“A luta pela defesa e garantia de direitos humanos dos lutadores e das lutadoras sociais é uma ação constante e sem fim”
Da Página do MST
2017 vai chegando ao fim como um dos períodos mais sangrentos para os trabalhadores rurais. No contexto nacional recente, em que o desmonte do Estado Democrático de Direito avança a passos céleres, a violência e a impunidade parecem ter virado marca registrada.
Acompanhe:
Como o setor de Direitos Humanos do MST analisa o crescente aumento de violência ocorridas nesse período?
Exemplos nítidos disso são posicionamentos das autoridades dos poderes Executivos, Legislativos e Judiciário, que têm formulado e imposto decisões e ações que ferem os princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito no exercício de seus deveres junto aos cidadãos brasileiros, especialmente os mais empobrecidos. Conforme a ofensiva de retirada de direitos como o direito à presunção de inocência, do direito da ampla defesa e o devido processo legal, violações graves do direito humano de defesa – uma conquista civilizatória básica que está sendo descumprida pelo chamado sistema de justiça, que deveria ser o guardião intransigente desse direito. Essas, dentre outras mediadas, são sinais concretos para a instauração de um regime de exceção em nosso País.
Consequentemente, essa ofensiva tem provocado grandes retrocessos nas conquistas históricas dos direitos sociais da classe trabalhadora, a exemplo da aprovação da PEC 95, que congela os investimentos sociais e acentuam o aumento da desigualdade e da pobreza em nosso país. Um exemplo claro de violação ao direito humano à terra, educação, à saúde dentre outros direitos essenciais para nossa sobrevivência. O aumento da violência é fruto, também, desse processo de retirada de direitos da classe trabalhadora. Em paralelo, temos visto uma série de atos de violência institucional e física sobre as populações mais pobres e empobrecidas, a exemplo do aumento de violentos despejos rurais e urbanos; bem como, o aumento de agressões físicas e psicológicas e de assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, indígenas, quilombolas, jovens negros e negras, mulheres, LGBTTS. Ou seja, um cenário difícil de situações de violência, de violações de direitos humanos em que a imposição da força policial legitimada pelo poder do Estado por meio de ordens e mandados judiciais de execução é um elemento a ser destacado.
Sobre o crescimento da violência no campo, 2017 já se aponta com um dos anos com maior número de mortes no campo, a que isso se deve?
De acordo com o cenário colocado anteriormente das desigualdades sociais que aumentam no país, em consequência do golpe alinhado ao interesse econômico e legitimado pelas esferas do Poder do Estado, temos acompanhado, de forma indignada, o fortalecimento do projeto do agronegócio. Isso se dá por meio da implementação de leis e medias que retiram direitos de acesso à terra, trabalho, educação, saúde, dentre outros direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra e os pequenos produtores. A nova Lei que dispõe sobre Regularização Fundiária, mais conhecida como a Lei da Grilagem de Terras e Privatização dos Assentamentos (Lei n. 13.465/2017), garante autonomia ao governo para alienar propriedades da União, sem obedecer ao princípio da função social da terra, é um exemplo claro disso.
Outro fator importante a ser destacado, é o desmonte das políticas públicas que visam a assegurar direitos duramente conquistados pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais na luta pela realização da Reforma Agrária Popular, com anúncio de cortes absurdos e insustentáveis no orçamento para 2018 e no contingenciamento no ano de 2017. Alinhado a isso, temos, também, o exemplo da tomada de decisões e de sentenças de instâncias do Poder Judiciário que criminalizam a luta pela Reforma Agrária e, consequentemente, seus lutadores e lutadoras, com prisões arbitrárias e instauração de processos de verdadeiras perseguições e, ainda ordenam o uso da força policial na execução de mandados de despejos de famílias acampadas. Todo esse quadro de não priorização da pauta da Reforma Agrária bem como do não reconhecimento dos direitos humanos das populações do campo provocam conflitos e exercícios de violência e assassinatos no campo. Só nesse ano de 2017, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), registra-se o número de 64 assassinatos ocorridos em função do aumento dos conflitos do campo. Fazendo um paralelo com os povos indígenas e populações quilombolas, de acordo com informações da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (CONAQ), e do Instituto Socioambiental (ISA) em 2017, tem-se registrado 14 assassinatos de membros de comunidades quilombolas, no ano de 2016; o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), contabilizou 56 assassinatos de indígenas.
