A comédia que vira tragédia com Danilo aspirante à Bolsonaro
Por Setor de Gênero do MST
Da Página do MST
Quem teve a oportunidade de assistir as demonstrações de machismo e autoritarismo do comediante Danilo Gentili, exibidas num vídeo postado nas redes sociais no último dia 29 de maio, em resposta à notificação da Procuradoria da Câmara dos Deputados, devido às ofensas dele no twitter contra a deputada federal Maria do Rosário, logo vai entender o título deste texto e as possíveis razões que motivam as mulheres do MST a escreverem este artigo.
Quem ainda não viu, certamente vai se motivar a assistir tamanha grosseria expressa em tal ação criminosa – o que infelizmente vai jogar ainda mais holofote sobre um humorista em busca de brilho e seguidores. Aliás, essa é a grande dúvida que todas nós feministas temos diante de situações machistas ou lgbtfóbicas: repercutir o fato (e consequentemente o seu autor) ou deixar cair no esquecimento? Mas ai vale a mesma regra que empregamos nos casos de denúncias diante da violência contra as mulheres ou LGBTs: gritar, denunciar, escrachar, constranger e inibir, sempre!!
No vídeo, Gentili abre a correspondência oficial, identifica a deputada como “puta”, verifica o número de páginas, não lê o conteúdo e rasga os papéis em vários pedaços; a seguir, coloca-os dentro da sua cueca, faz gestos sugerindo dinheiro, pega os papéis de dentro de sua calça, os cheira contemplativamente e em seguida os devolve para o envelope que foi remetido posteriormente à deputada. Chama a atenção que numa situação de autoafirmação e ápice de busca do “Falo”, este homem busque apoio no seu próprio pênis, numa deprimente apelação ao real, sem o menor constrangimento de fazê-lo em público, mediado por seu meio digital.
O discurso do comediante o aproxima da prática do deputado federal Jair Bolsonaro, que se tornou réu em processos de incitação ao crime de estupro e injúria, movidos pelo Ministério Público Federal e pela deputada federal Maria do Rosário. Em dezembro de 2014, o deputado Bolsonaro disse em discurso no Plenário da Câmara que “a deputada não merece ser estuprada”; declaração reiterada no dia seguinte no jornal “Zero Hora”, com o seguinte complemento “é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria”. A defesa de Jair Bolsonaro tentou em vão recurso, que foi julgado improcedente por unanimidade na primeira turma do STF em 07 de março de 2017. No caso da ofensa “temerosa” e nojenta de Danilo Gentili, a deputada já declarou na imprensa que vai processa-lo e espera-se que esse senhor tenha o mesmo destino de seu ídolo – ser enquadrado como réu, passível de condenação pelos crimes que cometeu.
Evidente que tornar crime ações machistas e lgbtfóbicas é um ato necessário e urgente, afinal existem leis que devem saltar do papel e proteger a sociedade brasileira, principalmente as mais violentadas. No entanto, queremos deixar uma mensagem que talvez seja compreendida mais rapidamente pelos machistas de plantão, que podem dizer: “mas que exagero, isso foi só uma brincadeira (…) como o mundo é chato e sem humor, não se pode mais fazer uma piada sem ser cornetado.” Essa comédia causa tragédia em nossas vidas! Para enfrentá-las, seguiremos em luta pela construção de relações de gênero igualitárias em conjunto com outras demandas vinculadas aos nossos direitos e pela emancipação humana. Nessa luta cotidiana entramos com nossos corpos, convicções e ideias que jamais serão influenciadas por qualquer machista, seja ele um Jair ou um tal Danilo.
Em janeiro de 2017, assistimos estarrecidos a mais um episódio de violência, tipificada como aquela que mais mata em nosso país – homicídios causados por motivos fútil ou torpe, ou seja, diretamente relacionados a uma cultura de ódio, violência e barbárie generalizada. Durante as comemorações de fim de ano em Campinas – SP, o técnico de laboratório Sidnei Ramis de Araújo, assassinou a ex companheira, o filho e outras dez pessoas (a maioria mulheres) e depois suicidou-se. O assassino deixou uma carta, na qual vários trechos reproduzem um discurso misógino e conservador que destila ódio, encontrado com facilidade na verborreia diária de várias pessoas públicas ou nas apelações da mídia sensacionalista, fornecendo munição à violência e incitando ações criminosas: “Os homens não batem na mulher sem motivo! Alguma coisa elas fazem pra irritar o agressor. O cara não vai lá dar porrada à toa!(…) A vadia foi ardilosa e inspirou outras vadias a fazer o mesmo com os filhos, agora os pais quem irão se inspirar e acabar com as famílias das vadias.”
Vídeos como esse de Danilo Gentili são ferramentas úteis nas mãos de jagunços da violência, mandatários do conservadorismo de uma sociedade de classes erguida sobre vidas ceifadas pelo ódio às mulheres, aos LGBTs, aos negros, aos nordestinos, aos indígenas, aos sem terras e aos pobres.
Ao final do indigesto e espetaculoso vídeo, o comediante expressa um posicionamento extremamente autoritário, em consonância com a hegemonia dos debates políticos na sociedade brasileira atual: “Pra Maria do Rosário ou pra qualquer outro deputado de qualquer outro partido – eu pago seu salário, então eu decido se você cala ou não a boca, nunca ao contrário.” Além da truculência que desvirtua o sentido mais elementar da democracia representativa, a fala de Gentili faz coro com uma turma que defende que as relações de poder sejam regidas por seres apolíticos, ou acima da política, o que é completamente impossível, pois tomar partido na sociedade é um ato de prática política e disputa de poder. Mas fiquemos despertas! O “cala boca” vem por outras mãos, diferentes daquelas de outros tempos.
À Maria do Rosário toda solidariedade das mulheres Sem Terra que com dor e amor, enfrentam as marcas de um campo que sangra. Onde a ousadia nos tira pra dançar todos os dias em busca de novas conquistas.