“Não podemos permitir que os trabalhadores comam alimentos envenenados”, diz produtor de orgânicos

Emerson Giacomelli, durante evento internacional sobre a produção de arroz orgânico, defendeu a criação de políticas públicas estruturantes e de Estado
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Foto: Catiana de Medeiros 

 

Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST

 

Durante a 3ª Conferência Internacional de Sistemas Orgânicos de Produção de Arroz, que começou nesta terça-feira (13) na região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, o militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e assentado da Reforma Agrária, Emerson Giacomelli, voltou a defender a criação de políticas de Estado para impulsionar a produção de alimentos saudáveis.

“Temos que transformar iniciativas como o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] em políticas públicas permanentes, porque elas são importantes para os pequenos agricultores colocarem a sua produção limpa no mercado. A formação de estoque, as chamadas públicas e o pregão eletrônico são exemplos de ferramentas que devem ser políticas de Estado, para continuarem funcionando independente de quem esteja ocupando o governo”, disse.

As colocações de Giacomelli, que é coordenador do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico do MST, foram feitas ontem no painel “Políticas Pública e Organização Social”, no Teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa. Na ocasião, o assentado ressaltou que as políticas públicas do país são frutos da luta social e da construção coletiva. Ele também destacou os ganhos que o Grupo Gestor teve, por meio da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), ao acessar o Programa Camponês. Este, foi conquistado após mobilizações da Via Campesina e tem o objetivo de fomentar cadeias produtivas no estado.

“É um programa que nos deu condições de acessar créditos e que apoiou a infraestrutura produtiva dos assentamentos. Adquirimos maquinários, fizemos recuperação de solos e nos organizamos para armazenar os nossos alimentos. Investimos cerca de 20% do valor do convênio na produção orgânica de arroz. Por conta disso, tivemos um crescimento anual de mais de 27% em área plantada, em produtividade e em famílias envolvidas”, explicou. Hoje, cerca de 500 famílias Sem Terra cultivam mais de 5 mil hectares de arroz livre de agrotóxico no território gaúcho. A maior parte da produção é destinada ao PAA e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Incentivo à transição

Para Giaconelli, as políticas públicas, além de contribuírem para que a população da cidade tenha acesso aos alimentos saudáveis, motivam as famílias a fazerem a transição da produção convencional para a agroecológica. “Quando abordamos os agricultores com condições concretas, nós conseguimos discutir, formar e ganhar eles para a produção orgânica. Isso ocorre porque gera renda para a família, que vê na organização o seu meio de confiança”, argumentou. Como exemplo de iniciativa que dá certo, citou a política adotada pela Cootap de pagar aos produtores um preço diferenciado para o arroz que está em processo de transição. “Fazemos isso porque sabemos que amanhã este alimento será orgânico”, revelou.

O assentado alegou ainda que as políticas públicas que abrem caminhos para a comercialização dos alimentos orgânicos são fundamentais para organizar de forma integral as cadeias produtivas. “Nós tínhamos inicialmente preocupação com os desafios do dia a dia, como o manejo técnico, a infraestrutura e a formação dos agricultores. Conforme fomos crescendo e passamos a armazenar produção, percebemos que tínhamos que organizar também a parte comercial, que é mais difícil que qualquer outra etapa. Esse aprendizado nos custou muito caro, porque às vezes, nós camponeses de pequenas cooperativas, não temos essa experiência comercial. É aí que entram as políticas públicas como apoiadoras”, complementou.

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Foto: Catiana de Medeiros 

Feiras orgânicas e PNAE

Giacomelli destacou ainda que, a partir do momento em que as famílias Sem Terra conseguiram organizar a sua produção, com o apoio das políticas públicas como o PAA, elas passaram a ocupar com feiras orgânicas espaços públicos e privados na região Metropolitana de Porto Alegre. Atualmente há mais de 40 pontos de venda direta. “Nós tínhamos oito feiras na região quando começamos a discutir o PAA. Hoje temos feiras em locais que nunca imaginávamos, como em shoppings e em condomínios. Elas se transformaram em um grande meio de comercialização aqui na região, e as famílias adquiriram autonomia política e econômica”, afirmou.

Em relação ao PNAE, o assentado acrescentou que as famílias produtoras de arroz orgânico não conseguiram chegar ainda a todas as escolas, uma vez que muitas prefeituras e estados ainda têm resistência para adquirir alimentos produzidos pelo MST. “O PNAE é uma iniciativa estruturante, que se caracterizou como um programa de Estado e não de governo. Todos os anos são oito ou nove meses de entrega de alimentos, de garantia de geração de renda e de uma refeição saudável para as crianças. Ele é um grande fomentador da produção agroecológica”, reforçou.

Ao final do painel, Giacomelli disse que toda política pública deve ser disputada e precisa ter orçamento garantido para permitir que todas as pessoas tenham acesso aos alimentos saudáveis. “Nós não podemos produzir para meia dúzia que tem poder aquisitivo. Temos que pensar na agricultura orgânica para alimentar a sociedade como um todo, mas de forma muito especial a classe trabalhadora. Não podemos permitir que os trabalhadores comam alimentos envenenados, enquanto os coxinhas vão às feiras comprar orgânicos”, declarou.

Conferência

A 3ª Conferência Internacional de Sistemas de Produção Orgânica de Arroz (ORP3 Brasil 2018) acontece até a próxima sexta-feira (16). O MST, por meio da Associação Filhos de Sepé (Aafise), é apoiador do evento, que ocorre pela primeira no Brasil – as duas edições anteriores aconteceram na França e na Itália.

A conferência conta com inúmeros painéis e visitas a campo. No último dia, os participantes irão até o Assentamento Filhos de Sepé, no município de Viamão, também na região Metropolitana de Porto Alegre, para acompanhar, a partir das 8h30, a 15ª Abertura da Colheita do Arroz Agroecológico do MST.

 

*Editado por Maura Silva