E, nesse momento, estamos enfrentamos uma série de situações de perseguições, de ameaças de morte e de atentados contra trabalhadores e trabalhadoras rurais e seus familiares que atuam na luta pela realização da Reforma Agrária Popular. Nesse contexto, destacamos nossas famílias Sem Terras nos estados de Santa Catarina e Paraná que enfrentaram despejos violentos. No Estado do Pará, em Marabá, a situação é ainda mais difícil, são 20 mandados de reintegrações de posse, expedidos pelo Juiz da Vara Agrária de Marabá que deixarão mais de duas mil famílias (crianças, idosos, deficientes) desalojadas e sem terra para produzir alimentos. É um cenário triste e difícil para todos e todas que lutam por melhores condições de vida no campo. Diante disso, evidencia-se que, a omissão dos órgãos de mediação de conflitos, a falta de interesse dos órgãos responsáveis pela execução das políticas públicas na estrutura do Estado e a arbitrariedade do Judiciário acabam contribuindo para o aumento da violência e dos assassinatos no campo. Nesse momento tememos a ocorrência de mais um Massacre de Trabalhadores e Trabalhadoras na região do Pará.
Na verdade, todo esse contexto de conflitos tem, como pano de fundo, interesses políticos e econômicos para aumento da expropriação da propriedade da terra para produção de commodities, com desdobramento claro no fortalecimento do agronegócio e do capital estrangeiro. Diante disso, é importante afirmar que, a terra, sendo um bem da natureza, não pode ser transformada em mercadoria. Portanto, a luta pela Reforma Agrária, é a luta pelo direito humano à vida em equilíbrio com os bens da natureza.
Quais as principais ações do setor DH do MST?
O setor de Direitos Humanos do MST atua de acordo com as linhas políticas do Movimento, de modo a fortalecer a luta pela realização da Reforma Agrária Popular, em consonância com a luta pela efetivação dos direitos humanos e sociais da toda a classe trabalhadora. De forma mais específica, o setor atua na defesa dos trabalhadores e trabalhadoras rurais que sofrem violações de direitos humanos ao fazer a luta pelo direito à terra, água, florestas. Diante disso destacamos três frentes principais de atuação:
Ao longo de 2017, demos bons passos na organização do Setor de DH, com desdobramentos no apoio e fortalecimento das turmas de Direito, no alcance da liberdade dos companheiros/as submetidos ao cárcere privado, no acompanhamento aos processos instaurados para criminalizar a luta dos trabalhadores/as por vias criminais, dentre outras, e nos espaços de diálogos e de articulação política que acompanhamos.
Dada a conjuntura, temos o desafio de fortalecer o campo da luta pela efetivação dos direitos humanos. Para os próximos períodos, para além do fortalecimento do Setor de DH, temos, no nosso horizonte, a tarefa de qualificar nossa atuação enquanto advogados e advogadas populares defensores e defensoras da luta pela terra; intensificar os processos de formação política com nossos militantes, estudantes, advogados e advogadas; fortalecer o campo de articulação com as redes de direitos humanos do campo democrático popular, a exemplo da Frente Brasil de Juristas pela Democracia (FBJD); elaborar materiais de estudos sobre Sistemas de Justiça e Direitos humanos.
Qual o papel da sociedade civil nesse contexto?
Diante desse contexto, é necessário debater junto à população brasileira a gravidade da ameaça aos nossos direitos historicamente conquistados, de forma a alertar sobre a importância de se engajarem na luta e na construção de um projeto popular e soberano para o Brasil. Caminhamos para um cenário bem mais difícil, o que exige a capacidade, diante da necessidade, de termos um campo forte e organizado para seguir contribuindo com o conjunto da luta da classe trabalhadora, de forma a aproveitar o período para potencializar a luta e fazer o enfrentamento na defesa dos direitos humanos na sua integralidade. Parafraseando Herrera Flores, um autor que discute o tema dos direitos humanos “A universalidade dos direitos somente pode ser definida em função da seguinte variável: o fortalecimento de indivíduos, grupos e organizações na hora de construir um marco de ação que permita a todos e a todas criar as condições que garantam de um modo igualitário o acesso aos bens (…) que fazem que a vida seja digna de ser vivida”.
Desse modo, os movimentos sociais organizados cumprem um papel importante na organização, no debate, no fazer da luta na perspectiva da reversão desse quadro de violações de direitos instaurado no Brasil, de formar a superar o campo abstrato e idealista dos direitos humanos. Estamos caminhando para a marca dos 70 anos de proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no entanto, avaliamos que se faz importante ressignificar o tema, o debate e a garantia dos direitos humanos, recolocando-o na centralidade da luta enquanto conquista social. Nesse sentido, fazer a defesa dos direitos constitucionais, da democracia popular, das garantias e liberdades individuais e coletivas, do Estado de Democrático de Direito, da soberania nacional, do internacionalismo e da solidariedade entre os povos, é tarefa urgente e histórica a ser assumida pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, construtores e construtoras de uma proposta de reinvenção de direitos por meio das concepções e práticas realizadas na luta cotidiana organizada.