Rio Grande do Sul fortalece mobilizações contra o fechamento das escolas do campo

Audiências públicas fazem parte das ações realizadas no estado para debater a situação das escolas.

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Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
Fotos: Letícia Stasiak

 

Uma audiência pública no Vale do Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, tratou na última quinta-feira (9) da situação das escolas do campo. O evento, promovido pelo Conselho Estadual de Educação (CEED), com o apoio da Articulação em Defesa da Educação do Campo, reuniu cerca de 150 pessoas na Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul, entre pais, estudantes, professores e representantes do poder público e do Conselho Municipal de Educação.

Segundo o presidente do CEED, Domingos Antônio Buffon, o intuito da iniciativa foi ouvir as comunidades sobre a situação de suas escolas, a fim de criar diretrizes para a Educação Básica do Campo. Neste sentido, já foram realizadas audiências públicas nos municípios de Erechim, na região do Alto Uruguai; Santo Antônio da Patrulha e Porto Alegre, na região Metropolitana. Outras estão previstas para acontecer nas regiões da Campanha, das Missões, Sul e Central até abril de 2018. “Percebemos uma forte organização das comunidades que estão sendo lesadas, principalmente pelo fechamento de escolas. Nas audiências, não falamos apenas de evitar que as escolas sejam fechadas, mas também que as crianças e os jovens do campo tenham uma educação de qualidade. Por isto, o conselho está debatendo com todos os envolvidos que tipo de escola se quer para o campo”, explicou Buffon.

A audiência pública foi realizada no Vale do Rio Pardo por se tratar de uma região que possui alto índice de fechamento de escolas do campo. Conforme a professora Cristina Vergutz, já se chegou à situação de 95% dos alunos de uma escola localizada na área urbana serem oriundos da zona rural. Isto, além de contribuir para a evasão do campo, coloca os estudantes em uma outra realidade que não contempla o acesso a uma proposta pedagógica que atenda às necessidades dos sujeitos camponeses. Segundo ela, por estas e outras questões, é fundamental que a escola do campo continue funcionando e que a sua identidade seja preservada e valorizada. “A escola tem que ter esse olhar voltado para a realidade em que vive o aluno. Precisamos pensar organizações pedagógicas diferentes, que atendam os sujeitos de acordo com seus contextos”, assinalou Cristina.

Ela acrescentou que no Vale do Rio Pardo, de acordo com dados do Senso Escolar e do Observatório do Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), entre os anos de 2012 e 2016, ocorreu um fechamento maior de escolas que a média em todo o Rio Grande do Sul. Nestes cinco anos, 62 escolas deixaram de funcionar na região, o que representa 19% numa comparação estadual. Somente no município de Gramado Xavier, sete, de 13 escolas, foram fechadas em 2016 através de Decreto Executivo da prefeitura. Ainda em todo o território gaúcho, de 2003 a 2016, cerca de 2.220 (50%) escolas rurais tiveram suas portas fechadas. “É muito preocupante, precisamos levar em consideração, pensar e debater estes dados, porque enquanto fechamos escolas, estamos tirando pessoas do campo. As perguntas que ficam são: qual é o interesse do fechamento das escolas? E o que a gente espera? Um campo com gente ou um campo sem gente?”, questiona Cristina.

Manifestações

 

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A maior parte das manifestações na audiência pública em Santa Cruz do Sul expressou a preocupação da comunidade escolar em relação ao fechamento das instituições de ensino e exigiu o cumprimento da Lei 12.690/2014, que altera a Lei 9.394/1996 para fazer constar a exigência de manifestação de órgão normativo do sistema de ensino para o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas. Foram dezenas de contribuições que expuseram situações semelhantes em diferentes localidades e que, sobretudo, reafirmaram a importância das escolas do campo para a sobrevivência e fortalecimento das comunidades.

