Teatro Político estuda a vida da Sem Terra Roseli Nunes
Por Maiara Rauber
Da Página do MST
Despertar o pensamento crítico a partir da arte é um dos pilares do grupo Cia Burlesca, criado por Mafá Nogueira. Desde 2008, o atual diretor da companhia busca expandir a sua iniciativa de São Paulo para a capital brasileira e ao longo dos anos, artistas se somaram às atividades desse Teatro Político.
Integrantes do grupo se deslocaram para o Rio Grande do Sul, no último dia 16, com o intuito de realizar pesquisas para um futuro espetáculo. Quatro dos sete compositores da Cia Burlesca (Julie Wetzel, Lyvian Sena, Pedro Caroca e Pedro Henrick) estiveram em assentamentos da Reforma Agrária, na região Metropolitana de Porto Alegre e na região Norte do RS, para obter informações relacionadas ao legado da lutadora Roseli Nunes.
Os repertórios dos espetáculos da companhia questionam e provocam a reflexão para desmascarar a realidade, problematizar estereótipos, preconceitos, a manipulação da informação e as disputas de poder. Tendo como fonte de inspiração a luta de classes, o grupo procura, por meio da linguagem popular, colocar em pauta temas que promovam a ascensão da classe trabalhadora, a partir de uma cultura política mais humana e igualitária.
As ações realizadas, tais como apresentações de peças e oficinas teatrais, possuem como público alvo as escolas públicas, periferias, parques, metrôs e feiras. Para o grupo, ao ocupar esses espaços é fundamental destacar a importância da ação do Estado na promoção de políticas públicas que tenham como um dos principais objetivos a democratização do acesso às atividades culturais. Portanto, o formato que é trabalhado pelos atores visa abraçar todas as idades, classes e lugares.
Para Lyvian Sena, integrante da Cia Burlesca, estar nesses locais é uma forma de experimentar e criar vários espaços de resistência. “A companhia é um espaço de aprendizagem com uma perspectiva revolucionária”, pontua.
Guerreiras de ponta a ponta do Brasil
Lutas que se complementam. Esse é o foco da próxima história que o grupo de teatro busca produzir. Ainda na fase de pesquisa inicial, o projeto objetiva tratar no Sul do Brasil o legado de Roseli Nunes, lutadora pela Reforma Agrária e defensora dos direitos das mulheres. Também trará uma história do Norte do país sobre a resistência feminina na esfera sindical brasileira, a qual é a marca de Margarida Alves, primeira mulher presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
A primeira etapa na produção de uma peça é a pesquisa do seu objeto. Neste caso, são dois. Portanto, a Cia Burlesca escolheu iniciar seus estudos em áreas em que Roseli Nunes foi protagonista.
Durante a ocupação da Fazenda Annoni, a maior já realizada por famílias organizadas no MST no território gaúcho, a então acampada se somou às fileiras de uma marcha de 300 quilômetros até Porto Alegre. Em 1987, Roseli e mais dois camponeses foram assassinados e outros 14 ficaram feridos, em um protesto contra as altas taxas de juros e a indefinição do governo em relação à política agrária que se estendeu por vários municípios.
Para obter maior proveito nas pesquisas, os integrantes da Cia Burlesca, além de visitar a antiga Fazenda Annoni, conversaram com companheiros e companheiras de luta da acampada, com o intuito de relembrar as suas ações marcantes.
Pedro Caroca, artista da companhia, destaca que sentiu nos relatos os ideais defendidos por Roseli. “Todos diziam a mesma coisa sobre ela e todos continuaram com o que ela pregava. E isso foi genial, foi incrível”, conta.
Outro integrante do grupo teatral, Pedro Henrick, considerou essa uma experiência importante, tanto pessoal quanto para o espetáculo a ser produzido. “Quando você chega no local e as pessoas vão te contando, você vê que elas todas são a Roseli, ela está ali nelas”, descreve. Já para Julie Wetzel, membro do Teatro Político, o estudo nos assentamentos se tornou um acúmulo de histórias e de sensações.
Uma liderança feminina silenciada pela história
O principal objetivo do grupo ao chegar à região Metropolitana de Porto Alegre foi buscar conhecimento em torno da história de Roseli Nunes. Contudo, a Cia Burlesca aproveitou para apresentar um de seus espetáculos e realizar oficinas teatrais nos locais em que passaram.
A companhia esteve em dois assentamentos da Reforma Agrária. Mas antes, foram à Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan) em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre. De acordo com a assentada Reni Maria Rubenich, foi a primeira vez em que uma companhia de teatro esteve no assentamento.
Inicialmente, os integrantes realizaram entrevistas e falas com companheiras sobre seu objeto de pesquisa – Roseli Nunes-. Em seguida, os atores realizaram a apresentação da peça Santa Dica. “O teatro deles foi acima da nossa realidade”, comenta Reni.
O espetáculo conta a vida de Santa Dica em 1920, uma liderança política de Goiás esquecida pela história. A Cia Burlesca resgata a luta dessa mulher, especialmente pela democratização do acesso à terra. À época, Dica criou uma república com princípios de solidariedade e de bem comum.
Os assentados se reconheceram na história da Santa Dica, pois trata sobre um grupo que se organizou em busca de terra e de igualdade social. “Todo mundo trabalhava junto, não tinha comida, nem dinheiro. Então nos identificamos muito com essa história”, explica Reni.
Já em Pontão, na região Norte gaúcha, a Cia Burlesca finalizou suas pesquisas no RS na Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata (Cooptar). O assentamento visitado está localizado na antiga fazenda Annoni, tendo um significado diferente para os integrantes do Teatro Político. Como obra do destino, de acordo com Lyvian, o grupo acabou por realizar a centésima apresentação do espetáculo Santa Dica em um lugar historicamente marcado pela luta da terra.
*Editado por Wesley Lima.