Audiência Pública debate pulverização aérea em Mirante do Paranapanema (SP)

Uso de agrotóxicos em plantações de cana-de-açúcar submete a população urbana e rural à doenças

 

audiência-mirante [3].jpeg
Audiência no município de Mirante do Paranapanema debate regulamentação da pulverização aérea de agrotóxicos/ Fotos: Ana Terra Reis

Por Ana Terra Reis – Setor de Produção do MST em São Paulo
Da Página do MST

 

Na noite desta segunda-feira (8), realizou-se no município de Mirante do Paranapanema, interior de
São Paulo, uma audiência pública com o objetivo de debater a lei municipal que regulamenta a pulverização aérea de agrotóxicos.

O Pontal do Paranapanema destaca-se como o território de maior concentração de famílias assentadas no Estado de São Paulo. São 117 assentamentos que ocupam 150 mil hectares, onde 7.200 famílias seguem resistindo e produzindo a vida, a partir da luta pela terra que se iniciou nos anos de 1980.

O Pontal tem se destacado também pelos inúmeros casos de contaminação dos assentamentos por agrotóxicos, o que tem afetado a produção de hortaliças e causado perdas econômicas às famílias que produzem bicho-da-seda, inseto economicamente importante por ser produtor primário da seda.

Desde 2008, a morte desses insetos e a pulverização aérea nas lavouras de cana-de-açúcar tem atingido em cheio os assentamentos. Para além do prejuízo, pesquisas realizadas pelo Coletivo de Estudos em Trabalho, Ambiente e Saúde (CETAS) indicam a contaminação de águas e o desrespeito à preservação ambiental e à legislação trabalhista. Essa pulverização também  submete a população urbana e rural aos riscos da expansão do agrohidronegócio canavieiro na região do Pontal, denúncias que também têm sido feitas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Tal realidade tem levado a debates sobre a regulamentação da pulverização aérea nos municípios da região. Sandovalina, por exemplo, aprovou uma lei municipal no final de 2018, que proíbe a pulverização em áreas onde existam cultivos da agricultura familiar. No mesmo município, sob coordenação do Ministério Público Estadual, por meio do GAEMA (Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente), foi estabelecido um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para limitar a pulverização aérea a dois mil metros de locais a serem preservados.

Desde o final do ano de 2018, iniciou-se a tramitação em Mirante do Paranapanema de uma lei municipal de autoria do vereador Vinícius dos Santos Donato com o objetivo de proteger a produção dos assentamentos e regulamentar os critérios para a pulverização aérea. A lei foi aprovada pela Câmara Municipal por 7 votos a 1, mas vetada pelo prefeito do município. Em decorrência deste veto encaminhou-se a realização de uma Audiência Pública que debatesse o tema e trouxesse elementos que pudessem esclarecer a importância desta legislação para o município.

O clima da audiência pública era tenso. As redes sociais novamente desempenharam um papel de disseminação de fake news, onde se afirmava que quem apoiasse a lei de regulamentação do uso dos agrotóxicos era contra a empresa e seus empregados. Durante a audiência estiveram presentes muitos funcionários uniformizados que foram convencidos de que era preciso defender a pulverização a área.

Com 16 pessoas inscritas, falaram sobre o tema assentados, dirigentes de movimentos sociais, pesquisadores de universidades e representantes das indústrias canavieiras. O argumento das empresas trazia forte viés econômico com o objetivo de explicar que, independentemente da saúde da população, havia que se pensar nos aportes financeiros decorrentes de salários e impostos, acentuando o argumento de que a atividade de produção canavieira seria inviabilizada gerando desemprego no município.
Importante lembrar que em Mirante do Paranapanema são apenas 399 empregos gerados nas lavouras de cana – que ocupam 22,2 mil hectares de terra e despejam, em média, 16 milhões de litros de agrotóxicos por safra/ano.

Para Zelitro Luz, da direção nacional do MST, este modelo vai contra os interesses das famílias assentadas.

“Nós queremos vida em abundância no campo, queremos comer bem. Queremos que as abelhas cumpram sua função de converter flores em frutos e que estes frutos possam se converter em vida. Nós, assentados, assumimos o compromisso de trazer mais vida para Mirante. O povo merece produzir com dignidade”, afirmou.

Mércia Cristina Rodrigues Batata Lopes, do Grupo de Saúde do Trabalhador da Vigilância Sanitária de Presidente Venceslau, afirmou que o bicho-da-seda é um indicador da intoxicação e questionou: “Se eles estão morrendo, o que está acontecendo com os trabalhadores que aplicam cerca de 52 diferentes substâncias para a produção de cana-de-açúcar?”.

O professor da Unesp de Presidente Prudente, Raul Borges Guimarães, afirmou que estudos realizados em Mirante do Paranapanema comprovam que há deriva das pulverizações (quando a aplicação não atinge o local desejado) realizadas em municípios vizinhos e que, em 96% do tempo, as pulverizações aéreas não têm condições climáticas de serem realizadas, especialmente quando se consideram fatores de umidade relativa do ar, velocidade dos ventos e temperatura. O pesquisador alertou ainda para a relação existente entre o avanço na produção de cana-de-açúcar e o número de óbitos por câncer no município, especialmente no período entre 2003 e 2016.

Já para o professor Antonio Thomaz Junior, também da Unesp, a audiência pública foi espaço importante para abordar diferentes perspectivas sobre o processo expansionista da cana-de-açúcar, como a concentração de terras, de renda e de capital, além de desigualdades e destruição ambiental no Pontal do Paranapanema. Segundo ele, ainda faltam elementos importantes a serem debatidos sobre a questão dos agrotóxicos em Mirante do Paranapanema.

“O que estamos propondo à comunidade é a reflexão de um modelo de desenvolvimento. O monocultivo de cana-de-açúcar defende que para alcançar êxito é preciso destruir as condições mínimas de vida dos animais e do ambiente de maneira geral, depredando condições dignas de trabalho. Estamos cumprindo um papel importante no meio acadêmico e no contexto regional ao consolidar um coletivo crítico, pautado em princípios que nos unem e que nos remete à responsabilidade de continuar pesquisando e dialogando acerca dos impactos da atividade canavieira no Pontal do Paranapanema”.

No próximo dia 16 de abril, a Câmara Municipal deve votar se acata ou refuta o veto do prefeito. Os vereadores do município comprometeram-se a manter o diálogo de forma a construir uma legislação protetiva, ainda que as pressões por parte dos interesses das empresas canavieiras levem à elaboração de um novo texto mais conivente para os que avançam na degradação da vida na região.

É preciso estar alerta, reforçar a consciência de classe para que trabalhadores assalariados e assentados possam compreender que o que está em jogo são suas próprias vidas. É preciso mobilizar a população impactada para que Mirante do Paranapanema não repita a tragédia de Lucas do Rio Verde, onde a água, o ar e até o leite materno são contaminados por agrotóxicos.