“O objetivo é criminalizar a luta pela terra”, afirma dirigente do MST sobre matéria da Isto É
Por Janelson Ferreira
Da Página do MST
Em mais de 20 anos de atuação no Distrito Federal e Entorno, o MST sempre combateu a grilagem de terra na região. Fruto de uma relação espúria entre poder público e fazendeiros locais, a transformação irregular de terras públicas em latifúndios, contribuiu para um desenvolvimento desigual do campo nos arredores da capital
federal. E a consequência dessa situação pode ser verificada nos dias atuais. O Movimento Sem Terra, buscando denunciar estas irregularidades, realizou, no último período, diversas ocupações em terras griladas. Defendendo a implementação de assentamentos e a construção da Reforma Agrária Popular, com produção de alimentos saudáveis. Diante dessa movimentação, o Movimento vem enfrentando forte pressão de setores conservadores do DF, ligados ao agronegócio e a especulação imobiliária.
A ofensiva mais recente se deu com uma matéria publicada no site da revista Isto É. O texto, publicado na última semana, tenta vincular a ação do MST na região a fazendeiros, empresários, grileiros e casos de corrupção numa clara demonstração de criminalização e perseguição.
Para falar sobre a histórica dinâmica antidemocrática do campo no DF e sobre a atuação de meios de comunicação – como a revista Isto É – no processo de criminalização das lutas populares, conversamos com Marco Baratto, da direção nacional do MST. Para Baratto, a matéria “é o retrato de uma mídia que não tem nenhum compromisso com a ética no jornalismo. Ela não tem a intenção de informar e não se enquadra em um padrão de jornalismo minimamente sério”.
Acompanhe:
Na última semana, a revista IstoÉ publicou uma matéria ligando o MST do Distrito Federal e Entorno a práticas de corrupção envolvendo grileiros, fazendeiros e latifundiários. Na sua opinião, qual a motivação e objetivo de uma matéria destas?
Essa matéria apresenta-se como uma das aberrações jornalísticas brasileiras na atualidade, é o retrato de uma mídia que não tem nenhum compromisso com a ética no jornalismo. Ela não tem a intenção de informar e não se enquadra em um padrão de jornalismo minimamente sério. É notório que não possui consistência alguma, não traz fontes, não investiga. Cita supostos “problemas de corrupção” de forma genérica, direciona informações frágeis do ponto de vista da notícia para confundir o público e formar opiniões superficiais sem o necessário aprofundamento e vínculo com a realidade.
O objetivo é criminalizar a luta pela terra e a Reforma Agrária no país. Para isso, tentam desestabilizar o MST, que é uma das principais forças políticas de combate ao agronegócio. Fica evidente que essa matéria tenta induzir a opinião pública e criar uma perspectiva favorável para enquadrar o MST como organização criminosa, estabelecendo relações com o Projeto de Lei do Senado Federal, em fase de consulta pública, que visa tornar crime toda e qualquer luta e ocupação organizada por movimentos como o MST e o MTST.
Além disso, é nítido que trata-se de uma matéria encomendada. Um ataque financiado por setores da especulação imobiliária da região que tem fortes ligações com a grilagem de terras e com o agronegócio.
Qual o contexto atual da luta pela terra no Distrito Federal?
O território pertencente hoje ao Distrito Federal foi criado a partir da desapropriação de diversas fazendas. Com a expansão da força de trabalho e após a inauguração da nova capital federal, parte destes trabalhadores foram empurrados para o entorno periférico de Brasília, ocupando um território que se mesclava entre cerrado e fazendas improdutivas desapropriadas. Esse processo formou o que conhecemos como Regiões Administrativas do Distrito Federal.
Parte das terras ficaram de posse da União na figura da SPU (Secretária do Patrimônio da União) e da Terracap (Companhia Imobiliária de Brasília) e, após a criação do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), parte também foi destinada aos servidores do órgão. Esse cenário impactou diretamente a luta pela terra na região, bem como as políticas de distribuição de terras.
Na década de 80, o então governador indicado pela ditadura militar, Joaquim Roriz, executou um projeto de doação de terras urbanas e rurais em troca de apoio político. Esse processo gerou um intenso movimento de ocupações irregulares de terras na região. Ou seja, parte das terras rurais e urbanas no DF foram ocupadas irregularmente e regularizadas posteriormente.
Logo, os latifundiários goianos, mineiros, gaúchos e paranaenses viram no entorno do DF a possibilidade de expandir suas fronteiras agrícolas com aval do governo, que acabou perdendo o controle sobre o que de fato era de domínio público.
Coube então aos movimentos de luta pela Reforma Agrária, em especial ao MST, durante os últimos 20 anos, ocupar parte destas terras públicas, que estavam irregularmente nas mãos de setores ligados ao agronegócio e à especulação imobiliária, e, por vezes, em associação entre estes dois setores.
Como as medidas tomadas em âmbito nacional (como MP 759, reforma trabalhista, PEC dos gastos, entre outros) estão afetando a situação da classe trabalhadora do DF no campo e na cidade?
O Distrito Federal hoje é o quarto maior centro urbano do Brasil, com quase quatro milhões de habitantes. Destes, cerca de três milhões vivem em regiões periféricas. A imensa maioria dos trabalhadores que vive nas periferias urbanas e em áreas rurais no entorno de Brasília são empregados em setores de serviços, autônomos -que atuam na informalidade – ou estão desempregados.
