Sistema Judiciário articula ações de criminalização das lutas populares
Por Lizely Borges
Da Página do MST
Na manhã desta sexta-feira (04), a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP) foi invadida pelas Polícia Civil do estado. De acordo com os relatos, dez viaturas da PM chegaram por volta das 09h25. Logo depois, policiais pularam o portão da escola, a janela da recepção e atiraram em direção às pessoas que se encontravam na Escola.
Os estilhaços de balas recolhidos comprovam que nenhuma delas são de borracha, mas sim letais. A ação fere os princípios legais, já que a PM não apresentou um mandado judicial de busca e apreensão, agiu com violência, sem possibilidade de defesa e colocou em risco a vida das pessoas presentes. Duas pessoas da ENFF foram encaminhadas à Delegacia de Guararema e liberadas após prestarem depoimento.
“A invasão ilegal da Escola Florestan Fernandes, de forma irresponsável e com munição letal, mergulha ainda mais o Brasil nas sombras do estado policial, em que a seletividade e ilegalidade de determinadas ações, tanto policiais quanto judiciais, voltaram a ser regra, bem ao estilo das ditaduras latino-americanas chefiadas por Washington”, afirma o advogado junto ao Tribunal Penal Internacional, Ricardo Franco.
Na mesma manhã, a Polícia Civil do Paraná expediu 14 mandados de prisão, 10 de busca e apreensão e dois de condução coercitiva a integrantes e pessoas vinculadas ao Sem-Terra. Nomeada “Castra”, a operação iniciou-se por volta das 7h da manhã, em Quedas do Iguaçu, Francisco Beltrão e Laranjeiras do Sul, região centro-sul do Paraná. Atingiu também os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Seis trabalhadores rurais Sem Terra foram presos no Paraná.
Em nota, o MST relata que ação possui conexão com demais medidas do poder público na relação com o movimento: “Lembramos que essa ação faz parte da continuidade do processo histórico de perseguição e violência que o MST vem sofrendo em vários estados e no Paraná”, pontua.
O documento também destaca que a ação violenta ocorre pelo Estado. “Lembramos que sempre atuamos de forma organizada e pacifica para que a Reforma Agrária avance. Reivindicamos que a terra cumpra a sua função social”, complementa.
Abordagem violenta
Em depoimento à Delegacia de Polícia de Guararema, o professor da ENFF, Ronaldo Valença, de 64 anos, relatou a abordagem violenta pela polícia. Ao ser solicitada a apresentação dos documentos de identificação às pessoas presentes na entrada da escola, e diante da resposta de Ronaldo de que iria buscar seu documento, o professor conta que um dos policiais pulou a janela de acesso à ENFF, declarou voz de prisão ao professor e o algemou, lançando-o com força ao chão.
Com Parkinson, Ronaldo teve uma costela fraturada constatada por exame de raio-x no posto de saúde local, em decorrência de socos e pontapés de PMs quando já estava imobilizado. O professor ainda relata que, neste momento, foram disparados tiros pela polícia como forma de afastar pessoas que tentarem prestar socorro a ele.
Em nota, a Polícia Civil de Mogi das Cruzes informou que a Polícia do Paraná lhe solicitou apoio para cumprimento da prisão de Margareth Barbosa de Souza e que, ao chegar na ENFF, o comando foi recebido com violência. O comunicado ainda diz que “cerca de 200 pessoas que estavam presentes tentaram desarmar os agentes”.
O conteúdo da nota contradiz imagens da câmera de segurança da ENFF, já veiculadas nas redes sociais, e o depoimento de Ronaldo. O professor relata que logo no início da abordagem foi informado ao comando que a indiciada não estava nas dependências da escola.
Progressiva judicialização do MST
As ações pouco destoam de outras já empreendidas por setores do Sistema Judiciário destes e de outros estados. Progressivamente, a luta popular, o MST e suas lideranças têm sido alvo de ações de criminalização.
Amparadas pela força da articulação entre poderes locais, setores do agronegócio e da mídia privada, as ações para criminalização da luta pela terra e da defesa da reforma agrária popular tem encontrado a sustentação legal em um Sistema Judiciário “autoritário”. As ações tratam tanto da ação repressora pelos agentes de segurança pública como o uso da lei em favor dos proprietários de terra, em oposição à efetivação do direito à terra previsto constitucionalmente.
Abaixo, um retrospecto de ações de criminalização do Movimento pela ação do Sistema Judiciário.
Quedas do Iguaçu – Paraná
No dia 07 de abril, em Quedas do Iguaçu, região central do Paraná, dois trabalhadores rurais Sem Terra foram mortos e sete ficaram feridos, vítimas de uma emboscada realizada pelos seguranças privados da empresa Araupel, com participação de duas equipes da PM do estado. Na ação, foram mortos os militantes do MST Vilmar Bordim e Leomar Bhorback, com 44 e 25 anos, respectivamente.
Os feridos foram encaminhados aos hospitais pela polícia apenas quatro horas depois dos ataques. Nesse tempo, outros integrantes do movimento foram impedidos pelos policiais de se aproximarem da cena para prestar socorro ou verificar os assassinados. Dois trabalhadores Sem Terra também foram encaminhados para a delegacia.
A Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESP) alegou, em nota, que os policiais foram alvos de emboscada por aparte de integrantes do MST. Para o advogado da Terra de Direitos, Fernando Prioste, a posição da SESP é duvidosa. “É uma contradição dizer que a polícia sofreu emboscada, mas quem morreu foram os trabalhadores”, avalia. As vítimas foram baleadas pelas costas, o que revela a posição de fuga, e não de confronto com a PM e seguranças.
Até o momento nenhum responsável pela ação foi punido.
Santa Helena- Goiás e Veranópolis – Rio Grande do Sul
Em 12 de abril deste ano, um colegiado de juízes da Comarca de Santa Helena, no interior de Goiás, determinou a prisão preventiva do agricultor Luís Batista Borges, dos militantes Diessyka Lorena Santana e Natalino de Jesus e do geógrafo Valdir Misnerovicz.
A ação teve como base o enquadramento dos militantes na Lei de Organizações Criminosas (nº 12.850/2013). Luis foi preso dois dias depois, no município de Rio Verde (GO), ao comparecer para depor, e Valdir, no dia 31 de maio, em Veranópolis (RS). Os outros dois militantes encontram-se exilados.
Os mandados se relacionam à ocupação de uma parte da usina Santa Helena, em recuperação judicial, onde há mais de 1.500 famílias ligadas ao MST.
As prisões resultam da articulação entre setores do agronegócio do estado de Goiás, do Executivo local e de forças de segurança dos dois estados. O MST recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), após a não concessão de habeas corpus aos presos políticos pelo Tribunal de Justiça de Goiás.
No dia 19 de outubro, em julgamento pela 6ª Turma Recursal, o STJ decidiu, por cinco votos a zero, conceder habeas corpus ao geógrafo Valdir Misnerovicz, militante do MST, que estava preso em Goiás. Os ministros avaliaram que não há justificativa técnico-jurídica para a manutenção da prisão durante o trâmite do processo.