Intensa repressão policial à ato escancara a distância entre o Congresso e população
Por Lizely Borges
Da Página do MST
Estudantes secundaristas e universitários, trabalhadores do serviço público, movimentos populares e organizações sociais reunidas em Brasília-DF, nesta terça-feira (29), em ato nacional contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55/16 (antiga 241), de autoria da equipe econômica de Michel Temer (PMDB), foram fortemente reprimidos pela polícia militar do Distrito Federal.
A marcha iniciada na catedral, com participação de cerca de 30 mil pessoas, segundo organizadores do ato, dirigiu-se sem grandes intercorrências pela Esplanada. Ao posicionarem-se em frente ao Congresso Nacional para acompanhar a votação da PEC em 1º turno pelo Senado, o conjunto dos manifestantes contrários à matéria que estabelece o limite de gastos primários da União para os próximos 20 anos foi alvo de bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta e tiros de borracha.
A repressão policial iniciou após um grupo reduzido de pessoas tombar um carro localizado na Esplanada. A resposta da PM foi estender o emprego da força repressora ao conjunto das pessoas presentes no ato. Subordinada diretamente ao governador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), a polícia militar do Distrito Federal fez uso de forte aparato policial, incluindo cavalaria, tropa de choque e helicópteros, para progressivamente, por três horas, afastar os manifestantes pela Esplanada.
“A passeata foi inteiramente pacífica, democrática e livre, conseguindo dar nosso recado aos senadores e Congresso Nacional. Íamos ficar no espelho d’água acompanhando a votação da PEC. No entanto, a polícia, para dispersar a manifestação, começou a jogar bomba de gás em todo mundo” relata a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral. A liderança estudantil contesta a responsabilização do conjunto dos manifestantes a ações de dano ao patrimônio por um grupo isolado. “Não é repressão com relação à depredação do patrimônio público, nossa manifestação foi pacífica, não fez depredação. O que aconteceu foi a PM tentando impedir nosso direito de manifestação”, completa.
“É a cara desta polícia e deste governo reagir a uma manifestação que está lutando pela maior parte da população, que é contra essa PEC que vai fragilizar a saúde e educação. É assim que este governo golpista responde aos trabalhadores”, denuncia a presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Eblin Faraje.
O extensivo número de bombas, jogadas aleatoriamente para a população, inclusive do alto dos helicópteros, gerou um estado de pânico. As delegações estudantis dos estados anunciavam no carro de som nomes de pessoas que se dispersaram durante o tumulto. Feridos por balas de borracha e bombas foram encaminhados à hospitais pelas ambulâncias acionadas pelos organizadores. Até o fechamento desta matéria não foi divulgado o número de feridos. Segundo a UNE, 21 estudantes foram detidos pela PM. O grupo foi solto no início da madrugda, no entanto o estudante assentado da Reforma Agrária e universitário pelo campus Planaltina da Universidade de Brasília, Bruno Leandro de oliveira Maciel, permanece preso até o momento.
“Sabemos que repressão estava sob comando da PM de Rollemberg e da polícia do Planalto numa verdadeira operação de guerra, reprimindo a mobilização da juventude, sendo recebida a bala, com presos e gente ferida. Repudiamos essa violência. Mas essa violência serve como alerta e convocatória a quem ainda não se somou na luta contra essa PEC”, aponta o membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Alexandre Conceição.
Vozes e violências ignoradas
Enquanto os parlamentares analisavam as matérias do dia, deputados e senadores de oposição ao governo federal pediram às presidências das duas casas legislativas para interceder junto aos comandos policias pela interrupção do cessar bombas e tiros.
“Está perto de acontecer uma tragédia fora do Congresso Nacional. Muitas bombas sendo jogadas, o tempo inteiro. As pessoas que estavam utilizando microfone fazendo apelo emocionado para que houvesse um acordo para que as bombas não fossem lançadas. Eu peço ao senhor, como presidente da Casa, que possa fazer uma intervenção pela paz e pelo diálogo para a que gente não tenha uma tragédia em frente à Câmara” solicitou em plenária o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) ao presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em resposta Maia declarou que era preciso “seguir à ordem do dia”.
Um grupo de deputados tentou se dirigir ao comando, mas foi impedido pelo efeito das bombas lançadas. O deputado Padre João (PT-MG) destacou a ação da PM na tentativa de afastar a população do debate político. “Eu nunca vi em todos esses anos uma repressão tão violenta. Não respeitando inclusive os parlamentares. É uma coisa absurda, vários estudantes estavam expressando a consciência de cidadania, defendendo a saúde e educação. Este governo quer que as pessoas assistam ao desmonte do estado brasileiro do sofá”, enfatiza o deputado. Também presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, o parlamentar afirma que serão recolhidos materiais como fotos e vídeos de registro da violência policial para a solicitação de providências ao governador do DF. “
Já o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) destacou a obstrução de acesso às galerias do Senado pela população para acompanhamento da sessão. “A situação aqui fora está descontrolada. A quantidade de bomba de gás lacrimogênio, uma violência enorme. E ao mesmo tempo o símbolo, as galerias vazias aqui. Esse Senado sempre foi a Casa do diálogo. Isso é a cara do golpe. Todo golpe é violento. O diálogo do golpe é esse? Bomba de gás lacrimogênio, cassetetes? Essa Casa é a Casa do povo. Não é dessa forma que se tratam estudantes do Brasil inteiro”, enfatizou o senador.
