Feridos duplamente na carne, manifestantes contra PEC 55 reafirmam resistência popular
Por Lizely Borges
Movimentos populares, organizações sociais, centrais sindicais e estudantes participantes do ato contrário à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55/2016 (antiga 241), que congela os gastos primários em áreas como educação e saúde por vinte anos, reafirmaram a luta permanente na manifestação desta terça-feira (13), em Brasília.
A exemplo da repressão policial ao ato realizado na capital federal no dia 29 de novembro, em razão da votação da PEC em 1º turno pelo Senado, a manifestação desta terça-feira (13) foi fortemente reprimida por uma ação integrada do sistema de segurança pública do Distrito Federal, da Polícia Legislativa, do Gabinete de Segurança Institucional e do Ministério da Justiça, totalizando em 3,5 mil policias militares e civis, bombeiros e agentes de trânsito, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública do DF. De acordo com a organização do ato, participaram 3 mil pessoas.
As populações do campo, povos indígenas e quilombolas, sem-teto, estudantes e a classe trabalhadora de uma forma geral apontam que as violações de diretos humanos destes grupos, já afetados pelas medidas de contenção orçamentária com os últimos ajustes fiscais, devem ser intensificadas. No entanto, cientes do quadro de difícil reversão da votação, dada a composição majoritária do Congresso alinhada ao projeto empreendido pelo governo federal, a ida às ruas após a votação encerrada teve duplo tom – lamento pelo impacto da medida aprovada e reafirmação da continuidade de luta.
“Estamos num estado de exceção em que os direitos do povo, o voto, não são respeitados. Os legisladores não têm compromisso com o povo brasileiro. A posição do congresso é essa. A gente vê a situação de total desrespeito com direitos humanos do povo, é estado de exceção puro. O Movimento [MTST] vai continuar resistindo à medidas do governo e vamos lutar por nova constituinte, porque a Constituição de 1988 foi rasgada”, declara o coordenador estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto em Goiás, Rogério da Cunha.
A negação do direto à rua e à manifestação
O ato em Brasília organizado por um conjunto de organizações e coletivos teve concentração iniciada às 16h30. Reunidos em frente ao Museu Nacional, os manifestantes foram impedidos de seguir adiante, em direção ao Congresso Nacional pela PM-DF. Antes de se reunirem ao conjunto dos manifestantes, cada pessoa foi revistada e teve recolhido sombrinhas, bandeiras e produtos que aliviam o efeito da iminente repressão por bombas e spray de pimenta, como vinagre e leite de magnésio.
Às 17h20, o tensionamento pelos manifestantes à barreira formada por PMs em frente à Catedral desencadeou uma reação em cadeia pelos agentes de segurança pública. Mesmo sem ter sido iniciada a marcha, o forte aparato policial composto por cavalaria, helicóptero e viaturas afastou progressivamente, por meio de tiros de borracha, cassetetes e bombas, os manifestantes pela via e rodoviária. O tumulto gerou pânico. Ambulantes e comerciantes fecharam as portas e recolheram seus materiais. Muitas pessoas se recolheram no shopping Conjunto Nacional, localizado ao lado da rodoviária. O professor da rede pública de Goiás, Alexandre de Paulo, foi golpeado com um cassetete logo no início do tumulto. A localização do ferimento, na parte detrás da cabeça, aponta que o Alexandre não oferecia ameaça aos PMs.
“Vivemos um estado de exceção, é possível que num curto espaço de tempo fechem a Esplanada para proibir qualquer tipo de manifestação e coibir com intensa repressão policial. Nossa resposta tem que ser nas ruas, fazendo política, enfrentado de alguma forma o Estado e as forças burguesas que estão tomando conta. É um estado que não tem mais diálogo. É borracha agindo com força em cima dos trabalhadores. Muitas pessoas saíram feridas e presas, é assim que os movimentos são recebidos por este governo”, declarou o dirigente nacional do MST, Marco Baratto.
O estudante e integrante do Coletivo Juventude e Revolução, Victor Carvalho, atenta para a violação do direito à manifestação, previsto na Constituição Federal (Art.5º) e argumenta que o uso da força repressora é via para efetivar a agenda governamental conservadora.
“A repressão é reflexo do avanço do estamos de exceção que vivemos, onde nossos direitos democráticos estão cada vez mais sendo cerceados. Um governo ilegítimo precisa reprimir com toda força os movimentos sociais e qualquer tipo de mobilização pelo país para poder aprovar a sua pauta de retirada de diretos e agenda de retrocessos da classe trabalhadora”, declara.