O agricultor Celírio da Silva, da linha Água Fria, do município de Sinimbu, denunciou a falta de diálogo dos órgãos competentes sobre a política de fechamento das escolas do campo com as comunidades que estão sendo diretamente afetadas. Em situações destacadas por ele, diversas propostas, abaixo-assinados e mobilizações de pais e alunos na região não foram reconhecidos por órgãos governamentais e escolas tiveram suas portas fechadas. “Mais de 90% da população foi contra, mesmo assim fecharam nossa escola. Fizemos abaixo-assinado, nos manifestamos na tribuna popular na Câmara de Vereadores e fomos até a Promotoria Pública. Agora dizem que querem nos dar o prédio, mas não queremos o prédio, queremos a escola. Nós queremos o cumprimento das leis e não que mais escolas sejam fechadas”, disse.

A falta de uma educação inclusiva foi questionada pelo agricultor Valderi de Moura, morador da Linha Branca, também em Sinimbu. Para ele, o fechamento das escolas do campo é uma das consequências da nucleação, que faz com que crianças e jovens se sintam inferiores em relação àqueles que, muitas vezes, possuem uma outra realidade econômica e social. “Os meus filhos foram para uma escola nucleada, mais longe, e tinham relacionamento com outras crianças que não conheciam, que tinham condições financeiras muito superiores às nossas. Às vezes não se sentiam à vontade, porque iam à escola de chinelo de dedo”, relatou. Moura enfatizou que o debate do fechamento de escolas deve ser revisto e a educação encarada pelo poder público como investimento e não como gasto. Além disto, defendeu uma “posição mais firme” do Poder Judiciário e do Ministério Público sobre a situação das escolas do campo.

Já Daniel Piovesan, integrante do Setor de Educação do MST no Rio Grande do Sul, ressaltou que a falta de investimento do estado em educação pública e do campo exige da sociedade mobilização e construção de resistência através de iniciativas como as audiências públicas e a Articulação em Defesa da Educação do Campo. “A educação do campo é um direito negado, por isso precisamos fortalecer a articulação em nossas bases e escolas e forçar a aprovação de diretrizes específicas, que combatam a falta de investimentos e o fechamento de escolas”, apontou.

 

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Para Anajá Teixeira, assessora de educação da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), é preciso lutar pela valorização dos professores e funcionários, além de buscar alternativas que garantam o deslocamento dos professores às escolas do campo e não a saída dos estudantes para a cidade. “A juventude tem uma preocupação muito crescente em relação ao fechamento das escolas. Ela nos questiona: por que ao invés de o ônibus levar os jovens à cidade, o mesmo não traz os professores para o campo?”, relatou.

Iniciativas

Na análise de Buffon, as escolas do campo estão embutidas numa discussão que sempre foi secundária. Ele ressalta que na atual conjuntura, de congelamento de recursos públicos, principalmente para a educação, e sem perspectivas de novos investimentos, “os elos mais fracos da corrente é que acabam sofrendo”. “A escola do campo certamente é um destes elos. O conselho se propõe a discutir alternativas para garantir às comunidades uma escola de qualidade, sem pensar em custos, porque não podemos mensurar uma escola pelo número de alunos que ela vai atender. O tema do fechamento de escola é indigesto para o conselho. Nós nem deveríamos falar com as comunidades sobre fechar escolas, mas sim sobre abri-las e melhorá-las“, salientou.

 

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Segundo o presidente, existe uma tentativa de aproximação do CEED do Ministério Público para fortalecer a fiscalização do cumprimento do direito à escola das populações do campo. Também há uma busca de diálogo com os Conselhos Municipais de Educação. “Muitas escolas do campo pertencem ao município e gostaríamos de ter uma norma ou legislação que pudesse atender o conjunto de escolas estaduais e municipais. É um trabalho que precisa ser feito por um longo período, mas as mobilizações que estamos prevendo estado afora atestam que este resultado virá”, constatou. Ele complementou que a rediscussão da proposta pedagógica, de uma nova organização escolar e do fim da seriação são “temas ultrapassados”, mas que servem de “boas ideias” para a construção de uma escola aberta, com condições materiais e recursos humanos e um projeto pedagógico que responda às expectativas do campo. “Isto vai dar um reflexo para toda a nossa a sociedade, inclusive para a economia do ensino, do estado e do país”, finalizou.

 

*Editado por Leonardo Fernandes