Organizações da Via Campesina realizam primeiro Curso de Educação em Direitos Humanos
Por Jailma Lopes
Da Página do MST
Com objetivo de fortalecer a luta em defesa dos direitos humanos e contra a criminalização da luta popular, entre 03 e 07/04, iniciou-se o I Curso de Educação em Direitos Humanos e Acesso a Terra para organizações da Via Campesina NE, no Rio Grande do Norte, em Mossoró, na Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa).
Envolvidas e envolvidos pela mística de que “lutar não é crime” e da ocupação da Universidade, cerca de 30 militantes de organizações de quatro estados (RN, CE, PI e PE), de organizações Via Campesina que atuam em territórios de conflitos agrários, contra o agronegócio e em defesa da Reforma Agrária, participaram da primeira etapa.
O curso surge da demanda apresentada pelo MST do Rio Grande do Norte, ao Centro de Referências em Direitos Humanos do Semi-Árido da Ufersa (CRDH-UFERSA), diante do desafio de enfrentar o acirramento da criminalização da luta pela Reforma Agrária e inúmeras violações de direitos humanos que acontecem, diariamente, nos territórios camponeses no Nordeste, sendo, portanto, materializado, através de projeto de extensão, em três etapas.
Nessa primeira etapa, foi debatido os temas: Direitos Humanos – processos históricos de reivindicações de direitos e Direitos e Garantias Fundamentais, assessorado pela Professora Talita Rampim, professora da Universidade Federal de Goiás, advogada popular e pesquisadora-membro do Grupo Direito Achado na Rua; e o tema Garantias processuais penais e a Criminalização dos movimentos sociais populares – assessorado por Roberto Rainha, advogado criminalista, do Setor de Direitos Humanos do MST/SP.
“Considerando todo o processo de construção e considerando como aconteceu o primeiro módulo, podemos fazer uma avaliação muito positiva, tendo em vista os apontamentos que a própria turma fez, o ânimo em está se apoderando dos temas, que são tão presentes no cotidiano e a instrumentalização prática em seus processos de organização por lutas por direitos humanos”, destacou Oona Caju, professora da Ufersa e Coordenadora do CRDH.
Para o Movimento, historicamente, o direito tem servido para manutenção do poder na classe dominante, das desigualdades sociais e da violência contra os pobres, sendo uma marca dos cursos de Direito e do Poder Judiciário brasileiro sua elitização e hegemonização pelos setores conservadores, que dominam o sistema, formulado em uma linguagem inacessível para a maior parte da sociedade.
É dominado por pessoas, que “não sabem o que é um acampamento, nunca dormiu debaixo de uma lona preta, e que não tem sequer nenhuma vinculação com a classe trabalhadora, sendo também um latifúndio, conivente com a violência no campo, que não sabem o que é estar em luta, e nos têm tratado como terroristas, bandidos. Enquanto eles foram um dos braços do golpe, que só tem violado nossos direitos”, discute Raimunda Lúcia, militante do MST e participante do curso.
Apesar da linguagem jurídica, ser complexa até para os estudantes de Direito, de acordo com Oona Caju, “uma coisa importante a destacar, é que os participantes, embora não tenham vivência com a linguagem conseguiram compreender muito bem, e os conteúdos fizeram muito sentido para os participantes.
Nesse sentido, desconstruindo muitos argumentos preconceituosos, que tratam o conhecimento jurídico como propriedade, como inacessíveis para além dos operadores do direito. Ao contrário do que o curso demonstrou, a assessora e o assessor não subestimaram a turma, e trataram os conteúdos com profundidade, adaptando a linguagem, tratando com seriedade, dialogando com as realidades concretas, respeitando a capacidade da turma de mergulhar nos temas sob uma perspectiva crítica, tal que o nível das aulas não diferenciou-se com de nenhuma aula das universidades”, afirma.
