“Agroecologia e arte são meios de resistência”, diz Letícia Sabatella
Por Ana Carolina Caldas
Do Brasil de Fato
Com a Trupe dos Encantados, grupo cultural do MST, a atriz Letícia Sabatella saudou os presentes à 17ª Jornada de Agroecologia, no Teatro Guaíra, com música e cordéis. Destacou em sua fala a importância da cultura brasileira como resistência. Em entrevista exclusiva para o Brasil de Fato, a atriz relata seu aprendizado com as tribos indígenas sobre o uso da arte para a cura de si, do próximo e da sociedade. Também afirma que a agroecologia é um dos pilares para a construção de um futuro sustentável, mais justo e equilibrado.
A Jornada de Agroecologia, em sua 17º edição, é inédita por ser realizada num centro urbano. Como você vê essa aliança entre campo e cidade e também a agroecologia como forma de luta e resistência?
Tudo vem da natureza, o que nos nutre, o que nos veste, o que nos embeleza, o que nos cura. A cidade é o processo já em outro estágio. Não pode, portanto, existir uma coisa dissociada da outra, pois a cidade é a natureza que se transformou em várias coisas, através de uma artesania humana e industrial. Como podemos pensar a sustentabilidade da nossa qualidade de vida sem considerar quem vive lá da agricultura familiar produzindo o alimento mais saudável que a gente na cidade pode ingerir. Nossas florestas, por exemplo, para terem essa magnitude, foram cuidadas por tribos. Tudo o que existe em termos de natureza precisa muito da colaboração humana como um ser que se perceba brotando da natureza tanto como.
Concretamente como fazemos essa conscientização sobre a importância do cuidar da vida?
O melhor raciocínio para que isso possa acontecer parte de um princípio muito amoroso, muito solidário, muito cidadão e muito democrático. A agroecologia une muitas causas. Falamos de consciência de igualdade, qualidade de justiça social, de justiça ao homem do campo, de justiça as nossas tribos, aos povos originários, aos povos quilombolas. A reflexão que temos que fazer é como podemos fazer justiça a todas as pessoas que produzem o que a gente come e veste.
Como você vê o papel da agroecologia nas crises que vivemos em todo o mundo?
Onde podemos encontrar o equilibro de uma sociedade que possa ter o bem como maior força. A agroecologia nos ensina a ser, e não a ter. O equilibro que vai gerar a sustentabilidade, vai gerar perenidade, vai permitir que a gente continue existindo, que possamos ter um pensamento utópico realizado e evitar o pensamento adoecido. Quantas doenças podem deixar de existir se trouxermos mais equilibro para nossas vidas, ter alimento e água de qualidade, ter sombra, acolhimento. Isso faz parte do cuidar do corpo, do corpo do próximo e do corpo que é a terra, que nos nutre. Não podemos ver a terra como recurso que vai gerar recurso imediato, mas como um ser sagrado, uma casa.
Você se apresentou na abertura da Jornada da Agroecologia com o grupo de cultura do MST, que tem uma tradição importante de unir arte e a política de resistência. Qual a importância da voz dos artistas nesta atual conjuntura?
É total importante o papel da cultura. Eu conheci a tribo Kraô, e nela a figura do palhaço Rotxuá. Era algo que eu intuía e vivia, que o palhaço sagrado que são artistas ali na tribo, um cantador, são fundamentais para que exista saúde na tribo. O palhaço na tribo é tão importante quanto o cacique e o pajé. É fundamental a existência desse ser que brinca e mostra o valor do diferente, do diverso, e que derruba autarquias, quebra autoritarismos, que faz a tribo ter uma autoestima e um olhar amoroso para o outro. Por isso acho que a gente só vai ter saúde, assim como ensinaram os romanos, mente sã, corpo são, se a gente tiver tanto espaços de sobrevivência quanto de transcendência. Então, a agroecologia e arte são meios de resistência para uma sociedade mais amorosa e justa. Através da arte trazemos saúde e esperança para saber driblar crises, carestia, tempos ruins.