Desde a apresentação da matéria em maio deste ano, parlamentares de oposição, institutos de pesquisa e movimentos populares têm denunciado a tentativa da base governista em acelerar a tramitação do projeto de lei sem o devido debate público à altura da complexidade dos impactos sociais. Em rápida consulta pública no site do Senado a população manifestou reprovação à medida. Até o momento da votação de ontem foram contabilizados 23.306 votos favoráveis à PEC e 342.952 votos contrários.
No entanto, como previam membros da base de governo em anúncio realizado nesta segunda-feira (28), o texto-base foi aprovado às 22h40 pelo Senado por maioria ampla: 61 votos favoráveis à PEC e 14 contrários. Não houve abstenções. As emendas que propunham a exclusão das despesas da saúde e educação no novo regime fiscal e a realização de um referendo popular, para consulta à população sobre a medida, também foram rejeitadas.
Formação de sujeitos políticos
Ainda que o cenário de aprovação da PEC seja de difícil reversão, refletindo um resultado já presente nas votações nos dois turnos pela Câmara de Deputados, a juventude presente no ato destaca que as mobilizações contrárias à PEC e à outras ações empreendidas pelo governo federal, como a Medida Provisória 746/2016 de reformulação do Ensino Médio e os projetos de lei nomeados de “Escola sem Partido” que estabelecem controle sobre os conteúdos ministrados em sala de aula, resultaram positivamente na formação de sujeitos políticos.
“Essas movimentações mostraram que os jovens sabem se organizar e lutar, de sobreviver nas suas organizações, nas ocupações. Estamos preparando a população brasileira mais ativa e organizada, e isto é o grande saldo. A história vai mostrar acima das falcatruas a capacidade da classe trabalhadora, da juventude em escrever a sua própria história”, enfatiza a militante do Levante Popular da Juventude, Adriele Guedes. A estudante destaca o conjunto de ocupações em mais de mil escolas pelo país e cento e setenta universidades como reafirmação do interesse desta população em pautar coletivamente o tema da educação e incidir diretamente na política pública.
“Uma geração de estudantes ascendeu neste processo e que passam a reconhecer que a luta vale a pena, não importa quais são os poderosos que estão no poder, e se não tivemos vitórias ainda assim perceber que a luta que vamos continuar a empenhar pelo Brasil, é isto que fará a construção de novo pais”, completa Carina.
Alteração das previsões constitucionais
Central ao projeto empreendido pelo novo governo e alinhada ao documento apresentado pelo PMDB em outubro de 2015, nomeado de Ponte para o Futuro, a PEC vale-se do argumento de necessidade de novo ajuste fiscal para equilíbrio das contas públicas. Para isto, o orçamento anual dos três poderes, além do Ministério Público da União, da Defensoria Pública da União e do Tribunal de Contas da União, é definido a partir das despesas do ano anterior, reajustado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA).
Na prática, resulta que a despesa com a execução das políticas públicas passa a ter um teto, com correção apenas pela inflação, independentemente de aumento das demandas sociais e melhora da situação econômica do país, pelo aumento da receita. Isto porque a PEC, válida por 20 anos, prevê que apenas no 10º ano o governo pode apresentar nova base de cálculo, e propor a desvinculação entre o aumento do orçamento e a inflação.
Por pressão da bancada de oposição ao governo e movimentos populares, a medida não incidirá sobre despesas em educação e saúde para orçamento de 2017. Estes dois setores só passam a obedecer ao limite a partir de 2018. Assim, a previsão constitucional de destinação de percentual mínimo de arrecadação da União para as áreas da educação (18% da arrecadação federal) e da saúde (aumento escalonado, de mínimo de 13,2% em 2016) deixa de valer.
A medida também incidirá sobre leis estaduais e municipais e em políticas relacionadas ao funcionalismo público e valor do salário mínimo. De acordo com o economista e professor da USP, Márcio Pochmann, em entrevista ao MST, a aprovação da PEC viola um acordo política estabelecido pela Constituição de 1988 no qual determinava os gastos sociais como principais determinantes da política econômica. Para ele, a desvinculação dos gastos sociais com o orçamento público desloca a economia de lugar central para o desenvolvimento humano. “Com esta medida nós possivelmente teremos um retrocesso, de forma que a economia passa a ser um fim em si mesmo e o gasto social um mero atributo da economia”, diz.
Crise do governo
Parlamentares de oposição, em diálogo com movimentos populares, sindicatos e organizações sociais, buscam incidir, em diferentes âmbitos, para destituir Michel Temer.
Na segunda-feira (28), o PSOL protocolou pedido de impeachment do presidente com a justificativa de que Temer valeu-se do cargo para liberar obra de interesse pessoal do ex-ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, amigo do presidente. No mesmo dia os líderes da minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), e no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ), protocolaram uma representação contra Michel Temer na Procuradoria-Geral da República (PGR) para investigação do caso envolvendo o presidente, Geddel e o ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero. Ao longo da gestão de seis meses, seis ministros caíram por acusação de corrupção.