Na avaliação, houve participantes que relataram que “se sentiram estudantes de direito”, como lutadores que são, em que os direitos humanos são os processos de lutas travados diariamente. Os movimentos demarcaram a ocupação da universidade, com a memória dos seus mortos que tombaram, com a denúncia dos seus presos políticos, com muita mística, palavras de ordem, músicas, poesia, bandeiras e toda a simbologia construída pela história das lutas camponesas.
Assim, “a experiência do primeiro módulo, projeta fortalecer a ocupação da universidade, trazendo os debates que são relevantes para a sociedade, provocando a instituição cumprir sua função social. O tempo comunidade vai fazer com que colhamos os frutos e fortaleça o debate, aliado a instrumentalização na luta concreta das organizações, disputando o sentido do conhecimento jurídico para a transformação da sociedade”, conclui Oona.
A luta contra a criminalização e os desafios
Segundo o Setor de Direitos Humanos do MST, estamos vivendo no Brasil uma ofensiva conservadora, sistematizada pelos três poderes, que apesar de terem o dever resguardar a Constituição de 1988, paradoxalmente avançam em ofensiva contra os direitos fundamentais, no desenvolvimento de formas de repressão, criminalização e perseguição aos movimentos populares.
Para Roberto Rainha, advogado do Setor de Direitos Humanos do MST/SP, trata-se de uma inflexão autoritária, em que operações como a Lava Jato, é exemplo de um laboratório de violações aos direitos e garantias fundamentais, sobretudo, penais, em que mais afetará os de baixo, a classe trabalhadora e aos movimentos populares, como já tem sido com o MST.
Nesse sentido, para Rainha, “tem sido tão fundamental, quanto na ditadura militar, a atuação da advocacia popular, a organização de coletivos de direitos humanos, coletivos de estudantes, defensores, professores, para atuarem junto com os movimentos populares, tendo em vista que fragilização e a criminalização dos movimentos populares o são uma linha política.
No último ciclo histórico dos governos Lula-Dilma, muitos militantes defensores dos direitos humanos acabaram por se afastar, seja por terem ido buscar qualificação, organização individual ou terem assumidos cargos na institucionalidade.
Paralelo a isso, dispositivos como a Lei Antiterrorismo e Lei das Organizações Criminosas – sancionadas pela então Presidenta Dilma; decisões como a do STF, que possibilitam a execução de penas, após condenado pela justiça de segunda instância, orientam aos tribunais adotarem posicionamentos ainda mais conservadores em casos de criminalização, sendo complexo e desafiante para a atuação na defesa dos direitos humanos.
No entanto, são tempos de recompor esses espaços de articulação em redes, enraizamento do trabalho de base, de preparar a retaguarda jurídica para a ofensiva das lutas travadas pelos movimentos populares”, aponta.
Metodologia do Curso e próximos etapas
A proposta de realização do curso é que as etapas sejam realizadas em uma semana, cada etapa, sendo a segunda em setembro, que tratará dos temas: Questão Agrária e Direito Humano à Terra; e Agrotóxicos e violações de direitos humanos. Já a terceira etapa, será em março do próximo ano tratando: Trabalho e Seguridade Social no campo; Protagonistas das novas lutas por direitos: mulheres, LGBT’s e pessoas negras; e Movimentos sociais populares como protagonistas da reivindicação dos direitos humanos.
A metodologia de cada etapa tem momentos de integração/ocupação com/da universidade, com a realização de debates abertos pertinentes a cada módulo. Consistindo, portanto, em: a) Integração com o espaço da Universidade e o curso de Direito; b) Tempo Escola – estudo teórico e programático; c) Tempo-Comunidade – Interação de conteúdo e prática com as realidades locais; e e) Formulação – sistematização das experiências e formulações teórico-práticas para trabalho de base nas diversas linguagens.
O curso tem como objetivo promover formação jurídica política no âmbito das noções gerais do Direito para militantes das organizações da Via Campesina – Nordeste, para qualificar nosso processo de massificação e a defesa dos Direitos Humanos, dentro dos processos de lutas travados. A projeção é que a próxima etapa massifique, com participação de mais estados e organizações.
Participaram do curso, além do MST, o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) e a Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB).
*Editado por Rafael Soriano