Dois anos de golpe no Brasil: violência e precarização do trabalho no campo

Acompanhe em uma série de três artigos o impacto do governo Temer no campo e o rastro destrutivo do agronegócio

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Por Kelli Mafort*
Especial para a Página do MST

Em maio de 2016 a presidenta Dilma foi afastada do cargo e, em 31 de agosto do mesmo ano, o golpe se consolidou com a aprovação do impeachment pelo Congresso Nacional, assumindo a presidência o seu vice, Michel Temer. De lá pra cá estamos enfrentando uma agressiva conjuntura de golpe sobre golpe, onde as elites já não mais disfarçam seus interesses de aprofundar os processos de subordinação do país aos ditames imperialistas, intensificar a exploração dos trabalhadores e trabalhadoras e aumentar de forma incontrolável a extração e mercantilização dos bens naturais e riquezas estratégicas como a água, a floresta e o petróleo.

O golpe é repudiado na opinião pública da sociedade brasileira, como indicam as pesquisas que apontam Lula, mesmo sob cárcere, como o favorito na disputa presidencial de 2018. Mas o golpe possui uma blindagem conferida pelo poder judiciário que tem atuado de forma extremamente parcial e autoritária. Além das questões políticas, o golpe avança sem ponderar sobre os direitos dos trabalhadores e de forma autoritária e impositiva, promove uma regressão secular no mundo do trabalho.

A grave decisão do Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (30), que autoriza a terceirização em todas as fases da atividade econômica, põe fim aos empregos com direitos, legaliza processos aviltantes de precarização do trabalho, fortalece as cooperativas de fachada prestadoras de serviço, exime de qualquer responsabilidade as grandes empresas do capital, tomadoras de serviços das terceirizadas, incentiva a “pejotização” entre os trabalhadores (cada individuo é um CNPJ), e de quebra contamina ainda mais o emprego formal, com a vulnerabilidade da precarização, característica da terceirização.

As medidas do golpe para o campo e o rastro destrutivo do agronegócio

O golpe tem pressa e suas medidas jamais seriam aprovadas nas urnas. Por isso, desde 31 de agosto de 2016, o ritmo empregado tem combinado pressa, choque e violência, ancorado num clima político de instabilidade que o próprio golpe proporciona, mas que não pode ser suportado por muito tempo. Não é exagero afirmar que o golpe é ruralista, mas aqui não estamos nos referindo a um agrupamento qualquer de fazendeiros chapeludos, armados até os dentes, como sugere o presidenciável Jair Bolsonaro. O golpe é do capital, é das empresas do agronegócio e da mineração, movidas pelo impulso ao saque, à extração e à exploração desmedida de um povo.

Um dos temas pautados pelos agentes do capital tem sido o da segurança jurídica sobre a exploração e o uso das terras, das águas salgadas e doces (incluindo os aquíferos), dos ventos, do subsolo e da biodiversidade. Neste contexto é que deve ser entendida a Lei 13.465/2017, que trata da regularização fundiária urbana e rural, que entre tantos outros pontos, tem a função de legalizar a grilagem de terras em até 2.500 hectares em todos os
estados que compõe a Amazônia legal. Outro aspecto dessa lei diz respeito à mercantilização da reforma agrária, conferindo títulos de domínio aos assentados e liberando a venda de lotes.

Na mesma direção segue o PL 4059/2012, que visa desregulamentar a aquisição de terras para estrangeiros, o que em larga medida já ocorre de forma ilegal através das imobiliárias rurais transnacionais tal, como a Radar (1) e outras. Existe ainda manifestação por parte da bancada ruralista em regulamentar o arrendamento de terras indígenas, o que aumentaria ainda mais a pressão do capital sobre estes territórios.

Outro aspecto importante diz respeito às renegociações e perdão das dívidas do agronegócio. No dia 10 de janeiro foi sancionada a lei 13.606/2018, do Funrural, permitindo um abatimento de cerca de R$ 50 bilhões no fundo que custeia a previdência rural; além disso, várias empresas do setor têm dívidas bilionárias com o INSS, como é o caso da JBS, que sozinha deve R$ 2,4 bilhões. Em outubro de 2017, o presidente Michel Temer editou decreto que isenta os ruralistas em até 60% da dívida sobre multas ambientais, convertendo o valor
correspondente em prestação de serviços.

Em relação à questão ambiental, o PL 3729/2004 pretende flexibilizar o licenciamento ambiental, liberando os empreendimentos e obras da obrigatoriedade de realização e aprovação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), o que traria consequências ainda mais desastrosas para o meio ambiente e também para as comunidades que são diretamente afetadas por tais projetos.

Na pauta agrotóxicos, com a aprovação do “pacote do veneno”, a mudança nas regras anteriores, tem sido tomada com velocidade espetacular e sem nenhuma observância aos direitos de saúde e de proteção ambiental, perpassando diversas áreas como a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem, a rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos.

Tudo isso atende diretamente os imperativos do capital, como Bayer / Monsanto, transnacionais produtoras de veneno que enfrentam restrições de comercialização na Europa, principalmente sobre o glifosato, justamente por conta dos graves riscos à saúde humana e ambiental.

As empresas de agrotóxicos contam ainda com um incremento nos seus lucros devido à isenções e desonerações fiscais, como ocorrido no estado de São Paulo que, segundo a Defensoria Pública Estadual, deixou de arrecadar R$ 1,2 bilhão em 2015, por não taxar as operações envolvendo agrotóxicos.

1 – Radar é uma empresa brasileira incorporadora de terras e imobiliária rural, ligada ao grupo Cosan, maior produtor de açúcar do Brasil. A Radar Foi criada em 2008 e apesar de ser uma empresa brasileira, seu maior acionista é o fundo de investimento TCGA (através da Mansilla Participações S/A). (ACTION AID, 2017)

 

* Kelli Mafort é integrante da coordenação nacional do MST