Projeto “Teia de Comunicação Popular do Brasil” completa um ano
Por Sheila Jacob
Do Site Brasil de Fato
De norte a sul do Brasil, existem muitas e diferentes experiências de comunicação contra-hegemônica. São jornais impressos, blogs, sites, coletivos de fotografia, programas de rádio e de TV que se dedicam a divulgar informações a partir da perspectiva dos trabalhadores, quilombolas, povos originários, sindicalistas, sem-terra, sem-teto e artistas populares. Pelas lentes dessas iniciativas, é possível conhecer o Brasil que sofre com a opressão, mas que também se organiza na resistência e na luta por direitos.
Como uma forma de reunir e dar visibilidade a essas experiências, foi lançada, no dia 15 de março de 2018, a Teia de Comunicação Popular do Brasil. Pelo site teiapopular.org, atualizado diariamente, é possível ter acesso a informações do Paraná, Tocantins, Pará, Maranhão, Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro e outros estados. Elas também podem ser conferidas na página do Facebook da Teia e no Instagram.
Como disse Valéria Barbosa, comunicadora da Cidade de Deus que esteve presente no lançamento da Teia, “um grito sozinho é só um grito. Já um grito lido, ouvido por muitos, se transforma em reivindicação, em mobilização, em fortalecimento de direitos, salvaguarda de memórias. Documenta a vida dos invisíveis”. O jornalista Gustavo Barreto, colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), avalia de forma semelhante: “A palavra teia vem da ideia de tecer. Tecer é compor, organizar, entrelaçar. Este é justamente o momento para os movimentos sociais, que precisam novamente se recompor e se fortalecer para as pautas que se apresentam nesse governo que se inicia”, ressalta. Para ele, a Teia de Comunicação Popular é a melhor forma de os trabalhadores se articularem frente a esse desafio.
Os idealizadores do projeto são os jornalistas Claudia Santiago e Emílio Azevedo. Ela é coordenadora e fundadora do NPC, uma referência nacional no tema da comunicação popular e sindical. Ele é um dos fundadores do Jornal Vias de Fato e membro da coordenação da Agência Tambor, de São Luís do Maranhão.
Como Azevedo lembra, dar espaço a vozes diversas é uma pauta antiga no Brasil, pois a nossa mídia é extremamente concentrada. Ele avaliou que a experiência do NPC, com a formação de comunicadores populares e sindicais, facilitaria a execução de um projeto de articulação de diferentes experiências de comunicação já existentes no país.
“Em 2017, tive a oportunidade de ir duas vezes ao Rio de Janeiro, onde conheci e conversei com Claudia Santiago. Nesse processo, sugeri a ela uma articulação que pudesse aproximar e potencializar variadas experiências. Criar uma rede de solidariedade. Não era uma proposta nova, evidentemente. A única novidade seria a participação do NPC em uma rede envolvendo vários estados”, conta Azevedo.
Claudia Santiago comenta que, quando Emilio apresentou a proposta, ela logo topou a ideia. “A criação da Teia era uma necessidade que vinha de longe. As pessoas que participam dos cursos anuais do NPC nos pediam isso. Juntos, nos dedicamos durante os três primeiros meses de 2018 a elaborar pesquisas, planos, folder, jornal, site e conquistar pessoas para essa aventura”, afirmou.
A jornalista ainda ressaltou os objetivos naquele momento: “Estávamos preparados para o que viesse. Menos para o assassinato de Marielle Franco, no dia anterior ao lançamento da Teia, no Fórum Social Mundial, em Salvador. Engolimos o choro e fomos em frente. Eu sabia que o NPC deveria cumprir esse papel de aglutinar movimentos e sindicatos com os quais convivemos há 25 anos em um Teia de Comunicação Popular”, diz a coordenadora do NPC.
Para ela, a Rede Nacional de Jornalistas Populares(Renajorp), assim como a Teia, cumpriu esse papel de aglutinador de comunicadores populares, na década de 1990. Só que sua atuação se dava exclusivamente no Rio de Janeiro. Depois veio a Rede de Comunicadores do NPC. A Teia é consequência desse movimento.
