Assentamento Luiz Beltrame denuncia riscos de despejo

Ação conjunta do judiciário e ex-proprietário ameaça 18 famílias

 

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Foto: Acervo do MST em São Paulo

Da Página do MST

 

O Assentamento Luiz Beltrame, localizado em Gália, interior de São Paulo, divulgou uma carta relatando a ameaça de despejo de parte do assentamento. Após manobra política envolvendo o Judiciário e proprietários, as 18 famílias que produzem na fazenda de Santa Fé (Recreio Gleba 3) podem ser retiradas, inclusive com uso da força policial.

 

A área havia sido desapropriada em 2010 por improdutividade e, desde então,  o assentamento foi se consolidou, desenvolvendo intensamente a produção agrícola e laços comunitários. O  ex-proprietário que pede a devolução é um dos maiores empresários de fabricação de embalagens de plástico da América Latina.

 

Mesmo com ganho de causa por parte do INCRA em algumas instâncias, o assentamento Luis Beltrame vem sofrendo com uma grave ofensiva jurídica e política desde a decisão da juíza. Abaixo confira a história e posição oficial do assentamento sobre a situação:

 

CARTA ABERTA À SOCIEDADE
sobre os riscos de despejo no Assentamento Luiz Beltrame (Gália/SP)

 

Nós, as 77 famílias assentadas no Assentamento Luiz Beltrame, município de Gália, viemos a público denunciar o grave risco de despejo de parte do assentamento.

 

Histórico

O assentamento originou-se a partir da luta do acampamento Luiz Beltrame em 2009. As famílias viveram por quatro anos debaixo da lona preta e protagonizaram diversas lutas até a conquista da terra, quando as famílias Sem Terra puderam ser assentadas e passaram a produzir alimentos saudáveis com fartura e dignidade.

 

Em 2010, duas fazendas foram desapropriadas por improdutividade no município de Gália: a fazenda Santa Fé (Recreio Gleba 3) e Portal do Paraíso. Com isso, as famílias passaram por processo de homologação em 2013 e regularização legal por parte do INCRA. Desde então o assentamento foi se consolidando, desenvolvendo intensamente a produção agrícola e laços comunitários efetivamente sólidos.

 

No entanto, o ex-proprietário da fazenda Santa Fé (Recreio Gleba 3), desde o início, não aceitou o ato desapropriatório e a reintegração de posse. Ele recorreu na Justiça para conseguir a fazenda de volta e retirar as 18 famílias assentadas nesta área. Durante a tramitação do processo em algumas instâncias houve o ganho de causa por parte do INCRA, bem como a permanência das famílias na área. Este processo jurídico permaneceu por cinco anos tramitando na Vara Federal de Marília, até que foi transferida para a Vara Federal de Bauru.

 

Devido ao atual momento político, de retrocessos, perdas de direito, conservadorismo e parcialidade do judiciário, houve manobra política por parte do ex-proprietário resultando em vitória no STF contra o INCRA. A decisão da Juíza Federal substituta Maria Catarina de Souza Martins Fazzio implica em despejar as 18 famílias da Fazenda Santa Fé, inclusive com uso da força policial e repassar a posse em favor do ex-proprietário Ivan Cassaro, um dos maiores empresários de fabricação de embalagens de plástico da América Latina e proprietário de diversos latifúndios na região.

 

Podemos comprovar em números e imagens que nestes cinco anos houve total reversão de uma área completamente improdutiva em de alta produtividade, por parte das famílias, mesmo sem ter tido o apoio em financiamentos por parte do Estado.

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Foto: Acervo do MST em São Paulo

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             Produtividade do Assentamento

 

Mesmo num assentamento precarizado e sem investimentos em infraestrutura e créditos, segundo estimativas da safra de 2018, o assentamento produziu e comercializou 10.500 toneladas de mandioca, 100 cabeças de gado, 300 toneladas de mandioca pré-cozida, 5 mil caixas de maracujá, 200 sacas de feijão orgânico, 50 mil dúzias de milho verde, 2 mil caixas de quiabo, 8 mil toneladas de manga, entre outros produtos hortifrutigranjeiros.

