Semana do Alimento Orgânico é lançada no Rio Grande do Sul
Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
Você sabe que tipo de alimento come? Como ele foi produzido e qual a sua procedência? Estas são apenas algumas das perguntas a serem respondidas para que possamos compreender o poder que a produção e o consumo de alimentos têm de interferir, positivamente ou negativamente, em diferentes aspectos de nossas vidas. Estas reflexões foram provocadas por painelistas do seminário de lançamento da Semana do Alimento Orgânico, realizado nesta segunda-feira (29) na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, no Centro de Porto Alegre. O evento, que tem como objetivo estimular o consumo de alimentos produzidos sem o uso de venenos, reuniu representantes de entidades governamentais e não governamentais, além de produtores e consumidores de diversos municípios gaúchos.
Ao longo dos últimos anos, trabalhadores urbanos e camponeses e representantes de entidades que apoiam a produção limpa têm se reunido para discutir o modelo de produção que predomina na agricultura brasileira, seja por questões de saúde e qualidade de vida, seja pela preocupação em preservar o meio ambiente, a biodiversidade e os recursos naturais. E são nesses momentos de estudos e debates que se evidencia a urgência da implantação de um novo modelo de desenvolvimento econômico e social para o campo.
Conforme Leandro Venturin, integrante da Comissão da Produção Orgânica (CPorg-RS), na agricultura convencional há o uso intensivo de agrotóxicos e ocorre cada vez mais a concentração da produção e o aumento das áreas destinadas à monocultura. Segundo ele, este modelo visa apenas a obtenção de lucro e torna o agricultor “uma mera mão de obra para a produção de ração” – em referência aos produtos como a soja transgênica. “Esse modelo não se preocupa com quem produz e o que produz. Ele nos envolve num mar de venenos. Há muita contaminação das áreas e está cada vez mais difícil produzir sem veneno”, explica.
Para Leonardo Melgarejo, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), a busca de lucro rápido do modelo convencional de produção levou o homem a desconsiderar a solidariedade com outros seres vivos e provocou no agricultor uma forma alienada de produzir alimentos. “O agricultor que não usa venenos seleciona, todos os anos, as melhores espigas de milho para semente. Mas aquele que depende do agronegócio compra a semente que lhe é oferecida, que na verdade é a melhor semente do tempo passado e não do presente. Nós precisamos fortalecer essa solidariedade do presente com o futuro, porque os alimentos com veneno comprometem a geração futura, a vida do solo e as águas, e o relacionamento saudável entre os indivíduos”, acrescenta.
O deputado estadual Edegar Pretto, presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, também participou do evento, ocasião em que destacou sua atuação no parlamento para diminuir o uso de venenos nas lavouras gaúchas. Entre os Projetos de Lei de sua autoria está o 262/2014, que proíbe o uso, a fabricação e a comercialização do agrotóxico 2,4-D; o 263/2014, que proíbe a pulverização por meio de aeronaves em todo o território gaúcho; e o 44/2015, que obriga a rotulagem das embalagens dos alimentos que foram produzidos com o uso de agrotóxicos. “Queremos viabilizar o agricultor economicamente, mas sem que ele não morra precocemente, e garantir na mesa dos consumidores alimentos sem venenos. Se nós não conseguirmos proibir, queremos pelo menos estipular regras”, explica.
Produção limpa golpeada
O agricultor Emerson Giacomelli, assentado em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre, afirmou que produzir alimentos no modelo agroecológico faz parte de uma decisão política do MST e que grande parte dos assentamentos no RS e em outros estados, além de não utilizarem veneno e se preocuparem com a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais, estão produzindo diversidade. “Nós decidimos seguir os princípios da agroecologia para desenvolver a agricultura, e hoje produzimos alimentos diversos nas mais diferentes áreas”, declara.
Giacomelli também denunciou os desmontes das políticas públicas que incentivam os agricultores a produzirem de forma limpa, especialmente depois do impeachment de Dilma Rousseff, que levou Michel Temer (PMDB) à presidência da República. “Vivemos um momento de defensiva na agroecologia, porque aquelas políticas que conquistamos após anos de muita luta e mobilização social, como o PNAE e o PAA, estão sendo desmontadas. Não basta termos apenas programas de governo em agroecologia, temos que ter programas de Estado. O agronegócio está caminhando mesmo com as crises política e econômica, porque tem acesso a todos os meios necessários para o seu desenvolvimento. Enquanto isto, quem quer produzir comida de verdade e sem veneno tem seus direitos ameaçados”, argumenta.
Veneno X Saúde
Além de consumir alimentos contaminados por venenos, a população brasileira tem colocado em sua mesa uma refeição totalmente inadequada para a saúde. Conforme Ana Almeida de Oliveira, professora do curso de Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a má alimentação contribuiu para o aumento da obesidade e do sobrepeso no país — dados apresentados por ela mostram que 52% da população nacional está em sobrepeso e 1/5 (30 milhões) está obesa, sendo Porto Alegre a capital campeã em obesidade.
Ana acrescenta que as crianças e os adolescentes fazem parte do público mais atingido pela má alimentação, uma vez que são influenciados mais facilmente por publicidades nas televisões, personagens famosos e embalagens de produtos. Ela destaca que muitos, inclusive, estão em sobrepeso ou obesos, realidade que também é consequência do aumento do consumo de alimentos ultraprocessados. “Começamos a consumir mais balas e refrigerantes e paramos de comer o que a agricultura produz, como hortaliças e frutas. Precisamos refletir se a indústria está preocupada com o que nós estamos comendo ou só em ganhar dinheiro”, provoca.
A professora alerta que, se os brasileiros não se conscientizarem da importância de uma alimentação saudável, irá aumentar o número de vítimas de doenças crônicas não transmissíveis, como câncer e diabetes, e a diminuição da expectativa de vida. “Como temos menos crianças nascendo, teremos uma geração de idosos e talvez não teremos quem nos cuide. Hoje, crianças com cinco anos estão com diabetes e hipertensão por causa dos refrigerantes”, conta.
Ana acredita que as instituições de ensino têm papel fundamental na educação alimentar. Segundo ela, iniciativas como o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) contribuíram para conscientizar a população, especialmente a mais jovem, sobre a importância de se ter uma alimentação saudável e orgânica. “A escola é um ambiente de aprendizado onde as crianças também tem que aprender a comer. Se quisermos ter mais consumidores de orgânicos temos que começar pelas escolas, que são espaços de formação de hábitos e de promoção”, complementa.
Semana do Alimento Orgânico
O intuito da Semana do Alimento Orgânico é estimular o consumo de alimentos produzidos sem o uso de venenos, e mostrar aos consumidores seus benefícios nutricionais, ambientais e sociais. A iniciativa é promovida anualmente para fortalecer a campanha “Produto Orgânico, Melhor para a Vida”. É coordenada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em parceria com outros ministérios, e executada pelos órgãos estaduais e organizações não governamentais que integram Comissões Estaduais de Produção Orgânica (CPOrs). Ao longo desta semana terá uma série de outros debates e oficinas envolvendo o tema.