LANÇAMENTO
O lançamento oficial se deu durante o Fórum Social Mundial (FSM), em Salvador, na Bahia. Na ocasião, estiveram reunidas cerca de 70 pessoas: militantes sociais, sindicalistas, trabalhadores, comunicadores populares e alternativos de diferentes estados. Participaram do lançamento da Teia, representando o NPC, Claudia Santiago, Reginaldo Moraes, Luisa Santiago, Mario Camargo, Eric Fenelon, Emilio Azevedo, Joka Madruga e Juan Leal.
“Lembro bem quando eu, Luisa Santiago e Claudia Santiago conversamos pela primeira vez, num café no Centro, sobre a ideia do NPC impulsionar uma plataforma que viabilizasse a consolidação de uma rede nacional de comunicação popular. E quem conhece a Claudia sabe que, quando ela resolve realizar algo, tudo se move junto. Parece que a loucura e a realidade são mesmo faces de uma mesma moeda”, conta Juan Leal, um dos fundadores da Teia.
O 15 de março foi um dia especial pela novidade, mas também de dor e de luto. No dia anterior (14) a vereadora Marielle Franco (PSOL), muito próxima do NPC, havia sido vítima de execução sumária, crime que, até hoje, não foi esclarecido. “Posso dizer, sem medo de errar, que a Teia é filha do Curso de Comunicação Popular do NPC. O curso foi criado no início dos anos 2000 devido aos assassinatos nas favelas do Rio de Janeiro, o que, infelizmente, se repete até hoje.
Entre os primeiros alunos, estavam a hoje deputada estadual Renata Souza (PSOL), Gizele Martins, Rosilene Ricardo, José Carlos, Naldinho Lourenço, Rondinele Barbalho. O que essas pessoas tinham em comum? O pré-vestibular do Ceasm, na Maré. É de lá que também conhecemos Marielle Franco”, lembra, emocionada. Como ela afirma, o curso do NPC tem o objetivo de apoiar a luta por direitos de moradores de favelas, através do incentivo à Comunicação Popular. E foi com o mesmo propósito que foi lançada a Teia
A TEIA EM FUNCIONAMENTO
A Teia já tem, como parceiras, experiências como a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço); o jornal e site Terra Sem Males, de Curitiba (PR); a Rádio Tambor e o jornal Vias de Fato, ambos de São Luís (MA); a Rádio Classista, de Fortaleza (CE); a Rádio do Trabalhador, de Goiânia (GO); o Centro Sabiá, de Recife (PE); os jornais comunitários CDD Vive e Abaixo Assinado, do Rio de Janeiro; o projeto Jornalismo B, de Porto Alegre (RS), além dos blogs O Furo, de Rogério Almeida, do Pará; e do jornalista maranhense Ed Wilson Araújo. São, ainda, constantemente divulgadas notícias do MST, MTST, MAB, CPT, CIMI, Brasil de Fato, Outras Palavras, dentre outros portais.<
Wesley Lima, do setor de comunicação do MST, esteve presente na atividade de lançamento da Teia. Para ele, os diversos movimentos e organizações populares brasileiras têm percebido que a unidade das lutas é fundamental. E uma dessas pautas comuns tem sido a da comunicação popular, alternativa, pautada pelos interesses dos trabalhadores. “Um dos instrumentos que representam a unidade nesse campo específico é a Teia de Comunicação Popular do Brasil. Ter essa plataforma, como um espaço que aglutine uma diversidade de organizações, sujeitos e movimentos, é a base concreta para pensar o processo de construção de uma sociedade diferente”, afirma.
A jornalista Marina Valente ressaltou que, mesmo com a dificuldade de se fazer comunicação de resistência, muitos veículos vêm surgindo pelo Brasil. “Apesar de não ter a estrutura e o investimento necessários, a comunicação que dialoga com a classe trabalhadora vem acontecendo mesmo assim. É realmente uma resistência diária”, afirma Nina, que faz parte da equipe da Metamorfose Comunicação e é apresentadora do programa Democracia no Ar, da Rádio Atitude Popular.