Assim como no restante do país existe no DF uma profunda dependência de serviços públicos, seja pela grande população de trabalhadores assalariados e desempregados que demandam esses serviços, ou por pessoas que vivem nas cidades goianas e mineiras no entorno do Distrito Federal. Esse cenário aliado ao corte de investimentos públicos em setores determinantes para os trabalhadores, como saúde, educação e transporte público geram uma verdadeira crise estrutural.
Já a MP 759 causa um impacto determinante para os assentamentos e comunidades de agricultores familiares na região. Com o corte de investimentos para as políticas de Reforma Agrária, a tendência é a queda dos recursos em infraestrutura produtiva para os pequenos agricultores. Com o avanço da regularização fundiária, eleva-se os investimentos privados de capitais neste setor, seja imobiliário, seja da agricultura capitalista, forçando o pequeno agricultor a se adaptar à lógica de mercado implantada nas áreas rurais. Sem condição de competir ou de investir, acaba sendo forçado a vender seu pedaço de terra, conquistado no suor da luta, ocasionando uma espécie de reconcentração de terras nas mãos de médios e grandes fazendeiros e de empresários da grilagem de terras.
Como o MST no DF se posiciona diante do cenário político nacional, de golpe, avanço da direita, ataque a direitos e outros retrocessos?
O MST vem construindo uma linha política nacional de enfrentamento ao governo golpista e a todas suas reformas antipopulares. Ao mesmo tempo, no campo da tática, continuamos avançando com nossos processos de organização dos trabalhadores rurais sem terra e intensificando nossa luta em um campo político complexo,
fortalecendo nossos assentamentos e acampamentos como territórios de resistência para construir um projeto de Reforma Agraria Popular. Mas também estamos nas lutas políticas mais amplas, contribuindo na construção da Frente Brasil Popular, contra o golpismo, contra o avanço da direita fascista e pela liberdade do presidente Lula e a garantia de seu direito de disputar as próximas eleições.
Neste sentido, nossa tarefa central tem sido reorganizar nossas formas de fazer luta, retomando o trabalho de base com o conjunto dos trabalhadores, estimulando o conjunto das forças de esquerda do país a sair para as ruas, conversar com o povo e elevar seu nível de consciência. É nítido para nós que para enfrentar o golpe e a
direita, precisamos ter um projeto político claro para o país, que tenha centralidade na vida dos e das trabalhadoras. Assim, pelo debate político e resgate das pautas históricas da esquerda, vamos recolocando de forma honesta o sentido da verdadeira política para a vida das pessoas. O governo golpista não se legitimou, não tem um projeto para o povo, a não ser retirar mais e mais direitos. Basta ver a baixíssima popularidade e desacordo com esse governo.
Por outro lado, a direita não tem unidade, não tem projeto. Esses que estão aí não passam em nenhum processo eleitoral minimamente responsável. Por isto temem Lula, que mesmo na condição de preso político, ganharia as eleições em qualquer cenário. Enfim, nossa resposta vai vir com luta, mobilização, organização, consciência
de classe e um projeto político que realmente mude a vida das pessoas, com justiça e igualdade.
Qual o papel de meios de comunicação, com a revista IstoÉ, no atual cenário político, econômico e social do país?
Os meios de comunicação de massa no Brasil são hoje um poder paralelo, um quarto poder. Não há limites, tudo pode quando se trata dos grandes veículos de comunicação.
A mídia hegemônica brasileira, seja a impressa, televisiva ou radiofônica, cumpre um papel político determinante, operando as principais fissuras democráticas no país nos últimos anos. Foi determinante no golpe militar de 1964 e recentemente uma das principais articuladoras do golpe parlamentar sofrido pela presidenta Dilma, em 2016,
em um conluio inescrupuloso com o judiciário e o legislativo. O papel que essa grande mídia cumpre é desinformar e construir notícias sem substância jornalística séria, com fatos que não condizem com a realidade concreta, forçando a população a acreditar que a informação passada, de forma superficial e carregada de posição política a partir de seus interesses, seja encarada como neutra, idônea.
Desta forma, em articulação com seus principais financiadores, que em grande parte são os maiores grupos econômicos do Brasil e do exterior, ditam as regras da política nacional assegurando, em primeiro lugar, sua condição de empresa que visa ter lucro máximo, e pior, à custa de concessões públicas e sem nenhum tipo de fiscalização e controle.
A revista IstoÉ demonstrou, em sua matéria da semana passada, a total falta de responsabilidade jornalística, demonstrando estar a serviço de grupos políticos conservadores que compram espaços em suas edições para caluniar, enganar o leitor e rebaixar o nível do jornalismo político e investigativo.
Hoje, o papel fundamental deste tipo de revista é formar a opinião pública, a partir de “matérias” pagas e de baixo conteúdo jornalístico com o intuito de atacar com mentiras e falsas notícias a esquerda brasileira e os movimentos sociais que ousam enfrentar os interesses da elite política e econômica deste país, os principais financiadores do ódio, dos esquemas de corrupção estrutural, das desigualdades e que tem nestes meios de comunicação suas principais fontes de manutenção de poder.
*Editado por Maura Silva