Encontro de Comunicação Popular do Nordeste discute monopólio da mídia no Brasil

Movimentos da região se reúnem para debater sobre as forças políticas midiáticas e os desafios da comunicação popular.

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Por Iris Pacheco
Da Página do MST

 

Entre os dias 28 de setembro a 3 de outubro, militantes, comunicadores populares de diversas organizações e movimentos se reúnem em Caruarú, no Pernambuco, no Encontro de Comunicação Popular do Nordeste e Curso  Popular de Rádio para discutir sobre as forças políticas midiáticas e os desafios da comunicação para os setores populares da região.

Para a dirigente nacional do MST, Gislene Reis, o enfrentamento à mídia burguesa é algo que o movimento vivencia desde o início de sua existência. Logo, a realização deste tipo de atividade é fundamental para discutir o papel da comunicação e seus desafios na organização do povo. “A gente aposta no perfil de que cada militante social pode ser um comunicador popular para que possamos construir esse diálogo da nossa luta e projeto do que queremos com a sociedade brasileira”, ressalta.

Gislene comenta ainda que na região nordeste o MST tem avançado no debate da comunicação e tem realizado várias ações de comunicação, que vão desde a consolidação de experiências de rádios, jornais, sites, blogs etc., tendo como horizonte o diálogo com a sociedade sobre o porque de estar em luta, ocupando latifúndios e as ruas.

Já Ítalo Lima, da Coordenação Nacional de comunicação da Pasoral da Juventude Rural (PJR), vê a comunicação como um instrumento fundamental de divulgação das ações dos movimentos, mas também na construção de uma perspectiva política de incidências com outros grupos e coletivos de comunicação.

“A realização de cursos é uma forma de alavancar a comunicação nos movimentos. A PJR vem de uma experiência recente nesse sentido. No momento em que você forma, consegue agregar novas pessoas nesse campo o que fortalece outros processos do campo popular. O que demonstra a necessidade de trabalharmos a comunicação com as nossas bases, mas também para além delas”.

Ampliar a atuação em rede é uma forma dos coletivos e meios de comunicação popular atingirem um público maior. Além da possibilidade de construir novos instrumentos e produzir conteúdos sem sobrepor trabalho, unindo forças.

É nesse tom que Fernanda Cruz, da comunicação da Articulação do Semiárido, que já vem discutindo a importância de fazer uma comunicação mais integrada e em rede vê o espaço do encontro na região nordeste como uma oportunidade de reunir pessoas que interessadas em fazer uma comunicação popular que seja transformadora, que provoque o diálogo e a reflexão.

“Esses espaços são importantes para trocar experiências e fortalecer a comunicação pois é por meio deles que podemos garantir os direitos das organizações. Para a ASA não existe o direito à água, à terra, sem a comunicação. É preciso que essa comunicação chegue de fato nas pessoas que elas não sejam meros expectadores”, conclui.

Monopólio da comunicação

 

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Foto: PH Reinaux

O debate deste primeiro dia foi sobre o monopólio midiático brasileiro, e neste bojo, foram citados desafios para os movimentos, entre eles, a definição de um projeto popular para a comunicação no país.

No sentido de apontar esse processo, Taís Ladeira, da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC), comenta que vivemos em um país onde ainda há um processo de desobrigação dos direitos sociais dos cidadãos e que é preciso colocar o debate democratização da comunicação para a sociedade.

“O tema da democratização da comunicação no Brasil é censurado, o debate não existe… A gente está falando de dar um salto que pressuponha não disputar uma hegemonia do capitalismo, já que este impõe relações sociais que são ditadas pela posse, e sim de um debate popular democrático”, ressalta.

Esse debate pode ser materializado de distintas formas, principalmente quando analisamos o cenário do processo de controle das concessões de uso das frequências moduladas (FM). Estamos falando do latifúndio do ar, um espaço público, mas que necessita de muita luta para que a classe trabalhadora o ocupe.

Segundo o estudo “Raio X da ilegalidade: políticos donos da mídia no Brasil”, realizado pelo Coletivo Intervozes, 32 deputados e oito senadores são proprietários, sócios ou associados de canais de rádio e TV. Destes, muitos integram a bancada ruralista e são donos de latifúndios no Brasil. Ou seja, é preciso considerar que dessa forma esses sujeitos têm espaço privilegiado de disputa pelo voto antes mesmo do período de campanha determinado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Neste sentido, Débora Nunes, do Setor de Produção do MST, afirma que é necessário insistir na comunicação como uma ferramenta de enfrentamento aos retrocessos e nos lembra que a elite ao construir o processo de dominação hegemônico, ela também o faz a partir da apropriação da comunicação.

“A rádio é o principal instrumento que a elite nordestina tem utilizado. Precisamos entender que a mesma elite que mantém o controle político é a que detém o controle da  comunicação. Muitas vezes a esquerda não tem percepção da importância desses instrumentos”, salienta.

Nunes também aponta que é preciso avançar na comunicação em suas distintas formas e conteúdos, sempre atrelada à uma intencionalidade política e ideológica do trabalho de base com a classe trabalhadora, uma vez que a ela nunca foram dadas as condições necessárias para tal realização.

“Precisamos entender a realidade para que a partir desta análise possamos fazer a resistência e o enfrentamento. Na comunicação é a mesma coisa. É fundamental que se pense como a classe trabalhadora usa a comunicação em uma perspectiva de contra-hegemonia”, afirma.

Cultura e hegemonia da comunicação

O professor César Bolaños, da Universidade Federal do Sergipe (UFS), propõe um debate sobre a construção da hegemonia da comunicação como uma disputa de identidade cultural.

 

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Foto: PH Reinaux

De acordo Bolaños, a autonomia cultural da classe trabalhadora é fundamental para que esta se oponha à cultura das elites e construa resistência às formas de manipulação midiática. “O sistema de comunicação de massa faz a mediação entre os interesses do capital e do Estado com a classe trabalhadora. É nesse bojo que a autonomia cultural vai se perdendo”, explica.

O poder dos grandes meios de comunicação tem uma base sobre a qual se estrutura. Segundo Bolaños, no século XX, essa base é constituída na capacidade do capital de se apropriar da cultura popular e devolvê-la em forma capitalista de controle. “A grande vitória do capital é ele deixar simplesmente de uma forma econômica de dominação para se transformar em cultura e assim se enraizar na consciência das pessoas”, comenta.

Ou seja, há um movimento de transformação da cultura brasileira em mercadoria conduzida, sobretudo, por grandes meios de comunicação, como o a Rede Globo de televisão, que se utiliza de diversas técnicas de manipulação social para garantir o controle das massas. Bolaños aponta que é preciso garantir a autonomia cultural do povo brasileiro, o que significa que é preciso pensá-la a partir da base.

O Encontro de Comunicação Popular do Nordeste e Curso  Popular de Rádio, que surge do acúmulo das várias dimensões de atuação da comunicação popular na região, é uma iniciativa do MST junto com o jornal Brasil de Fato, e busca construir iniciativas em comum entre as organizações para se avançar coletivamente no processo de enfrentamento ao capital.

Além do MST, outros movimentos e organizações participam, como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Levante Popular da Juventude, Pastoral da Juventude Rural (PJR), Consulta Popular, Articulação do Semiárido (ASA), Movimento Camponês Popular (MCP), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos (MOTU), Sinttel, Recid, Centro Sabiá, bem como coletivos e meios de comunicação como o Centro Popular de Mídias e Brasil de Fato, Expressão Sergipana, Rádio Aconchego, Terral Coletivo de Comunicação Popular, entre outros.

 

*Editado por Leonardo Fernandes