Pedro, Profeta e Poeta

Homenagem aos 90 anos (16 de fevereiro de 2018) do mestre de todos nós.

 

 

Por João Pedro Stedile*
Publicado originalmente no Nocaute.blog

 

Quem poderia imaginar um catalão, sair de sua terra, nunca mais voltar e apaixonar-se pelos povos indígenas da América Latina?

Quem poderia imaginar em plena ditadura empresarial-militar, nos confins da Amazônia, um homem franzino, usar a fé e a coragem para denunciar e exigir justiça, em defesa dos trabalhadores, posseiros, povos indígenas e camponeses, humilhados e explorados?

Quem poderia imaginar, que, jurado de morte pelos latifundiários da região, em 1976, foram à delegacia interceder por duas mulheres pobres que estavam sendo torturadas. E um dos policiais, confundiu a aparência de bispo e  assassinou seu colega, padre João Bosco Burnier, em seu lugar?

Quem poderia imaginar, que um homem de igreja relutasse até os últimos instantes porque não queria ser nomeado bispo, até ser convencido pelo seu melhor amigo, o bispo Dom Tomas Balduino?

Quem poderia imaginar, que quando poucos podiam, ele se engajou desde a década de setenta em defesa da causa dos povos nicaraguense, cubano, guatemalteco…

Quem poderia imaginar que esse homem, além de pastor e profeta, era um grande poeta? Usou as letras e a força das palavras, para denunciar o injusto, solidarizar-se com os trabalhadores e pregar as mudanças. Com sua vocação literária, ajudou a escrever a Missa da terra sem males, a Missa dos quilombos… cantada por nosso querido Miltom Nascimento e outros músicos. E escreveu centenas de poemas, que expressam a linguagem da alma e do coração.

Quem poderia imaginar, que apesar de viver no longínquo São Félix do Araguaia, e das dificuldades de comunicação da época, contribuiu decisivamente para articular e fundar, primeiro, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), na CNBB, para defender os povos indígenas? E depois a Comissão Pastoral da Terra (CPT), como um serviço ecumênico dos cristãos em apoio à organização dos camponeses brasileiros?

Quem poderia imaginar que um bispo brasileiro, com todo seu poder e influência, preferisse viver como pobre, entre os pobres, com suas sandálias havaianas e sua sabedoria de verdadeiro mestre?

Quem poderia imaginar sua coragem de ir a Roma e dizer umas verdades para o todo poderoso cardeal Ratzinger? Pedro foi um defensor e praticante do ecumenismo, de todas as práticas e crenças religiosas, de um Deus-Pai-Mãe-Irmão, de todos e todas, que aparece em diferentes formas e práticas. Às vezes, até nas manifestações da natureza e sobretudo na voz do povo!

Quem poderia imaginar, que apesar de conviver muitos anos com seu “primo” parkison, como o chama, nunca desanimou, recusando-se a mudar para outros centros com maior atenção médica?

Pedro tornou-se um grande brasileiro e latinoamericano. Um exemplo de luta, dignidade e coerência. É nosso orgulho, dos povos indígenas, dos camponeses, dos pobres e de todas as igrejas. Com seus noventa anos de corajosa teimosia, palavra, que gosta muito de usar.

Certa vez disse aos jornalistas da imprensa burguesa, que criticavam nossas ocupações de terra, “se o MST não existisse teríamos que criá-lo!”

O MST se orgulha de seu carinho e agradece seu exemplo!

*(Conheci Dom Pedro numa ocupação urbana, Vila Santo Operário, em Canoas-RS, nos idos de 1979, junto com o Irmão Antonio Cecchin. Cultivo desde então, admiração e amizade. Ele esteve em muitas atividades do MST, sempre nos ajudou com sua presença, reflexões, escritos e, sobretudo, seu exemplo. Foi um dos privilégios que a vida me deu).

 

 

**Editado por Rafael Soriano