 

Além disso, há reconhecimento da sociedade em torno das experiências agroecológicas, valorizadas e consolidadas de produção em Sistema Agroflorestal. Nossas experiências foram divulgadas em diversos meios de comunicação convencionais e alternativos como a TV UNESP e um artigo de autoria da professora Dra. Silvia Adoue , publicado na página da UNESP sobre o Assentamento Luiz Beltrame e suas ações em prol da alimentação saudável, o combate aos agrotóxicos e pulverização aérea (http://unan.unesp.br/destaques/29880/artigo-o-veneno-que-vem-do-ceu&pagina=1).

 

Reconhecimento da sociedade

 

O assentamento desenvolve parcerias com importantes entidades da sociedade civil visando melhorias nas condições de vida e o pleno desenvolvimento de áreas como saúde, educação, produção agrícola e formação técnica. Entre elas está as parcerias como a UNESP/Marília, APEOESP/Bauru, Secretaria de Saúde do município de Gália e apoio da prefeitura municipal. No Luiz Beltrame existe um Centro de Saúde com atendimento médico feito pelo SUS, bem como o acompanhamento do programa Saúde da Família juntamente com o importante trabalho do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) – o Grupo “Severinos” – que atua na prevenção da saúde das famílias assentadas.

 

As famílias participam efetivamente da organização comunitária e, a partir disso, foram beneficiadas  com um projeto de comercialização via programa Microbacias, cujos recursos oriundos dos governos estadual e federal e Banco Mundial foram aplicados em poços artesianos, estradas, caminhão, trator, carreta, visando a melhora da infraestrutura de comercialização e escoamente da produção agrícola.

 

A comunidade também tem levado a cabo a luta contra os agrotóxicos e a pulverização aérea em torno do assentamento, tendo em vista que isso traz enormes consequências para a saúde dos seres vivos. Um vídeo-documentário foi produzido para denunciar a situação (https://youtu.be/y1bLJB1ebcc) e a divulgação contou com ampla mobilização de entidades ambientalistas.

 

Parte da produção do assentamento é comercializada diretamente com a população através de feiras e cestas agroecológicas. Toda essa produção é garantida sem o mínimo de financiamento e de recursos, tendo em vista que em cinco anos as famílias não receberam nenhum tipo de crédito de apoio à produção como o Pronaf, por exemplo, e nem mesmo o fomento inicial foi liberado. Créditos estes que são fundamentais e de direito das famílias e previstos nos programas nacionais de desenvolvimento dos assentamentos.

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Foto: Acervo do MST em São Paulo

Responsabilidade do INCRA

 

Denunciamos também a negligência e inoperância do INCRA em relação ao acompanhamento do processo, uma vez que é parte principal do mesmo e demonstrou desinteresse em recorrer quando do julgamento no STF em favor do proprietário, dando margem para a juíza acelerar a sentença final. Há falta de responsabilidade do Órgão no tocante às condições de estrutura, apoio, créditos e assistência técnica deixando as famílias totalmente desassistidas.

 

Parcialidade do Judiciário

 

Diante de todo o exposto, concluímos que há uma Justiça cega, parcial e INJUSTA, que julga em favor do latifúndio reafirmando o histórico de desigualdade social e violência os pobres do campo. Portanto, nossa indignação com essa decisão. Mais uma vez impera a lei em favor da oligarquia agrária, parasita do Estado e improdutiva, que gera fome, miséria, desigualdade social, violência e exclusão.

 

Reafirmamos nosso compromisso de lutar pela defesa e manutenção da conquista do nosso território. Seguiremos em batalha entrincheirando-nos para que haja Justiça Social com aqueles que realmente pertencem à terra, que nela trabalham e nela produzem.

 

Terra para quem nela trabalha e vive!

 

*Editado por Fernanda Alcântara