Entrevista: “O objetivo da reforma da Previdência é privatizar”
Por Márcio Bueno
Da Carta Capital
CartaCapital: Por que a alegação do governo de que a Previdência Social é deficitária não se sustenta?
Denise Lobato Gentil: De acordo com os artigos 194 e 195 da Constituição Federal, a Previdência tem receitas que o governo não contabiliza, entre elas a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a contribuição para o financiamento da Seguridade Social, o PIS-Pasep, as receitas de loterias. O governo não leva em consideração essas receitas e ao mesmo tempo superestima os gastos.
CC: Que motivos levaram o governo a propor esta reforma da Previdência?
DLG: O motivo real é a privatização. É fazer com que os brasileiros, desanimados com o tempo de contribuição dez anos mais elevado, e com a idade de 65 anos para obter apenas 76% do benefício, desistam da Previdência pública e se encaminhem para um plano privado.
CC: É possível a definição de uma idade mínima para todos em um país com desigualdades regionais e sociais tão profundas?
DLG: Uma idade única para um território tão diverso e complexo como o Brasil não passa de crueldade. Pretender estabelecer uma idade de 65 anos para a aposentadoria de um trabalhador rural do Maranhão, que tem uma expectativa de vida de 65 anos, significa dizer que ele não vai viver o suficiente para ter uma aposentadoria. Só vai contribuir, nunca usufruir do benefício.
CC: Qual o impacto nos pequenos municípios?
DLG: Nos 70% dos municípios mais pobres, a receita da Previdência Rural representa, em média, 17% do PIB. Eles têm as suas economias dinamizadas com essas receitas. O próprio Orçamento público municipal depende da Previdência.
A retirada dos benefícios da população rural vai significar a desorganização da produção agrícola familiar. E, provavelmente, vai atingir o abastecimento de alimentos nas cidades, o que pode resultar em elevação de preços.
CC: A PEC 287 é recessiva?
DLG: Sim, é recessiva. Ela vai reduzir a renda, o gasto do governo com aposentadorias e pensões, o que vai diminuir o consumo das famílias, provocar uma queda do PIB e, portanto, menor arrecadação. O corte dos gastos implica mais desajuste fiscal.
CC: O que devem fazer os cidadãos, os trabalhadores?
DLG: Resistir é a única saída. Eles vão passar por um processo de depressão da renda tão violento que não têm escolha. Ou resistem ou vão passar por um processo, principalmente os idosos, de extermínio.