Samarco desaloja famílias 18 meses depois do crime
Do Movimento dos Atingidos por Barragens
Dona Geralda de Paula Gonçalves olha com tristeza, indignação e descrença para a montanha de rejeito seco remexido pelas máquinas da Samarco Mineração S.A depositado a mais de um ano e meio nos fundos da sua casa. O que antes era o Parque de Exposições da cidade de Barra Longa, agora é um imenso canteiro de obras que obriga as famílias a conviver com mau cheiro e poeira de rejeito.
“Eu fui prejudicada por esta lama aqui, mas não foi totalmente pela que veio de Mariana. A tragédia aqui foi eles é que fizeram. Eles é que trouxeram esta lama e puseram aqui. Não foi a que veio. Não veio lama aqui para atingir assim, não. Eles trouxeram do centro da cidade pra cá e foram colocando aí aonde está provocando todo este problema,” conta a idosa de 66 anos que mora naquela mesma área desde recém-nascida.
Na madrugada do dia 6 de novembro de 2015, o mar de lama que desceu de Bento Rodrigues e veio como avalanche pelos rios Gualaxo do Norte e Carmo e invadiu o centro urbano de Barra Longa. Atingiu cerca de 180 quintais, destruiu ou causou danos graves em mais de 100 casas, acabou com espaços coletivos como igrejas, praças, escolas, campos de futebol, etc., levou a cidade ao colapso total e transformou o pacato município em um canteiro de obras.
Na praça Manoel Lino Mol, a lama chegou a 8 metros de altura. E para retirar esta imensa quantidade de lixo da mineração do lugar coletivo mais importante para a população e também das casas dos moradores e comerciantes da região, a Samarco começou uma operação desastrosa utilizando caminhões que espalharam a lama ainda líquida por ruas não atingidas.
E para piorar a situação, a Prefeitura Municipal permitiu que a Samarco utilizasse o Parque de Exposição como local de depósito temporário de lama até que fosse encontrada uma solução definitiva. “Diante de tudo o que vivemos aqui até hoje e vendo esta montanha de rejeito diante de nós não é difícil reafirmar o slogan que eu criei: ‘É a Samarco levando a lama aonde a tragédia não chegou”, ironiza Serginho Papagaio, morador da cidade e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
De fato, a lama não adentrou em boa parte do Parque, que era construído às margens do rio Carmo. E a parte atingida recebeu uma quantidade bem menor do que a montanha depositada pela empresa posteriormente. “Parece que aqui vivia animal, cachorro. Ninguém se importou quem morava, se tinha gente doente, criança, idoso. Foram colocando isto sem pedir obediência, sem dar informação, sem consultar ninguém”, desabafa Dona Geralda.
Antes do rompimento ela e seus filhos e netos que moram em três casas bem próximas viviam tranquilamente produzindo na área atingida. “Temos aqui mais de 200 cabeças de galinhas, cabras, codornas, cavalo, nossos cachorros, além de muitos pés de plantas, frutas, legumes, etc. Hoje, reduziu bastante nosso espaço e não temos como manter o trabalho de antes. Além disto, não confiamos e não comemos as galinhas que pastam neste rejeito. Ninguém sabe o que tem nele”, comenta Carlos Antônio, 47 nos, filho de Dona Geralda.
Descaso total também com a saúde com os atingidos
Viver expostos ao rejeito que está a menos de 20 metros de suas casas, certamente não é algo saudável. E todos os moradores têm relatos de problemas de pele, alergias respiratórias, situações que pioraram ou mesmo surgiram somente depois da lama.
Dona Geralda vive uma situação de risco grave. Ela tem esclerodermia sistêmica, uma doença do tecido conjuntivo que envolve alterações na pele, nos vasos sanguíneos, nos músculos e nos órgãos internos e que pode gerar outros problemas, sobretudo, respiratórios. Viver exposta a poeira do rejeito já levou Dona Geralda ao hospital com falta de ar necessitando, inclusive, de balão de oxigênio. “Foi depois da lama que eu piorei. Nunca tinha ficado com falta de ar”, denuncia a idosa.
Apesar de ser um assunto amplamente discutido em diversas reuniões organizadas pelo MAB e o Ministério Público, em agosto de 2016 o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) multou a Samarco em R$ 1 milhão porque ela omitiu em documento oficial a existência de um depósito temporário de lama em Barra Longa.
E a atuação da mineradora se resumiu a colocar suas consultorias do chamado “Diálogo Social” para visitar as famílias e nada resolver. Nenhum morador teve atendimento ou acompanhamento especial em casos de doença, nenhuma indenização foi paga, sequer oferecida, nenhum cartão subsistência entregue. E somente depois de 18 meses, a empresa decidiu fazer uma proposta de transferência temporária das famílias.
“Na verdade, neste tempo ela fez algo sim. Estava me esquecendo. Com a desculpa de proteger os moradores, a Samarco cercou o parque todo. Quem chega na cidade não vê como estas famílias moram. E esta tragédia se torna invisível. É uma vergonha”, denuncia Serginho Papagaio.
Para Thiago Alves, integrante da coordenação do MAB e morador da cidade, sair de casa, mesmo que seja por um curto tempo, não é uma decisão fácil, sobretudo com crianças e idosos, pessoas doentes que precisam de atenção especial. “Mas, a Samarco nunca apresentou uma proposta que desse segurança aos moradores. O que ela fez foi cercar o Parque e escondê-las. Agora, depois da nossa pressão por causa do impacto na saúde, a empresa decidiu tirar os moradores. Mas, como? Para onde? Quais as garantias? Como será indenização e as compensações? E o que a Samarco vai fazer com este rejeito?”, questiona.
Especialmente nas últimas semanas, o MAB tem feito reuniões e visitas e contribuído para que os moradores se organizem para garantir todos os direitos, inclusive o de saber como será o projeto do novo Parque. “A Samarco quer espalhar o rejeito e altear o campo e o Parque. Isto é o mais correto? È a solução segura para os moradores? Queremos que a população discuta e decida. Eles é que vão viver estes impactos e o resultado das construções feitas”, comenta Thiago.
Além de Dona Geralda, outras 7 famílias vivem as angústias e esperam respostas. A Assessoria Técnica independente que será feita pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social – AEDAS é aguardada ansiosamente como um grande instrumento de trabalho para organizar e garantir direitos. Manifestações serão realizadas caso a pauta dos atingidos não avance, inclusive em relação à garantia do direito a saúde.