades. Ressalte-se que não se pretende ignorar aqui eventuais irregularidades ou mesmo crimes. A apuração deve ocorrer e, provados os fatos, as medidas hão de vir, depois de assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa”, conclui Deborah.

Para Joaquim Modesto, coordenador estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em São Paulo, a paralisação só tem servido a ampliar as dificuldades dos pequenos agricultores e famílias sem-terra. Isso porque, além da redistribuição de terras, foram paralisados todos os programas de financiamento e apoio técnico aos assentados.

“Essa é uma ação que busca inviabilizar a reforma agrária. Sem esses programas, ainda que tenha terra, o agricultor passa dificuldades imensas. E a produção fica quase impossível de escoar, tem de vender de porta em porta”, afirmou Modesto, que espera que a ação da procuradoria prospere.