2016: ano que demanda balanço crítico e construção coletiva de novas formas de resistência
Por Lizely Borges
Da Página do MST
A necessidade de construção unificada de uma agenda e ação política, da autocrítica e de novas formas de organização são demandas colocadas aos movimentos populares e organizações sociais diante de cenário de retirada de direitos e imposição de uma agenda governamental conservadora.
Esta foi uma das reflexões realizadas no acolhimento à organizações sociais, movimentos populares, parlamentares de mandatos progressistas, pesquisadores e prestadores de serviços no Encontro de Amigas e Amigos do MST, realizado na noite da última quarta-feira (07), no Albergue da Juventude, em Brasília-DF.
Realizada anualmente, a atividade se propõe a resgatar as lutas empenhadas durante o ano, ler o cenário que se avizinha e reforçar parcerias com o conjunto diverso de apoiadores do Movimento.
“Estamos firmes depois de um ano muito duro. Em 2015 não tivemos nenhuma área desapropriada. Já fazíamos a leitura de que iríamos nos lascar com o projeto empenhado por Levy [Joaquim, ministro da economia do governo Dilma] e Kátia Abreu [ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Dilma]. Apesar de não termos a pauta da Reforma Agrária atendida, não nos furtamos na defesa da democracia e fizemos uma luta implacável”, destaca, Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, no relato sobre a ação do Movimento contra o processo de impeachment sustentado por setores conservadores no ano de 2016.
Alexandre destacou a ação da juventude nas ocupações em universidades, escolas secundaristas e nas marchas. Em referência às ações do governo federal como a reforma da previdência e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Incra/e Funai, e defesa da ascensão ao poder na mais alta esfera de governo por alguém legitimado pelas urnas, ele atentou para vigilância permanente às ações em curso e a realização de novas eleições.
“O ano ainda não terminou. Precisamos estar atentos o tempo todo. A classe trabalhadora que esteve nas ruas, com destaque para a juventude, precisa estar atenta. Está na hora de recuperar uma parte golpeada – o direito soberano ao voto”, defende.
A professora da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Fórum Nacional de Educação do Campo (Fonec), Clarice dos Santos, enfatizou a contribuição do Movimento na forma dos movimentos estudantis construírem resistência à medidas como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55/16 (antiga 241) e a reforma do Ensino Médio.
“É importante reconhecermos a contribuição do MST durante todo o tempo que vivemos a ocupação dos campus da UnB [Darcy Ribeiro e Planaltina]. O próprio fato dos estudantes ocuparem a universidade e dizerem que a universidade é deles e da classe trabalhadora é uma cultura organizativa que é legado dos que lutaram pelo Movimento”, reflete.
A progressiva criminalização dos coletivos e lideranças populares também foi objeto de análise pelos participantes. As ações judiciais movidas neste ano contra integrantes do MST do Paraná e Goiás, numa ação articulada entre setores do agronegócio, Sistema de Justiça e poderes locais foi destacada durante a atividade.
“A esquerda precisa promover um encontro – reafirmado na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) – em total solidariedade a qualquer arbitrariedade à organização do campo popular”, pontua o secretário nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Juliano Medeiros. No dia 21 de novembro, um conjunto de organizações e movimentos protocolaram em órgãos públicos uma denuncia sobre as violações de direitos humanos cometidos na ENFF, o espaço de formação do MST.
Para o deputado federal Marcon (PT/RS) a resistência popular às reformas da previdência e trabalhista possuem potencial para unificar a classe trabalhadora em uma ação comum.
As lutas em torno da defesa de direitos das mulheres, da população negra, contra o agronegócio e agrotóxicos e pela alimentação saudável também foram rememoradas pelas organizações e pela Brigada de Agitação Fidel Castro. Composto por estudantes do ensino médio do DF, acampados e assentados, o coletivo, na sua estreia, teatralizou o embate entre as forças movidas pelo agronegócio e a agricultura familiar.
Balanço profundo, reorganização e corresponsabilidade
O integrante da coordenação nacional do MST, Gilmar Mauro, propôs a reflexão sobre o reconhecimento das limitações expostas pelo ano turbulento, mas também o reconhecimento de potencialidades para a luta.
Para Gilmar, a crise que deve tardar a ser superada, exige um aprofundamento do debate político e a reflexão profunda sobre as ações propostas como saída pelos movimentos ao contexto de crise. “Se não entendermos as alternativas que propomos, talvez não seja uma proposta calcada em analise real. É fundamental olharmos parta nós e analisar os erros que cometemos coletivamente”, expõe.
Gilmar exemplifica a greve dos bancários, realizada no segundo semestre deste ano, como ação que demanda a revisão das estratégias de resistência. “As formas organizativas que a classe trabalhadora produziu, talvez, nestes tempos não deem mais conta. A greve não atingiu o capital financeiro. É preciso fazer um balanço crítico para construir novas formas organizativas para fazer efeito ofensivo contra o capital”, reflete.
O coordenador pontua ainda a dificuldade de incorporação de alguns segmentos à luta de movimentos tradicionais. “Carecemos de novas formas de organização que mesmo com muita luta não consegue incorporar mulheres, a juventude que não se vê dentre delas, nas usas formas organizativas”, complementa.
O avanço na compreensão pela população da importância da compra e consumo de alimentos saudáveis e da importância da ampliação do diálogo entre campo e cidade foi colocado como destaque por Gilmar. “Precisamos de uma Reforma Agrária de um novo tempo, não esta reforma distributiva clássica, mas uma que pense em um novo modelo agrícola, em que o alimento é fundamental ao ser humano e que se estenda do campo para a cidade”, diz.
Por fim, deu ênfase à responsabilidade do conjunto dos sujeitos sociais na mudança desejada, ainda que em cenário adverso. “Somos todos responsáveis pela crise de alguma forma. E somos todos responsáveis pela saída. Ninguém constrói nada sozinho e um projeto político não virá de cima para baixo, mas do povo. Nos preparemos para esse tempo de profunda crise, com memória de que os outros em outras condições conseguiram superar as dificuldades”, enfatiza.
*Editado por Iris Pacheco