Em nota a Frente Brasil Popular (FBP), uma das organizadoras do ato, declarou que “o plano do governo Temer é fechar a Esplanada e impedir protestos para impor o programa neoliberal, independentemente do clamor das ruas. O governo Rollemberg [governador do DF] é convivente com as aspirações autoritárias do governo golpista e atua na linha de frente da repressão”.
Detenções
A Secretaria de Segurança Pública do DF informou em nota, na madrugada de quarta-feira (14), que foram detidas 72 pessoas durante o ato, uma delas um adolescente de 17 anos. As ocorrências foram registradas na 5ª Delegacia de Polícia Civil, no Departamento de Polícia Especializada e na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). O grupo foi acompanhado por advogados populares e parlamentares. De acordo com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara de Deputados, em escuta aos manifestantes detidos, as prisões ocorreram quando as pessoas já estavam deixando o ato. O grupo relatou aos parlamentares que no contexto da detenção foram cercados, alvejados por spray e submetidos à humilhações por parte da PM.
Sem assistência jurídica e análise de condutas de forma individualizada, os detidos só puderam ser acompanhados por advogados após intermediação dos parlamentares com o governo do DF. A intervenção jurídica foi para que as condutas fossem analisadas de forma individual e que as detenções não tivessem como sustentação o Art. 20 da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983), que prevê punição de 03 a 10 anos de reclusão.
Elaborada durante o regime militar, a Lei abre precedentes à analises punitivas e condenatórias à manifestações populares. “O artigo 20 visa a coibir, expressamente, manifestações de cunho reivindicatório. Ora, a liberdade de expressão política não apenas é cláusula pétrea como é inerente a qualquer regime minimamente democrático”, declara o deputado federal e presidente da CDHM, Padre João (PT-MG). Com ele, estiveram presentes os deputados federais João Daniel (PT-SE), Erika Kokay (PT-DF), Paulo Pimenta (PT-RS), Afonso Florence (PT-BA) e Glauber Braga (PSOL-RJ).
Sobre a votação
Apesar de protestos da oposição e pedidos de adiamento, o Senado Federal aprovou em 2º turno, o texto-base na proposta, com 53 votos favoráveis a 16 contrários à medida. Os destaques apresentados pela oposição para que a medida não incida sobre as despesas nos reajustes do salário mínimo, saúde e educação foram rejeitadas.
O pedido de medida cautelar protocolados na segunda-feira (12) no Supremo Tribunal Federal (STF) pelas senadoras Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Vanessa Grazziotin (PC do B-AM) para suspensão da votação foi também rejeitado pelo ministro do STF, Luís Roberto Barroso. O mandado de segurança do pedido se sustentava no argumento de violação regimental pelo presidente da Casa Legislativa, Renan Calheiros (PMDB-AL), na condução das sessões de votação da PEC.
Pelo regimento, para aprovação de uma PEC são necessárias três sessões ordinárias, ou seja, sessões previamente designadas para a votação das matérias. As signatárias do mandado apontam que o presidente do Senado realizou três sessões em um só dia. Barroso justificou o não aceite ao pedido visto que “houve um acordo entre as lideranças partidárias do Senado Federal para que a PEC ora em exame fosse votada em segundo turno na data de hoje”, consta no decisão do ministro.
Duramente criticada por movimentos, institutos de pesquisa, parlamentares de oposição e organismos internacionais, pelo impacto na efetivação de direitos humanos da população e pela tramitação acelerada, sem o devido debate pública à altura da complexidade da medida, a votação da proposta foi concluída sem grandes dificuldades por um Congresso envolto em um conjunto de denúncias de corrupção e arbitrariedades.
A PEC do Teto de Gastos foi encaminhada pela equipe econômica de Michel Temer (PMDB) em maio deste ano, sob a justificativa da necessidade de conter o crescimento do déficit público e estabelecer um novo regime fiscal. O governo defende que a medida colaborará para a retomada do desenvolvimento nacional e reorganização da economia. Já os oposicionistas à medida apresentaram como alternativa à PEC a taxação das grandes fortunas e a auditoria da dívida externa. A decisão desrespeita a opinião pública, manifesta em pesquisas que apontam a reprovação da medida por mais de 60% da população (Pesquisa Folha de São Paulo 13/16).
Por se tratar de uma mudança constitucional, a proposta não precisa de sanção presidencial e é promulgada diretamente pelo presidente do Congresso Nacional. Segundo defendido pelo presidente da Casa Legislativa, Renan Calheiros (PMDB), a emenda será promulgada ainda nesta semana.
*Editado por Iris Pacheco