Marchas em busca de direitos marcam vidas de Sem Terra
Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
A luta do povo por seus direitos se deu de diversas formas ao longo da história da humanidade. A marcha é uma das mais expressivas e adotadas no Brasil por trabalhadores rurais Sem Terra, em mais de 30 anos de existência do MST. Anualmente, em todos os estados são feitas mobilizações nas ruas de cidades e em rodovias, em defesa da Reforma Agrária e de pautas que dizem respeito aos anseios da classe trabalhadora.
Uma das primeiras e mais importantes marchas do MST ocorreu em 1986, no Rio Grande do Sul. Cerca de 250 pessoas que ocupavam a Fazenda Annoni, na região Norte do Rio Grande do Sul, saíram em caminhada até Porto Alegre no dia 27 de maio, carregando uma grande cruz de madeira. Elas representavam as 1.500 famílias que estavam sobre o latifúndio improdutivo de 9.500 hectares em Pontão. A marcha, que foi de 450 quilômetros e durou 27 dias, tinha como reivindicação o assentamento dos Sem Terra e salário justo para os trabalhadores urbanos.
Seu Antônio de Souza, que tinha na época 27 anos e também era militante da Pastoral da Juventude, conta como foi fazer parte dessa marcha, chamada ‘Romaria Conquistadora da Terra Prometida’. “Nós discutimos nos grupos dentro do acampamento sobre a marcha e eu achei que devia participar. Era uma experiência nova, em que os momentos que mais marcaram foi a acolhida nas comunidades e os companheiros urbanos que vinham conversar e caminhar conosco até o final do turno ou a próxima parada”, relata.
Ele, que hoje vive junto com sua família num lote na antiga Annoni, explica como era a conjuntura há mais de 30 anos. “Estávamos saindo da ditadura militar, com José Sarney no Palácio do Planalto e aqui o governador era Jair Soares, do PDS. Fazíamos as coisas meio escondido, pois pensávamos que poderiam fazer alguma coisa para impedir a marcha. Mas o pior era saber que não tinha previsão de quando seria assentado e não ter dinheiro para comprar comida. Graças a Deus, igrejas e sindicatos nos ajudaram muito”, comenta.
Marcha de 1997
Outro momento de luta do MST se deu em 1997, um ano após o Massacre de Eldorado dos Carajás no Pará. No dia 17 de fevereiro, 1.300 Sem Terra iniciaram a Marcha Nacional por Emprego, Justiça e Reforma Agrária. O objetivo era chegar em Brasília no dia 17 de abril, quando se completava um ano do Massacre. Os Sem Terra partiram de três pontos diferentes do país: São Paulo (SP), Governador Valadares (MG) e Rondonópolis (MG).
Cada coluna percorreu em torno de 1.000 km, num período de dois meses. Ao chegarem em Brasília, cerca de 100 mil pessoas os aguardavam, numa demonstração de solidariedade àquela mobilização, que pautava a urgência da Reforma Agrária e a punição dos responsáveis pelo Massacre, além de celebrar pela primeira vez o Dia Internacional de Luta Camponesa.
Entre os marchantes estava a gaúcha Lúcia Marlei Rodrigues, então com 27 anos e acampada no município de Santo Antônio das Missões. Ela conta que recebeu a notícia da indicação do seu nome para participar da marcha com surpresa, pois seria um momento novo em sua vida e um grande desafio. “Eu sonhava com um mundo melhor, com um lugar melhor para viver, um cantinho que fosse meu”, recorda.
Um dos momentos mais marcantes para Lúcia, hoje assentada em Viamão, na região Metropolitana de Porto Alegre, foi a abertura da marcha, realizada na Praça da Sé em São Paulo. Ela conta que havia uma multidão no local, onde muitas pessoas declaravam apoio e outras proferiam xingamentos. Lúcia lembra que a solidariedade aos Sem Terra não se encerrou ali: várias comunidades e igrejas ao longo da jornada apoiavam a iniciativa.
“Nós lutávamos por terra e mais dignidade, por direito à moradia, saúde, educação e infraestrutura. Naquele ano o meu acampamento tinha 1.500 famílias, era o maior do Brasil, e o governador do Estado era Antônio Britto. A conjuntura era de desapontamento, as famílias não tinham apoio algum. Nós não tínhamos água, faltavam comida e professores no acampamento. O cenário estava muito ruim”, ressalta.
Marcha de 1998
Um ano depois, entre março e abril de 1998, aproximadamente 3.500 acampados do MST realizaram uma marcha para exigir a democratização do acesso à terra no Rio Grande do Sul. Divididos em três colunas, eles saíram de três lugares diferentes: de Piratini, na região Sul; de Santo Antônio das Missões, nas Missões; e de Jóia, na região Noroeste. O destino era Porto Alegre. Sidnei Santos, à época com 18 anos e acampado em Palmeira das Missões, na região Norte, conta que os marchantes da sua coluna caminharam mais de 500 quilômetros em cerca de 30 dias.
“Nós entravámos nas cidades, distribuíamos panfletos e fazíamos muitas atividades em escolas e universidades para denunciar o descaso dos governos com os Sem Terra e a importância da Reforma Agrária. Em Porto Alegre, montamos acampamento no Parque Maurício Sirotsky e fizemos mobilizações em frente ao Palácio Piratini, onde havia cerco da polícia e helicóptero sobrevoando, e no Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. Depois dessa marcha, começou a surgir vários assentamentos”, acrescenta.
Marcha de 2018
Este ano, trabalhadores acampados e assentados do MST se colocam mais uma vez em marcha para defender a democracia brasileira, que está enfraquecida após o golpe de 2016, os direitos do povo trabalhador e a liberdade de Lula, preso político desde o mês abril em Curitiba, capital do Paraná. A Marcha Nacional Lula Livre acontecerá de 10 a 15 de agosto e envolverá diversos movimentos populares do campo e da cidade rumo a Brasília.
Cerca de 5 mil pessoas de todos os estados estarão organizados em três colunas, que percorrerão cerca de 50 quilômetros cada uma. O objetivo é dialogar com a população das cidades em que passar sobre os reais problemas do povo brasileiro. Embora tenha participado de inúmeras marchas interestaduais e estaduais, quem vai pela primeira vez a uma marcha nacional é a assentada Silvia Reis Marques, 40 anos, dirigente nacional do MST pelo RS. “A expectativa é muito grande, pois a marcha é um instrumento valioso para ficarmos cara a cara com os trabalhadores e dizer que essa é uma luta justa, que é para todos e todas”, completa.
Silvia diz que as marchas são meios de construir junto a sociedade um novo projeto para o desenvolvimento do Brasil. Ela afirma que irá até Brasília porque acredita que somente o povo nas ruas poderá fazer as transformações necessárias no país. “Todos precisam se somar, camponeses, urbanos, trabalhadores de todas as categorias. É um momento muito importante para construirmos processos coletivos que possam mudar a realidade do Brasil. Marchar é mais que andar, é mostrar com nossos pés os nossos sentimentos. Estou indo por mim, pelos meus filhos, pelas futuras gerações, por todos os que sonham e lutam”, conclui.
*Editado por Rarielle Rodrigues