Como existem esforços tanto de mídia sindicais quanto de movimentos populares no Brasil inteiro, ela considera excelente haver um espaço como a Teia que aglutine essas diferentes ferramentas de comunicação. “A Teia faz um excelente trabalho de redistribuição, de nos colocar em contato com outros comunicadores e promover esse diálogo entre nós”.
Essa é também a opinião da jornalista Tatiana Lima, colaboradora do NPC e professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). “O objetivo da Teia é, como diz o nome, funcionar como uma rede, fazer o sul saber o que se passa no norte, o centro-oeste conhecer melhor o nordeste etc. É procurar sempre dar visibilidade ao que não aparece nos jornais impressos nem nas telas dos computadores e celulares”. Segundo a jornalista, para que se fortaleça, é necessário que esse projeto seja apropriado por todos os coletivos e organizações que produzem e valorizam esse tipo de conteúdo.
A TEIA E OS SINDICATOS
Trabalhadores e trabalhadoras do Brasil passam por um momento difícil. Seus direitos vêm sendo cada vez mais atacados com propostas como, por exemplo, a da reforma da previdência, apresentada pelo atual governo. Ana Palmira, diretora de comunicação do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), lembra que a comunicação comprometida com os interesses dos trabalhadores é fundamental para lutar contra ataques como esse. Daí a importância de os sindicatos se somarem à Teia. “Penso que a Teia pode ser um importante agente difusor de informações esclarecedoras sobre o que vem acontecendo. Pode, por exemplo, contra-atacar as ‘falsas verdades’ que estão sendo repetidas à exaustão como forma de justificar a reforma”, afirma.
Para que essa aproximação ocorra, Eudes Xavier, ex-deputado federal pelo PT do Ceará e de trajetória sindicalista, sugere que a Teia deve se articular com as centrais sindicais de esquerda e com as áreas de comunicação de diversos sindicatos. Outras sugestões são dar cursos e oficinas para comunicadores e militantes, e criar coletivos regionais de debate e ações de fortalecimento da Teia.
DESAFIOS
Um dos principais desafios da Teia é ampliar o número de experiências envolvidas com a proposta. Nesse sentido, as tecnologias de informação e comunicação têm sido importantes aliadas. “Essa batalha está em curso, e precisamos nos aperfeiçoar e utilizar de modo decisivo essas tecnologias. A Teia não pode abrir mão dessas ferramentas, pois são elas as nossas aliadas da comunicação popular. É um passo importante que a Teia está dando”, avalia o jornalista Gustavo Barreto.
No entanto, como reconhece Emilio Azevedo, investir apenas nessa forma de comunicação não é suficiente. “Apesar de toda a modernidade na comunicação via internet, existe muita gente isolada, com suas pautas silenciadas”, diz. Ele também reconhece que uma fragilidade é o fato de o Brasil ser um país de dimensões continentais, com grandes diferenças regionais, onde as experiências de comunicação alternativas e populares enfrentam uma realidade bem difícil. “Por um lado, essas experiências lidam com uma pauta árida, marcada pela violência, fruto dos graves problemas sociais e políticos do Brasil. Por outro, essas mesmas experiências encontram dificuldade até mesmo para sobreviver, para existir, para se manter. O Brasil vive um momento bem difícil de sua história. Diante de tudo que vem acontecendo, talvez o maior desafio seja não desistir”, avalia Azevedo.
“Como a palavra desistir não existe no meu vocabulário, considero que o maior desafio é ampliar a capacidade de comunicação entre os membros da Teia, em um país do tamanho do Brasil, como diz Emilio. Mas as novas tecnologias estão aí para isso mesmo. Vamos fazer os encontros presenciais que forem possíveis por regiões, e trabalhar juntos pelo mundo virtual”, desafia Claudia.
Nos próximos meses, ela participa de reuniões de articulação da Teia. Em abril será em São Paulo e, em maio, em Fortaleza e Macapá.
Edição: Mariana Pitasse